Relatório de órgão ambiental das Nações Unidas diz que ambição das metas do Acordo de Paris precisa subir imediatamente para que o mundo tenha chance de estabilizar temperatura em menos de 2°C
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicou nesta terça-feira (31) seu relatório anual sobre o tamanho da dívida climática da humanidade. A boa notícia é que, aplicando tecnologias já existentes hoje, o mundo conseguiria chegar a 2030 com grande folga dentro da meta de estabilizar o aquecimento global em menos de 2oC, como recomenda o Acordo de Paris. A má notícia é que um plano global para aplicar essas tecnologias em larga escala precisa começar a ser executado daqui a dois anos – e até agora não há o menor sinal de que isso esteja no horizonte.
O relatório, chamado Emissions Gap Report, se destina a medir o tamanho do buraco (“gap”, em inglês) existente entre a ambição das metas climáticas colocadas na mesa pelos países e a trajetória de emissões necessária para evitar que a temperatura da Terra atinja níveis catastróficos neste século.
Há oito anos ele é publicado sempre às vésperas das conferências do clima da ONU, que acontecem entre novembro e dezembro. E há oito anos a mensagem é a mesma: o buraco é imenso e, se todos não começarem a correr, não será possível fechá-lo.
A edição de 2017 mostra que, para ter uma chance maior do que 66% de manter o aquecimento em menos de 2oC sem arrebentar a economia global, a humanidade precisa chegar a 2030 emitindo no máximo 42 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) e outros gases de efeito estufa. Em 2016 nós emitimos 51,9 bilhões, o que nos deixa um “buraco” de, no mínimo, 11 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2030. E isso se todas as metas nacionais (NDCs) do Acordo de Paris forem cumpridas com régua e compasso. Não parece ser o caso, dado, por exemplo, que os EUA estão dando para trás no seu compromisso.
Para ter mais de 50% de chance de estabilizar o clima em 1,5oC, o “centro da meta” do Acordo de Paris – temperatura acima da qual as geleiras polares poderiam entrar em colapso rápido, condenando as nações insulares ao afogamento –, o nível de emissão necessário em 2030 é menor: 36 bilhões de toneladas. O buraco, portanto, é de pelo menos 16 bilhões.
Para dar ideia do que isso significa, reduzir 11 bilhões de toneladas de CO2 para ficar nos 2oC equivaleria a zerar emissões de “dois EUA” em 12 anos. Tentar cumprir a meta de 1,5oC equivaleria a zerar emissões de uma China e um Brasil. A atual trajetória de emissões põe a Terra no rumo de um aquecimento de 3,2oC no fim deste século, segundo o Pnuma.
“Já em 2016, os primeiros artigos científicos apontavam que com os compromissos das NDCs ainda ficaríamos em torno de 3oC. Ainda é preciso considerar que muitas propostas, como a brasileira, não têm ainda detalhamento que assegure que o está lá efetivamente poderá ser alcançado”, disse ao OC a ecóloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, coautora do relatório. “Ou seja, já partimos devendo e sem muita certeza de que os países irão entregar o que está nas NDCs.”
A única solução, segundo o relatório, é partir para um aumento imediato da ambição das NDCs – já em 2020, quando as metas começam a rodar. O Acordo de Paris prevê esse aumento, mas a negociação internacional é famosa por ter um grau de pressa bem menor que o da atmosfera. A primeira conversa sobre o assunto, o chamado “diálogo facilitativo”, está prevista para o ano que vem. E uma revisão das NDCs só está programada para ocorrer a partir de 2023. Vários países, como China e União Europeia, têm suas metas iniciais (fracas) para 2030, quando em tese a humanidade já reveria ter fechado o buraco de emissões. A matemática da atmosfera é, portanto, clara: ou bem se aumenta a ambição coletiva antes do prazo oficial, ou bem tostamos o planeta.
“Perder a opção de revisar as NDCs em 2020 tornaria praticamente impossível fechar o buraco de emissões”, afirmou o Pnuma.
Ferramentas técnicas para isso existem. Pela primeira vez, o relatório do Pnuma trouxe um cardápio de tecnologias que poderiam ser aplicadas a custos baixos (ou negativos) para reduzir emissões. Apenas seis delas – energia eólica, solar, eficiência energética, carros de passeio eficientes, reflorestamento e fim do desmatamento – seriam capazes de reduzir de 15 bilhões a 22 bilhões de toneladas de CO2 equivalente até 2030. É mais do que o mundo precisa para fechar o “gap”.
O problema é que entre saber o que precisa ser feito e fazê-lo há um fosso mais difícil de transpor do que o de emissões de carbono. Alguns países desenvolvidos, como os da UE, vêm pressionando pelo aumento da ambição coletiva para 2020. No entanto, emergentes como o Brasil insistem, não sem razão, em que não há conversa sobre ambição de corte de emissões sem uma conversa simultânea sobre ambição do financiamento climático.
E no topo de um diálogo que já não era simples de equilibrar sentou-se um elefante: o Partido Republicano dos EUA com Donald Trump. O presidente americano cortou os aportes de seu país ao Fundo Verde do Clima e prometeu tirar os EUA do Acordo de Paris, ampliando a percepção no mundo em desenvolvimento de que alguém chegou ao banquete antes, comeu toda a lagosta e agora quer empurrar a conta.
A 23a Conferência do Clima da ONU, que começa na próxima segunda-feira (6) em Bonn, na Alemanha, será um termômetro do impacto da retirada dos EUA sobre a confiança internacional. Diplomatas esperam que Fiji, anfitriã da conferência, apresente um plano para o diálogo facilitativo de 2018. Será um teste para a determinação do mundo em acertar as contas com a atmosfera.