Sobre a notícia que circulou há poucos dias, denunciando pessoas que estariam se deitando numa via movimentada a fim de praticar assaltos, sabe-se, por ora, que nenhuma vítima se apresentou. De qualquer forma, é natural que uma situação assim gere medo e nos mantenha alertas à emboscada. No entanto, mais assustador do que esta notícia, foi o número de comentários sobre ela na internet, dizendo quase em uníssono coisas do tipo: “Agora sim ficou mais fácil passar por cima. E ainda dar marcha a ré”, enquanto outros até questionavam se haveria “jurisprudência” para o caso de darem a ré, repetindo o atropelamento.
Que crianças negligenciadas, brutalizadas e privadas de afeto venham a se tornar criminosas, chega a fazer algum sentido, mesmo que mórbido. O que não se explica, no entanto, é que pessoas que tiveram a sorte de nascer em realidades melhores, reajam ao fato com tantos requintes de crueldade: “Um rolo compressor resolveria o problema”, o que leva a pensar em como seriam então tais pessoas se tivessem sido criadas nas mesmas condições que os delinquentes que ora execram. Embora o conceito de se combater o horror com o horror não seja exclusivo das pessoas menos instruídas, somente a empatia pode gerar respostas mais promissoras sobre a questão da violência.
Quando nos interessamos em entender a origem da criminalidade, nos damos conta de que nenhum bebê chega ao mundo decidido a se tornar uma ameaça para a sociedade, fato confirmado pelos direitos das crianças, de todas elas, assegurados em nossa Constituição: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227). Enquanto crianças estiverem sendo privadas destes direitos, significa que nós também, enquanto sociedade, estamos descumprindo nosso dever legal de protegê-las.
Um conflito, uma perda ou uma injustiça em casa ou no trabalho costumam ser suficientes para deprimir e abalar pessoas nascidas até em berços privilegiados. Por que, então, quando se trata daqueles que não tiveram, muitas vezes, acesso a cuidados mínimos e afetos que os humanizariam, o julgamento costuma ser tão implacável? Quantos executivos de formação acadêmica louvável e currículos atraentes já não caíram em desespero por passar meses na busca infrutífera de um emprego sem, no entanto, serem rotulados como vagabundos tal como acontece impensadamente em relação à qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade? Refletir sobre tudo isso nada tem a ver com “passar a mão na cabeça de bandido”, como se tornou evasivo e conveniente dizer, mas sim na própria consciência.
Seja de forma individual ou coletiva, ser empático é não generalizar e rotular sumariamente. É não concordar que a fome e a miséria sejam um componente natural da história humana. Ser empático é defender e apoiar a implantação de políticas públicas eficazes e dizer não àquelas criadas apenas para maquiar problemas. Ser empático é olhar para as desigualdades com a coragem de perguntar: “Até onde eu também contribuo para isso?”. Carl Rogers, psicólogo pioneiro por focar sua atenção na tendência para a saúde em lugar da doença, concluiu, há mais de meio século, o que, para muitos, ainda hoje, falta compreender: “Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”.
Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.