• 19 de novembro de 2014
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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A mineração em unidades de conservação: como não comprometer oportunidades futuras?

“20% de toda a área das unidades de proteção (integral e terra indígena) no Brasil tem algum registro de interesse minerário”, informa a pesquisadora Joice Ferreira.

O Projeto de Lei – PL 3682 proposto em 2012, de autoria do deputado Vinicius Gurgel (PR-AP), que dispõe sobre mineração em unidades de conservação, visa alterar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC para permitir a exploração mineral em 10% das unidades de proteção integral. “Esta legislação proposta contraria totalmente o princípio que justifica a criação destas unidades, além de sobrepor interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos de ter um meio ambiente equilibrado”, adverte Joice Ferreira em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.

A pesquisadora lembra que a lei 9.985, conhecida como SNUC ou Sistema Nacional de Unidades de Conservação, “contempla todos os critérios e normas para a gestão de unidades de conservação”, com o objetivo principal de “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Portanto, uma área de proteção integral não pode por lei ser objeto de exploração direta dos recursos naturais”.

Recentemente, a pesquisadora, juntamente com Toby Gardner, realizou um estudo avaliando 500 unidades de conservação integral e 580 reservas indígenas. Dessas, “47% e 43%, respectivamente, possuem registro de interesse minerário em seu interior”, informa.

Joice aponta a Estação Ecológica do Grão-Pará, “maior reserva de floresta tropical no mundo, com 42.458 Km2”, e a Estação Ecológica do Jarí, na divisa entre Pará e Amapá, como as áreas de maior interesse das mineradoras. Somente a Estação Ecológica do Jarí “possui mais de 70% dos seus quase 2.300 Km2 de área com registro de interesse documentado junto ao DNPM”. Entre as terras indígenas que são alvo de interesse das mineradoras, a pesquisa menciona a reserva Yanomami, entre Amazonas e Roraima, que “possui interesse registrado em 27.600 km2, que corresponde a quase 30% de sua área. O mesmo ocorre para várias aldeias dos Kayapós no Pará”.

Joice Ferreira é bióloga, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, Pará. Também é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará – PPGCA.

IHU On-Line – Quais reservas e unidades de conservação estão ameaçadas por conta do avanço da mineração e da construção de hidrelétricas no país?

Joice Ferreira - O nosso estudo avaliou mais de 500 unidades de conservação integral e cerca de 580 reservas indígenas no país. Destas, 47% e 43%, respectivamente, possuem registro de interesse minerário em seu interior. Posso listar algumas dessas reservas onde as maiores áreas de sobreposição foram observadas. No caso das unidades de proteção integral, a Estação Ecológica do Jarí, por exemplo, na divisa entre Pará e Amapá, possui mais de 70% dos seus quase 2.300 Km2 de área com registro de interesse documentado junto ao DNPM. Nesta reserva foi encontrado interesse em 30% de sua área total. Outro caso importante é a Estação Ecológica do Grão-Pará, maior reserva de floresta tropical no mundo, com 42.458 Km2. Entre as terras indígenas, a reserva Yanomami, por exemplo, entre Amazonas e Roraima, possui interesse registrado em 27.600 km2, que corresponde a quase 30% de sua área. O mesmo ocorre para várias aldeias dos Kayapós no Pará. Mesmo que apenas uma pequena parte da área com interesse registrado seja convertida, a magnitude do impacto é motivo para preocupação. As usinas hidrelétricas atingem rios ligados a muitas áreas protegidas, por exemplo, na região do Tapajós.

IHU On-Line – Você chama a atenção para o fato de que 20% das zonas de conservação integral e terras indígenas — somente na Amazônia — poderão ser degradadas por conta da exploração de minério e da construção de hidrelétricas. Quais comunidades seriam afetadas?

Joice Ferreira - A nossa pesquisa mostrou que 20% de toda a área das unidades de proteção (integral e terra indígena) no Brasil tem algum registro de interesse minerário. Somente na Amazônia a sobreposição corresponde a mais de 8% da área de proteção integral e 28% das terras indígenas; isso significa, caso os projetos de lei em tramitação no congresso avancem e sejam aprovados, na Amazônia, uma área de mais de 34.000 Km2 de proteção integral (aproximadamente o tamanho da Suíça) e de mais de 280.000 km2 de terras indígenas — uma área maior do que o Reino Unido ou o estado de São Paulo.

As áreas de proteção integral (Parques, Estações ecológicas), ao contrário das Terras Indígenas, não possuem pessoas morando em seu interior, mas ainda assim nossa preocupação é que esse impacto atinja amplas áreas fora das unidades de conservação, incluindo comunidades mais pobres e, portanto, vulneráveis. Os pedidos de prospecção (exploração mineral propriamente dita) certamente podem não se concretizar em toda essa área onde foi manifestado interesse em pesquisas minerais.

Mas o principal ponto que o artigo chama a atenção é para o potencial dos efeitos indiretos a partir de grandes empreendimentos nestes biomas. Assim, considerando que grandes obras, sejam de mineração ou energia, vêm acompanhadas da migração de trabalhadores, construção de estradas, portos etc., o potencial de dano pode ser muito grande, particularmente se não houver um rigor nas práticas de operação das empresas e uma ação governamental forte adequada para garantir um desenvolvimento sustentável.

Outro aspecto muito importante é o respeito aos direitos das comunidades indígenas. O número de casos de conflitos de terras com essas comunidades é imenso e vemos uma mobilização grande nos últimos anos por parte dos povos indígenas, que temem perder mais os seus direitos, com a proposta de mudança na constituição. Enfim, as perspectivas de crescimento do setor mineral e o nível de interesse mostrado em nosso trabalho nas terras indígenas indicam as chances de intensificação dos conflitos no futuro.

IHU On-Line – Qual é a legislação específica acerca da proteção das reservas e unidades de conservação?

Joice Ferreira - É a lei 9.985, de 2000, conhecida como SNUC ou Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Esta legislação contempla todos os critérios e normas para a gestão de unidades de conservação. É essa lei que institui que as unidades de proteção integral têm o objetivo principal de preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Portanto, uma área de proteção integral não pode por lei ser objeto de exploração direta dos recursos naturais.

O nosso artigo discute especificamente um projeto de lei (PL3682) proposto em 2012 que visa alterar o SNUC para permitir a exploração mineral em 10% das unidades de proteção integral. Esta legislação proposta contraria totalmente o princípio que justifica a criação destas unidades, além de sobrepor interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos de ter um meio ambiente equilibrado.

IHU On-Line – De que maneira o novo Código da Mineração pode causar mais impacto nas reservas brasileiras?

Joice Ferreira - Em relação ao Código da Mineração, o mesmo é contido no Projeto de Lei n° 5.807, de 2013, que vem substituir o Código Mineral antigo datado de 1967. A criação deste novo instrumento é justamente para garantir o crescimento da mineração, criando um marco legal favorável ao setor. O Código da Mineração em si (PL 5807) trata mais especificamente do contexto institucional e econômico do setor. Em termos de legislação, o nosso artigo enfoca mais especificamente outro projeto de lei – PL 3682, de 2012 — esse sim propõe permitir a exploração mineral em 10% de cada unidade de proteção integral. De qualquer forma, o mais importante a se considerar é que, tomando todas essas medidas juntas, uma conjuntura vem sendo fortemente criada em favor do setor mineral. E a proposta do PL 3682 modificando o SNUC impacta diretamente as áreas protegidas brasileiras.

IHU On-Line – O PL 3682 contempla alguma questão sobre os impactos ambientais e, especificamente, os impactos às reservas?

Joice Ferreira - Este PL traz uma proposta de compensação na qual os empreendedores da mineração entregariam para a União uma área com dobro do tamanho da área utilizada nas reservas. No artigo, discutimos como essa proposta está longe de ser efetiva. Primeiro, porque a maior preocupação que temos é com os efeitos indiretos difíceis de estimar a extensão e que podem expor áreas preservadas a uma degradação acelerada em curto tempo. Segundo, explorar recursos de uma área protegida para conservar em outra área foge de qualquer princípio da conservação ambiental. As áreas protegidas normalmente são escolhidas por apresentarem características próprias e especiais em termos de conservação, seja em termos de conservar uma biodiversidade alta, espécies ameaçadas de extinção, espécies raras ou conservar recursos naturais importantes para a sociedade de forma geral.

IHU On-Line – Dados divulgados na imprensa informam que de 500 unidades de conservação existentes no país, 236 já receberam algum tipo de pedido de sondagem de empresas de mineração. Como você interpreta esses pedidos?

Joice Ferreira - Vejo esses pedidos como um sinal preocupante de uma possível estratégia preparatória para agir a partir de uma conjuntura favorável a grandes empreendimentos minerários e de energia em um futuro próximo.

IHU On-Line – Além dos danos diretos às reservas por conta da exploração de minério ou construção de hidrelétricas, é possível mensurar os danos indiretos? Quais são eles?

Joice Ferreira - Infelizmente, não há muitos estudos neste campo e é algo realmente difícil de estimar. Mas podemos antecipar que grandes empreendimentos ou empreendimentos que abranjam amplas áreas são normalmente acompanhados por muitas mudanças, a começar pelo fluxo migratório de pessoas para o local. Já temos uma boa noção do que ocorre como resultado do crescimento populacional humano e as obras de infraestrutura que se seguem. Há vários estudos científicos mostrando o papel das estradas nas mudanças ambientais e a relação destas pressões com o desmatamento e a degradação florestal (queimadas, exploração madeireira). Se considerarmos a possível interação dessas mudanças com as mudanças climáticas previstas, o resultado pode ser muito preocupante.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Joice Ferreira - É importante ressaltar que a pressão para o desenvolvimento “tradicional” com lucros mais imediatos vê apenas os benefícios econômicos de curto prazo, a partir de uma visão mais estreita. Fazer a opção por manter a integridade completa de áreas protegidas é optar pelos ganhos de longo prazo, onde muitos dos benefícios não são sentidos no presente. Todos sabem do potencial que as florestas apresentam em termos de gerar renda, mas estes ainda não se concretizam facilmente no presente. Por isso há normalmente uma interpretação equivocada ou um “falso dilema” de que as unidades de conservação representariam entraves ao desenvolvimento. E quando nos damos conta de que as próprias atividades produtivas requerem insumos naturais (p. ex., água, insetos benéficos) que estão justamente nestas áreas naturais protegidas? Enfim, é muito importante que sejam feitas escolhas acertadas para não comprometer as oportunidades futuras. Para tanto é muito importante que o governo realize análises de custo-benefício de forma participativa das diferentes obras, sejam usinas ou minas, sempre considerando o benefício trazido pelos ambientes naturais.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.

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