A tão temida reindustrialização
Rio de Janeiro, Brasil, 8/10/2012 – O retrocesso do setor manufatureiro que enferma a economia do Brasil, segundo analistas, não se compadece da realidade de alguns lugares específicos, onde, pelo contrário, cresce a mão de obra de indústrias de velha geração e poluidoras: ferro e petróleo. A cidade do Rio de Janeiro é um exemplo emblemático dessa reindustrialização. Vive um ciclo de recuperação do setor no qual se destacam projetos petroquímicos e siderúrgicos, os maiores da América Latina, manchando sua imagem de capital ambiental e sede das duas mais importantes cúpulas mundiais sobre desenvolvimentos sustentável, realizadas em 1992 e este ano.
O Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), em construção 40 quilômetros a nordeste desta cidade, e a Companhia Siderúrgica do Atlântico, inaugurada há dois anos no extremo oeste do mesmo distrito, fortalecem o cerco fóssil à sempre chamada “cidade maravilhosa”, delineado pelo Arco Metropolitano, a estrada que unirá os dois polos. É a “Rio mais tóxica”, lamenta um movimento de ambientalistas contrário a esses grandes projetos.
Contaminam ecossistemas costeiros, como as baías, desalojam comunidades e inviabilizam a pesca artesanal, enquanto beneficiam pouquíssimos, acusou o ativista Gabriel Strautman, da organização humanitária não governamental Justiça Global. A estas obras somam-se a construção ou ampliação de vários portos nas proximidades, para servirem de saída para o exterior de minérios, especialmente ferro, bem como de apoio à extração de hidrocarbonos Oceano Atlântico adentro.
Nesse contexto, nos últimos anos também foram reativados na área vários estaleiros, que caíram em desgraça na década de 1980, agora para produzir navios, plataformas e outros equipamentos petroleiros. É o destino do Estado do Rio de Janeiro, já que “85% do petróleo e do gás extraídos no país provêm dos mares e dos portos saem os minerais”, justificou o secretário estadual do Meio Ambiente, Carlos Minc.
Diante dessa realidade geográfica, com a principal bacia petroleira do Atlântico de um lado, e, de outro, o Estado que mais produz ferro, fosfato, ouro, zinco e nióbio no país e por isso chamado Minas Gerais, “não se pode vetar tudo”, argumentou o secretário.
O que se pode fazer, segundo Minc, que foi ministro do Meio ambiente entre 2008 e 2010, é negociar mudanças de local ou tecnologias com as empresas para reduzir impactos e exigir compensações sociais e ambientais que, no caso do Rio de Janeiro, são as mais pesadas do Brasil. Por exemplo, explicou, o Comperj concordou em construir 22 quilômetros de metrô em cidades próximas, completar o saneamento de dois municípios, desenvolver o tratamento de esgoto, ampliar a oferta do serviço potável em sua área de influência e recuperar os rios plantando seis milhões de árvores em suas margens.
Além disso, a Petrobras, dona do projeto, assumiu o compromisso de proteger mangues dos arredores e “não jogar uma só gota de petróleo ou deságue na Baía de Guanabara”, acrescentou o secretário, assegurando que os limites de emissão de contaminantes serão oito vezes mais rigorosos do que os adotados nacionalmente. Porém, tantas promessas não tranquilizam os pescadores da Baía de Guanabara, cujas águas se estendem por 377 quilômetros quadrados, ao redor das quais cresceu a Região Metropolitana, de 12 milhões de habitantes.
“Será o Armagedon da baía”, a unidade petroquímica será gigantesca e exigirá inúmeros dutos e embarcações cruzando suas águas, disse Alexandre Anderson, presidente da Associação Homens do Mar, escaldado pelos danos à pesca provocados por outra unidade da Petrobras, a Refinaria Duque de Caxias (Reduc). Esta unidade de processamento, localizada em área urbana e próxima à baía, responde por numerosos acidentes ambientais desde sua inauguração em 1961. Em 2000, por exemplo, derramou 1,3 milhão de litros de petróleo em suas águas, cujos efeitos são sentidos até hoje.
Diante disso, Minc defendeu o fato de que a Petrobras concordou em investir R$ 1,08 milhão em 52 ações para corrigir seus problemas ambientais. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), construída em 1946 em Volta Redonda, a 130 quilômetros do Rio de Janeiro, é outro flagelo ambiental, por contaminar gravemente o Rio Paraíba do Sul, principal fonte de água potável para a região metropolitana carioca. Esta empresa também assinou um acordo de ajuste de conduta por sanções, já cumprido em 90%, informou o secretário.
Reduc e CSN, ambas de velha geração, “contaminam muito mais” do que as novas indústrias, de tecnologias avançadas, comparou Minc. De qualquer forma, a moderna Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), com apenas dois anos de atividade, já se converteu em alvo de ambientalistas e moradores por ter provocado “chuvas de prata”, como chamam a emissão de pó de origem mineral. A unidade fica em Santa Cruz, uma zona de 220 mil habitantes no oeste da cidade do Rio de Janeiro.
As autoridades ambientais impuseram multas, pagamento de indenização aos afetados e embargo das obras até que a empresa, controlada pelo grupo alemão Thyssen Krupp, assinou um acordo para solucionar 130 problemas ambientais. Assim, conseguiu-se a instalação de um sistema “único no mundo” para evitar 90% da emissão do pó e medidas para reduzir as inundações provocadas pelo desvio de um rio no terreno da empresa.
Entretanto, os ajustes, as correções e compensações não dão descanso a Minc. No caso da CSA foi a alternativa encontrada para não fechar uma unidade siderúrgica que emprega oito mil pessoas, mas esclarece que ele não a teria aprovado. Também, “às vezes”, vetamos, destacou o secretário, que deu como exemplo a proibição de construir três portos que ameaçavam ecossistemas biodiversos e turísticos, o mais distante a 180 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro.
Também o governo estadual teve que aprovar a ampliação dos quatro portos públicos existentes e a construção de dois grandes projetos pertencentes ao empresário Eike Batista, considerado o homem mais rico do país. O maior desses terminais privados, batizado de Superporto de Açu, fica 320 quilômetros a nordeste do Rio e é por onde sairá a exportação de minério de ferro e entrará carvão. Essa área também receberá outra grande siderúrgica, centrais termoelétricas e indústrias variadas, totalizando investimentos de US$ 40 bilhões.
Nesse caso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Rio de Janeiro impôs, para autorizar o projeto, a mudança de local, para preservar o ecossistema de sedimentos costeiros, uma lagoa e mangues, além de exigir o saneamento básico de cidades vizinhas, criação de um corredor de conservação biológica e melhores tecnologias não contaminantes, afirmou Minc. Ferrovias, dutos para minérios, estradas e armazéns acompanham Açu e outro superporto que o mesmo grupo empresarial de Eike Batista constrói em Itaguaí, oeste do Rio de Janeiro, para exportação de minerais procedentes de Minas Gerais.
O Estado do Rio de Janeiro, que viveu uma decadência econômica ao perder indústrias e instituições financeiras nos anos 1980 e 1990, se recupera desde a década passada favorecido por políticas que intensificaram a competição entre os Estados brasileiros, com privatizações e o fim do monopólio do petróleo, segundo o economista Alberto de Oliveira. Além de contar com a bacia marítima de Campos, onde mais se extrai petróleo no Brasil, a descoberta de grandes jazidas na camada pré-sal de águas profundas do Oceano Atlântico, em sua área e nas pertencentes a Estados vizinhos, ampliou o peso dos hidrocarbonos na economia local.
Políticas de desconcentração da economia excessivamente centralizada em São Paulo e uma reestruturação da petroquímica também beneficiaram o Rio de Janeiro, destino natural de investimentos associados a hidrocarbonos e aço, que incluem as indústrias metal-mecânicas, segundo Oliveira.
São opções que irritam os ambientalistas, mas a forte presença petroleira está convertendo o Rio de Janeiro em uma importante capital do conhecimento sobre petróleo e gás. Muitas empresas transnacionais, como General Electric e British Gas, decidiram instalar seus centros tecnológicos na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde o Centro de Pesquisas da Petrobras já desenvolveu muitas inovações. Envolverde/IPS