• 06 de março de 2013
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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As novas terras das cidades

Economistas, arquitetos e geógrafos querem ajudar na gestão de municípios do Pará.

De Belém – Em 2010, professores e estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) ajudaram os moradores da ilha de Murutucum, próxima a Belém, a voltar a produzir bolsas, mochilas e calçados impermeabilizados com o látex de seringueiras que não eram exploradas há mais de um século. Professores e pesquisadores da UFPA estão agora olhando mais longe, desta vez com o propósito de mapear, entender e ajudar a gerir as cidades de um Estado com uma área quase três vezes maior que a da França.

“Queremos auxiliar os municípios a resolver problemas e a construir seus planos de ação”, disse Fábio Carlos da Silva, diretor adjunto do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) e secretário executivo da Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia (Ippa), que reúne universidades, órgãos do governo, organizações não governamentais e empresas de nove estados da Amazônia. Uma das ações previstas para este ano são cursos de administração pública para prefeitos e vereadores.

“Não conhecíamos quase nada do interior do Pará”, observou a arquiteta Ana Claudia Duarte Cardoso, pesquisadora da UFPA e do Instituto Tecnológico Vale (ITV). Em 2004, pouco depois de voltar do doutorado na Inglaterra, ela participou de um grupo de pesquisadores que percorreu 14 cidades do Estado para ajudar na elaboração do plano diretor, que seria exigido a partir de 2006 para municípios com 20 mil habitantes. “Vimos que o problema era mais profundo”, ela constatou. “Muitos municípios não conseguiam fazer os planos diretores porque não tinham informação sobre seu território, nem diagnósticos de suas necessidades e potencialidades, nem cartografia.”

Em julho de 2012, Ana Claudia voltou à região de Marabá, agora como uma das coordenadoras do Urbis Amazônia, um projeto de pesquisa implantado em 2011 com um financiamento de R$ 2,3 milhões do ITV de Belém e da Fundação Vale para se conhecer melhor os processos de formação e evolução do espaço urbano na Amazônia. Arquitetos, urbanistas, economistas e geógrafos do Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo pretendem identificar tensões e contribuir para a formulação de políticas públicas em três regiões do estado
Estamos construindo uma cartografia do espaço urbano da Amazônia”, afirmou Antonio Miguel Monteiro, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do Urbis. “Não é uma cartografia tradicional, porque reflete as relações sociais, espaciais e culturais entre lugares, não apenas as posições dos lugares.” Na primeira expedição, de 4 a 15 de junho de 2012, 10 pesquisadores visitaram 58 comunidades ribeirinhas do município de Santarém, ao longo do rio Tapajós. São comunidades pequenas, com 50 a 100 famílias cada uma, mas “em conjunto funcionam como se fossem uma cidade, complementando funções ou serviços”, observou Monteiro. O posto de saúde pode ficar em uma comunidade e a escola em outra, e todas as famílias os usam. “Pretendemos dar visibilidade a esses núcleos e às formas como se organizam entre eles e com outros espaços, para que sejam de fato considerados no planejamento regional.”

Em outra expedição, de 19 de julho a 5 de agosto, nove pesquisadores percorreram as cidades do sudeste do Pará (Urbis-1) e entrevistavam moradores, empresários, secretários municipais e diretores de organizações não governamentais. Viram núcleos urbanos que não estavam nos mapas e fenômenos inesperados, como cidades que nascem grandes e espalhadas, com milhares de moradores atraídos pelos empregos gerados por empresas mineradoras ou agropecuárias. Muitas cidades estão subordinadas à atividade rural, invertendo a hierarquia habitual.

Eles começam a ver o que deveria ser feito. Em dois condomínios do programa do governo federal Minha Casa Minha Vida, com um total de 2.500 casas em construção na periferia de Marabá, não detectaram linhas regulares de ônibus capazes de evitar o isolamento dos novos bairros. “As obras acontecem de forma atabalhoada, mais pela possibilidade de acesso a recursos do que como resultado de um planejamento consistente e coerente”, concluiu Ana Claudia.
Condomínios populares em situações semelhantes tomam forma também em Parauapebas e Canaã dos Carajás. “Metade da área urbana de Parauapebas é loteamento, porque quem chega, em vez de comprar apenas um terreno, compra quatro ou cinco, já que o preço da terra é baixo”, ela observou. “A consequência são cidades cheias de espaços vazios.” A urbanização, por sua vez, transforma radicalmente a paisagem natural: “Os topos de morros e as margens dos rios, que deveriam ser preservados, estão carecas em todas as cidades que passamos”.

Espaços híbridos

Roberto Monte-Mor, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Urbis, voltou angustiado da expedição. “Vimos um processo de destruição total, estradas asfaltadas, muita gente ganhando dinheiro com venda de terrenos e motos.” Em Tucumã as motocicletas e motonetas respondem por 80% da frota de veículos e em Parauapebas e Marabá por 50%.

“O que estamos vendo no Pará”, disse Monte-Mor em um seminário no final de outubro na UFPA, “é o espaço urbanizado que é ao mesmo tempo campo e cidade, não é nenhum dos dois, mas integra os dois”. Arquiteto e urbanista de 65 anos que percorre a Amazônia há 40 anos, trabalha há 30 anos com economistas e há 15 com geógrafos, Monte-Mor lançou em 2004 o conceito de urbanização extensiva, que a equipe do Urbis adotou para analisar o espaço urbano na Amazônia. “Os limites da cidade se expandiram e o território rural sofreu um processo de urbanização. Quem mora no campo também quer viver como na cidade, com eletricidade, TV por satélite e senso de cidadania. A cidade jogou seus tentáculos sobre o campo”, observou.
Não são fenômenos exclusivos da Amazônia. A partir de 1960 a construção de estradas e a ampliação das redes de eletricidade, telefonia e saneamento têm levado o conforto da cidade para os moradores do campo por todo o país. Monte-Mor tem encontrado fenômenos similares em aldeias indígenas do norte de Minas Gerais, cujos moradores reivindicam eletricidade e ruas pavimentadas em frente de suas casas de alvenaria.

Do ponto de vista econômico, as cidades da primeira região percorrida estão bem, crescendo e gerando riquezas. Por causa principalmente da mineração e da agropecuária, a participação da renda bruta dos municípios da Urbis-1 na economia do Pará passou de 8,6% em 1996 para 20% no final da década seguinte. Em Canaã dos Carajás, um dos maiores projetos de exploração de minério de ferro do mundo, com investimentos estimados em US$ 20 bilhões, motivou a construção de estradas, puxou o preço da terra e atraiu novos moradores: a população do município deve passar de 20 mil para 100 mil em 10 anos. Nem sempre, porém, a construção de casas acompanha o ritmo de chegada dos migrantes. “Desde 2002 o perímetro urbano de Canaã dos Carajás mudou mais de seis vezes”, como registrado em um dos relatórios do Urbis, “com a constituição de bolsões de pobreza em 19 assentamentos informais instalados em áreas públicas”.

É difícil encontrar paraenses nessas cidades do Pará, porque a maioria dos moradores veio de outras regiões do país. Em Parauapebas, reconhecida como cidade em 1985, 56% dos moradores são migrantes ou filhos de migrantes. Em Canaã dos Carajás – cidade ainda mais nova, reconhecida em 1994 –, 54% dos moradores vieram de outros estados. Canaã apresenta uma das maiores taxas anuais de crescimento populacional do país, de 18,11%; a média nacional é 1,55%.

Bois e praias

Em São Félix do Xingu o rebanho bovino cresceu de modo impressionante – de 9 mil cabeças em 1994, 682 mil em 1999, 1 milhão em 2001, 2 milhões (declarados) em 2010, o que implica uma média de 22 bois para cada morador. “Em 1980”, testemunhou Monte-Mor, “São Félix era uma vila perdida em um mundo arcaico, com menos de 2 mil habitantes, e de repente se transformou em uma cidade de quase 50 mil pessoas, com lojas imensas de produtos químicos, anúncios de rodeios e placas de protesto do Greenpeace. São Félix e Xinguara têm gado dos dois lados do rio, tudo desmatado, não têm mais castanhais. É triste ver a expulsão dos camponeses e dos seringueiros. É triste ver os moradores discutindo o que é pior, se a mineração ou a pecuária. O desmatamento foi brutal. Vai deixar de ser Amazônia logo, logo”.
Muita gente vai se divertir nas praias fluviais ou pescar nos rios de São Félix do Xingu e Marabá. Monte-Mor, que esteve na região em 1984 e em 2001, espantou-se ao ver centenas de barracas vendendo peixe na areia e dezenas de jet-skis cortando o rio Xingu: “Turismo tão popular quanto este nunca tinha visto. O diabo é a música. Caixas de som monstruosas e música péssima.”

“Estamos diante do desafio de combinar as muitas Amazônias, de explorar elementos integradores e enfatizar diferenças internas”, ressaltou Monte-Mor. Fábio Silva vê o risco de mais uma vez se confiar em empreendimentos econômicos de grande porte como forma de promover a economia da região Norte: “Os grandes projetos servem ao país e ao mundo, mas a longo prazo não trouxeram a esperada melhoria para a região”.

* Publicado originalmente no site Revista Pesquisa Fapesp.

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