Aviação internacional em zona de turbulência
Cenário de recentes impasses comerciais, o setor de aviação internacional assiste no mês de janeiro ao acirramento das tensões entre a União Europeia (UE) e países que não pertencem ao bloco. O motivo dos embates é a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia que incorpora o setor ao esquema de comércio de emissões europeu, o European Union Emissions Trade Scheme (EU ETS). A determinação, anunciada em dezembro, entrou em vigor no início de 2012 e estabelece um limite às emissões de gases de efeito estufa (GEE) das companhias aéreas que operam no continente, aplicável a todos os voos que tenham aeroportos europeus como origem e/ou destino. Para este ano, o limite de emissões foi fixado em 215 milhões de toneladas de CO2, sendo que 85% das permissões serão distribuídas sem ônus às companhias aéreas e as demais serão comercializadas nos leilões do EU ETS.
A medida está em consonância com a persistente defesa pela UE da inclusão do setor de aviação no esquema de comércio de emissões regional. Além disso, é adotada em um momento em que, a despeito da crescente participação dessa fonte no total de GEE emitidos globalmente, as perspectivas de um acordo que regulamentasse essas emissões via Organização Internacional de Aviação Civil (Icao) não se mostravam promissoras. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o setor de aviação é responsável por aproximadamente 3,5% das emissões antrópicas de GEE, volume que tem crescido de forma mais acelerada que as emissões de qualquer outra fonte. Adiciona-se a isto o fato de que as emissões provenientes desse setor não são reguladas pelo Protocolo de Kyoto, tendo permanecido, até o início deste ano, alheias a qualquer esquema de regulação.
A decisão tem despertado fortes objeções por parte de companhias aéreas de fora do continente, segundo as quais a iniciativa da UE é unilateral e ofensiva à soberania dos países afetados. Ainda no ano passado, em uma declaração apoiada por 26 países (entre os quais o Brasil), a Icao solicitou a exclusão de empresas não europeias do mecanismo. Iniciativa similar foi adotada pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, que conclamou o bloco europeu a abandonar o plano. Já na primeira semana de janeiro, as quatro maiores empresas chinesas do setor declararam que não participariam do esquema, alegando a inviabilidade de arcarem com seus altos custos em um momento de desaceleração econômica. Ainda assim, a decisão tem sido sustentada pela UE, que defende sua importância para a mitigação da mudança climática.
De fato, o mecanismo do tipo cap-and-trade, que estabelece um limite para as emissões de GEE, representa uma oportunidade para o desenvolvimento de novas tecnologias de redução de emissões, uma vez que as companhias mais eficientes podem lucrar ao vender às demais suas permissões excedentes. Entretanto, na avaliação de alguns analistas, a medida pode se mostrar ineficaz caso o aumento dos custos seja simplesmente repassado aos consumidores por meio de tarifas mais elevadas – medida já adotada por muitas companhias de dentro e fora do continente.
Embora recaia sem distinção sobre todas as companhias que atuam na Europa, o posicionamento europeu pode desencadear a adoção de outras medidas protecionistas por parte dos países emergentes, dando origem a uma guerra comercial. Por sua vez, a resistência que a decisão tem enfrentado por parte dos Estados Unidos e da China – dois dos países que mais têm apresentado entraves aos acordos multilaterais de redução de GEE – pode representar uma resposta coordenada e antecipada à sinalização, por parte da União Europeia, de futuras medidas comerciais restritivas relacionadas ao enfrentamento da mudança climática.
* Fábio Bicalho é consultor da WayCarbon (www.waycarbon.com).