• 26 de outubro de 2011
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Belo Monte marca mudança radical na política externa

Ativistas contrários à construção da hidrelétrica amazônica de Belo Monte acreditam que a decisão do Brasil de não participar da audiência convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma mudança “radical” em sua política externa. A audiência foi marcada pela CIDH para hoje em Washington, para que o governo brasileiro explique o suposto descumprimento de medidas solicitadas pela própria Comissão para proteger populações indígenas da região amazônica do Rio Xingu, no Pará.

Entretanto, no dia 21, Brasília comunicou à CIDH que não enviaria um representante a essa audiência, alegando que as medidas solicitadas estão sendo aplicadas de acordo com a “ordem jurídica brasileira e as condicionantes socioambientais impostas à construção da represa”. A decisão de Brasília, divulgada no dia 24 por ativistas, “representa uma mudança radical na política externa brasileira”, disse a diretora da organização humanitária Justiça Global, Andressa Caldas, em uma entrevista a correspondentes de imprensa estrangeiros no Rio de Janeiro. Esta “abrupta mudança”, sem precedentes na história democrática do país, significa uma “ruptura de diálogo no sistema multilateral”, disse Caldas.

No dia 11 de abril, a CIDH recomendara ao governo “suspender imediatamente o processo de licença do projeto” e “qualquer obra material” para proteger direitos dos indígenas locais. Além disso, o governo deveria oferecer aos indígenas consultas “prévias, livres, informadas e culturalmente adequadas”, acesso ao estudo de impacto social e ambiental do projeto com tradução para línguas autóctones e garantir a proteção da “vida e da integridade pessoal”, incluindo a prevenção de doenças que surgirem pelo início das obras e pelo fluxo migratório para a região. No dia 29 de julho, a CIDH modificou e ampliou as medidas cautelares com base em informação enviada pelo governo brasileiro e por organizações denunciantes.

A hidrelétrica, com previsão de entrar em funcionamento em 2015, afetará cem quilômetros da Volta Grande do Xingu, e inundará 520 quilômetros quadrados. Segundo ativistas, impactará diretamente entre 16 mil e 25 mil pessoas. A tecnologia escolhida, uma central de passagem, exige uma represa menor, mas desviar a água por um canal reduzirá o fluxo na Volta Grande, podendo gerar seca em uma área habitada por duas comunidades indígenas de 200 integrantes além de centenas de famílias ribeirinhas.

Apesar dos protestos, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente autorizou em junho o início da construção. O governo adotou “uma postura inédita de ameaça, falta de respeito e deslegitimização do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos”, afirmou a Justiça Global em um documento assinado junto com outras organizações, como o Movimento Xingu Vivo para Sempre, que representa moradores e indígenas da bacia.

Segundo Caldas, isso se soma a outras formas de “chantagem”, com retirada da candidatura de Paulo Vannuchi, ex-ministro de Direitos Humanos, para integrar a CIDH e a ameaça de suspender contribuições para a Organização dos Estados Americanos (OEA), entidade-mãe do sistema interamericano. A advogada Roberta Amanajás, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, disse que a “fuga” do governo brasileiro é ainda “mais grave” por “seu papel no contexto latino-americano”. Para ela, “o Brasil demonstrou arrogância, uma postura antidemocrática e de rompimento do diálogo”.

O governo não se pronunciou publicamente. Mas na carta dirigida à CIDH argumenta que os poderes Executivo, Legislativo e Judicial “seguem de forma imparcial e independente o cumprimento das obrigações de proteção dos direitos humanos dos membros das comunidades situadas na área de influência do projeto”. A hidrelétrica, que requer investimento de US$ 12 bilhões para ser uma das maiores do mundo, com capacidade de gerar 11.233 megawatts, abastecerá 26 milhões de habitantes incluindo zonas urbanas de alto consumo, como a região metropolitana de São Paulo.

Segundo o governo, Belo Monte será uma fonte de fornecimento elétrico para abastecer de forma simples e renovável a crescente demanda. Contudo, organizações ambientalistas e movimentos locais consideram que não foram feitos estudos suficientes de seu impacto social e ambiental e que prejudicará a fauna, a flora e atividades de subsistência, o abastecimento de água e a pesca. Segundo Antonia Melo, líder do Movimento Xingu Vivo para Sempre, esses impactos já começaram a ser sentidos na cidade de Altamira, a 900 quilômetros da capital Belém, devido à migração dos que buscam algum dos 20 mil empregos prometidos pela obra.

Melo disse aos correspondentes estrangeiros que a região vive “um caos social” porque o Consórcio Norte Energia, responsável pela construção, não cumpriu as medidas prometidas para compensar os impactos. Segundo a ativista, em um ano, a violência aumentou 28%, especialmente na forma de crimes como abuso sexual de menores. O fluxo migratório, que aumentou em 30% a população local, fez com que os hospitais estejam lotados e a saúde indígena comprometida.

Antes do começo das obras, um posto de saúde atendia 20 pessoas por final de semana, agora recebe cem, afirmou Melo, que também denunciou aumento da ocupação ilegal de terras e extração de madeira em áreas indígenas. A essas reclamações somam-se a prefeitura de Altamira, nas mãos do PSDB, vereadores, empresários e comerciantes locais, que inicialmente acreditavam que a hidrelétrica traria melhorias.

“Trabalhadores de várias partes do país estão vindo para a cidade em busca de emprego. Mas Altamira não tem estrutura de saúde, educação, transporte, saneamento e segurança, e não pode suportar o crescimento repentino de sua população e evitar o caos social que esteve presente na história das grandes obras de engenharia implantadas na Amazônia”, afirma um documento da prefeitura local.

Caldas e Amanajá destacaram que um informe da Fundação Nacional do Índio registrou aumento da incidência de malária no Pará, situada em 9,44% no Estado e muito mais alta entre suas etnias, enquanto no restante do país é de 1,67%. Belo Monte integra o Programa de Aceleração do Crescimento, com o qual o governo busca melhorar a infraestrutura por meio de obras que gerem emprego e desenvolvimento.

Em uma entrevista com correspondentes estrangeiros em setembro, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, defendeu a licença que autorizou a construção da hidrelétrica, suspensa depois provisoriamente pela justiça. A autorização foi dada pouco depois de feitos os estudos técnicos necessários para avaliar os impactos ambientais, sendo tomados todos os cuidados necessários, afirmou.

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