Setor de transportes, responsável por 25% das emissões globais, apresenta soluções para um futuro mais sustentável; revitalização exige investimento em formas alternativas de transporte coletivo e combustíveis; primeiro esboço de decisões da COP26 pede mais engajamento nacional; ONGs relatam frustração e destacam excesso de palavras versus poucas ações efetivas. Com a 26ª. Conferência da ONU sobre Mudança Climática, COP26, entrando na reta final, os temas desta quarta-feira foram a proposta inicial de decisão e os debates sobre meios de transportes mais sustentáveis. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Ipcc, os meios de transportes geram quase um quarto de todas as emissões de gás de efeito estufa.
Mudança de cultura
E segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, este é um setor quase inteiramente dependente de combustíveis fósseis. A quantidade de emissões mais que dobrou desde a década de 70. E os veículos são responsáveis por cerca de 80% desse aumento.
A ONU News conversou com o representante da ONG 350.org, Peri Dias, que está em Glasgow. Ele explica que a implementação de ações sustentáveis vai além da mudança da fonte energética. “A gente está falando de mais e melhores linhas de ônibus, linhas de trem e metrô nas cidades, a gente está falando de transporte entre as cidades mais eficientes, por meio de trilhos, por exemplo. A gente está falando de estímulo ao uso de bicicleta, a caminhada, ao deslocamento a pé. Tudo isso é fundamental e envolve uma discussão e ações que não dizem respeito somente à tecnologia, mas que dizem respeito ao tipo de cidade que a gente quer, o tipo de sociedade que a gente quer construir”
Peri Dias afirma que a mudança de hábitos de locomoção, especialmente nas cidades, além de ajudar no combate ao aquecimento global ainda pode tornar o trajeto mais agradável. “A gente tem a oportunidade de construir cidades e sociedades mais inclusivas, mais justas, mas gostosas até. É gostoso você poder se locomover de uma maneira agradável também ao invés de ficar preso no trânsito. É nisso que a gente tem que pensar quando pensa em aquecimento global. E sim, limitar os combustíveis fósseis é essencial. Sem limitar o uso de petróleo, gás e carvão e seus derivados a gente nunca vai chegar à limitação do aquecimento que a gente precisa que é de 1 grau e meio”.
Fim dos combustíveis fósseis
Um mundo livre de transportes movidos a combustíveis fósseis pode estar se aproximando.
De acordo com debates desta quarta-feira, veículos elétricos, navios de transporte que usam apenas combustíveis sustentáveis e aviões que voam com hidrogênio verde podem sair do universo da ficção em breve, já que muitos governos e empresas relataram estar investindo para que se tornem realidade. Mais de 100 governos nacionais, cidades, estados e grandes empresas assinaram a Declaração de Glasgow sobre Carros e Ônibus de Emissão Zero. O texto prevê encerrar a venda de motores de combustão interna até 2035 nos principais mercados e em 2040 em todo o mundo. Pelo menos 13 nações também se comprometeram a acabar com a venda de veículos pesados movidos a combustíveis fósseis até 2040.
ONU News/Daniel Dickinson - Apesar da recuperação, Unctad afirma que momento ainda é de incertezas.
Salvador
Esforços locais também estão em andamento, como em cidades latino-americanas, incluindo Bogotá, na Colômbia, Cuenca, no Equador, e Salvador, no Brasil, com o objetivo de zerar a emissão da frota do transporte público até 2035.
“A mensagem para os decisores políticos é: Precisamos ter certeza de que começamos a normalizar que, em 2035, devemos parar de vender carros a gasolina e diesel. Para ônibus, será antes de 2030; caminhão pesado, pode levar algum tempo, 2040. A questão é um calendário sobre opções de emissão zero em todos os segmentos”, disse Monica Araya da iniciativa global Drive Electric Campaign.
Ela deixou claro que, durante a transição, os países em desenvolvimento não devem se tornar lixeira para a tecnologia antiga dos mais ricos e, em vez disso, devem ser vistos como motores de mudanças transformacionais.
“Eu cresci na Costa Rica. Eu me lembro de ir para a escola em um ônibus importado dos Estados Unidos. Essa experiência moldou muito meu pensamento sobre essa transição. Sei que, por um lado, temos que nos certificar de que transformamos os grandes mercados que produzem caminhões, ônibus, automóveis, (mas também) temos que ativar mudanças nesses mercados para que haja um efeito em cascata”, explicou.
Transporte marítimo mais verde
O setor de transporte marítimo também se movimentou hoje, com 200 empresas de toda a cadeia de valor se comprometendo a dimensionar e comercializar navios e combustíveis com emissão zero até 2030. Eles também pediram aos governos que implementem os regulamentos e a infraestrutura necessária para permitir uma transição justa até 2050. Enquanto isso, 19 países assinaram a Declaração de Clydebank para apoiar o estabelecimento de rotas marítimas de livres de emissões. Isso significa criar pelo menos seis corredores de emissão zero até meados desta década e os demais em operação até 2030.
Banco Mundial/Arne Hoel
A Organização Mundial do Turismo informou que 2020 sofreu uma redução de 900 milhões de turistas internacionais entre janeiro e outubro
“Existem cerca de 50 mil navios mercantes no mundo, então é uma grande tarefa, e acho que diferentes partes do transporte marítimo devem se movimentar em ritmos diferentes. Portanto, ter o compromisso da Declaração de Clydebank para rotas verdes permite que os pioneiros experimentem e provem a tecnologia e, em seguida, reduzam os custos, criem a política, habilitem os ecossistemas que são necessários e, então, outros podem aprender com isso e então seguir”, afirmou a representante da ONU para Mudança Climática, Katharine Palmer, em entrevista à ONU News. Esses “corredores verdes” significam que os navios que transportam mercadorias em todo o mundo viajariam sem usar combustíveis de hidrocarbonetos e, em vez disso, usariam combustíveis derivados de hidrogênio verde, gerado por energia renovável, eletricidade e outras opções sustentáveis. “Também inclui o envolvimento com produtores de energia para que eles possam produzir combustível sustentável o suficiente. Uma colaboração público-privada com os governos [também será necessária] para estabelecer a legislação necessária”, acrescentou a especialista. Nove grandes marcas, incluindo Amazon, Ikea, Michelin, Unilever e Patagonia anunciaram que até 2040, planejam transferir 100% de seu frete marítimo para navios movidos a carbono zero.