Novo estudo mostra que humanidade ainda tem 20 anos de emissões para ter chance de estabilizar o aquecimento global segundo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris; mesmo assim, esforço de corte de carbono será sem precedentes e precisará durar 40 anos
Quais são as nossas chances de não ultrapassarmos o limite de temperatura mais ambicioso estabelecido pelo Acordo de Paris e segurarmos o aquecimento global abaixo do limite de 1,5 grau Celsius? Um estudo publicado nesta segunda-feira (18) sugere que o “centro da meta” climática não é fisicamente impossível de atingir, como muita gente supunha, nem demandará necessariamente intervenções em grande escala de engenharia planetária. Antes que você respire aliviado, porém, os autores da pesquisa advertem: limitar a temperatura da Terra em níveis seguros exigirá cortes de emissão anuais sistemáticos “sem precedentes na história”.
A conclusão é de uma nova análise dos modelos climáticos globais feita por um grupo internacional de cientistas liderado por Richard Millar, da Universidade de Exeter, no Reino Unido. O artigo científico descrevendo o trabalho foi publicado nesta segunda-feira no site do periódico Nature Geoscience.
Millar e seus colegas fazem uma revisão no chamado orçamento de carbono, ou o quanto a humanidade ainda pode emitir até o final do século para ficar no limite de temperatura.
É amplamente aceito que, acima de 2oC, limite formal do acordo do clima (ou “teto da meta”), o mundo entra em território climático desconhecido e perigoso, com risco de degelo em massa dos polos e a virtual extinção dos pequenos países insulares, entre outras catástrofes.
Agora mesmo, com 0,93oC de aquecimento médio desde a era pré-industrial até a década atual (em 2015 e 2016 o El Niño subiu a média global para 1oC), o mundo está experimentando chacoalhões violentos, como a tragédia recente das monções na Ásia, que deixaram mais de 1.200 mortos, e quatro furacões no Atlântico no espaço de duas semanas: o Harvey, maior tempestade que já se abateu sobre os EUA, o Irma, que entrou para história como o furacão mais forte já registrado, o José, que perdeu força, e o Maria, que nesta segunda-feira foi elevado à categoria máxima e ameaça a mesma região já devastada pelo Irma.
Para evitar esse cenário, os países-ilhas conseguiram fazer com que Paris se comprometesse a “envidar esforços” para manter o aquecimento máximo em 1,5oC.
Só que as contas do orçamento de carbono até aqui têm sido pouco encorajadoras para quem sonha com 1,5oC: segundo os modelos do IPCC, o painel do clima da ONU, por mais que a humanidade faça hoje ela tem no máximo 50% de chance de atingir esse objetivo – e, mesmo assim, fazendo coisas consideradas ficção científica, como espalhar aerossóis pela estratosfera para reduzir a quantidade de radiação solar que atinge o planeta.
Um exemplo foi dado na semana passada, num estudo publicado no periódico PNAS, da Acadamia Nacional de Ciências dos EUA. Segundo seus autores, para termos uma chance razoável (50%) de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5o C, teremos de realizar algo quase impossível: neutralizar o carbono da atmosfera até 2020 e remover ativamente 1 trilhão de toneladas de CO2 atmosférico até 2100.
Hoje nós já estamos a meio caminho de dobrar a quantidade de gases-estufa no ar, algo que levaria o aquecimento global a 3oC ou mais neste século, segundo um outro artigo publicado nesta segunda-feira na mesma edição da Nature Geoscience por um grupo de cientistas que inclui o britânico Piers Forster, coautor do estudo de Millar.
Calculando o futuro com base nos modelos do IPCC, o orçamento de carbono da humanidade que daria ao menos 66% de chance estabilizar em 1,5oC de é de 2,2 trilhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono) desde a Revolução Industrial até o fim do século. Desse total, já emitimos 1,9 trilhão até 2014 – o que nos daria pouco mais de seis anos, a taxas de emissão atuais (cerca de 50 bilhões de toneladas), para emitir os 300 milhões que faltam e estourar o “centro da meta”.
Mas Millar e colegas encontraram falhas nesse raciocínio. “Nós notamos discrepâncias entre os modelos do sistema terrestre e as observações da mudança climática podem levar a estimativas muito pequenas do orçamento de carbono remanescente”, disse Millar em uma entrevista coletiva. Dado o aquecimento médio de 0,93oC até aqui (excluindo flutuações naturais como o El Niño) e contando que outras estratégias de redução de emissões serão adotadas, como cortar os supergases de efeito estufa HFCs (usados em refrigeração), eles calcularam quanto podemos queimar de carbono para atingir os 0,6oC de aquecimento que restam até atingir 1,5oC. A conta chegou a 860 bilhões de toneladas de CO2, o que esticaria de seis para 20 anos o prazo que temos para amortizar a dívida da humanidade com a atmosfera e parar de emitir.
Boa notícia? Sim, mas calma. “O que esse trabalho indica é que limitar o aquecimento a 1,5o C ainda é uma possibilidade geofísica”, disse Millar. No entanto, “isso significa que as emissões teriam de ser reduzidas em linha reta durante 40 anos até chegar a zero”.
Quedas tão abruptas nas emissões ocorreram apenas em três breves períodos da história da civilização industrial: durante a Grande Depressão, nos anos 1930, a 2a Guerra Mundial, logo depois, e regionalmente no Leste Europeu após o colapso da União Soviética. Nenhum dos episódios parece muito inspirador.
“Virtualmente nenhum dos cenários existentes é capaz de chegar a reduções tão rápidas”, prossegue Millar.
A fórmula para ficar no limite já é conhecida, mas precisa ser implementada: começar imediatamente a reduzir muito as emissões, e não esperar até o início da implementação das metas de Paris, em 2020; e ampliar em pelo menos 10% a ambição do conjunto das NDCs, as metas nacionais.
Neste momento, porém, a geopolítica global parece ter voltado algumas casas: a Assembleia Geral das Nações Unidas, que começa nesta terça-feira (19), será dominada pelas discussões sobre a possibilidade de guerra nuclear entre EUA e Coreia do Norte e hospedada por Donald Trump, um negacionista do clima.