Para objetivo mais ambicioso do acordo do clima, probabilidade é de 1%, considerando o comportamento do sistema energético até aqui; outra pesquisa estimou que mesmo se todas as emissões parassem hoje aquecimento poderia ser maior que 1,5ºC
Dois estudos publicados nesta segunda-feira traduzem em números algo que muita gente já sabe, mas ainda fica com vergonha de dizer em público: atingir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, a de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC, é virtualmente impossível agora. E mesmo o objetivo mais modesto de evitar que a Terra esquente 2oC não é muito mais simples.
Um dos estudos calculou a probabilidade de diversos graus de aquecimento no final do século dado o que nós sabemos sobre o crescimento da economia e da população e a tendência do sistema de energia. O outro olhou para o comportamento da Terra para entender quanto aquecimento já está “precificado” no sistema climático, mesmo se as emissões parassem todas hoje.
Nos dois casos a notícia é ruim. A probabilidade de a humanidade conseguir segurar o aquecimento em 1,5oC é de apenas 1%, mesmo considerando tudo o que já está sendo feito hoje para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Para 2oC essa chance quintuplica, segundo uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Adrian Raftery, da Universidade de Washington, nos EUA. Mesmo assim, 5% não é exatamente uma probabilidade em que se apostaria dinheiro.
No caso do chamado “aquecimento comprometido”, o alemão Thorsten Mauritsen, do Instituto Max Planck de Hamburgo, e o americano Robert Pincus, da Universidade do Colorado, descobriram que ele não é tão grande assim: se o mundo parasse de queimar combustíveis fósseis e destruir florestas enquanto você lê este texto, apenas a inércia do sistema climático e o tempo enorme que os oceanos levam para absorver calor causaria um aumento médio de 1,3oC em relação à era pré-industrial – e máximo de 2,3oC.
“Uma vez que nós provavelmente continuaremos queimando combustíveis fósseis, não acho que isso seja uma notícia muito boa”, disse Pincus ao OC.
O trabalho da dupla, diferentemente de outras estimativas do aquecimento comprometido, não usou modelos de computador. Eles partiram de observações diretas do comportamento da Terra nos últimos anos: o tempo de vida do CO2 no ar, suas interações com outros poluentes e com aerossóis e a inércia do oceano para absorver calor. Com base nisso, calcularam o aquecimento comprometido na escala de um século e puderam compará-lo aos objetivos do Acordo de Paris.
A estimativa depende muito do que os oceanos vão fazer daqui para a frente. Segundo os pesquisadores, uma absorção de calor pelos mares poderia reduzir esse aquecimento comprometido em 0,4oC. O resultado disso é que, hoje, a humanidade tem de 13% a 32% de chance de já ter excedido a meta de 1,5oC no futuro, mesmo com zero emissão adicional, mas 97% de chance de conseguir .
Mauritsen diz que achava que a situação fosse ser pior. “Antes de começar o estudo, eu estava convencido de que nós já estávamos comprometidos com 1,5o C, e por isso fiquei irritado com o fato de o Acordo de Paris cogitar isso como meta”, afirmou. “Mas nós descobrimos que há uma janela, pequena, mas que está se fechando, de atingi-la.”
Pequena mesmo, segundo Adrian Raftery. “É improvável que fiquemos abaixo de 2oC em 2100 e muito improvável que fiquemos abaixo da meta de 1,5oC do Acordo de Paris”, afirmou. “O nível mais provável de aquecimento é 3,2oC, se os esforços atuais para limitar a mudança climática continuarem.”
Em seu artigo, o pesquisador americano e seus colegas usaram como ponto de partida os quatro cenários de emissão do IPCC, o painel do clima da ONU. A eles foram aplicadas informações sobre taxa de crescimento do PIB, população e sobre a chamada intensidade de carbono do sistema energético (que vem caindo à medida que as energias renováveis e o gás natural, menos poluente que o carvão, entram na matriz).
O estudo descarta como pouco realistas os dois cenários extremos do IPCC: o chamado RCP 8.5, no qual o aquecimento no fim do século excede os 4,5oC; e o RCP 2.6, no qual a sonhada estabilização em menos de 2oC é obtida. O mais provável é que fiquemos na trajetória de emissões médias – que é suficiente para causar estragos substanciais ao planeta. Além disso, as estimativas feitas pelo grupo sugerem que o objetivo de reduzir a zero as emissões líquidas no meio do século é improvável.
Para que isso acontecesse, dizem os pesquisadores, as emissões teriam de cair a uma velocidade muito maior do que a atual. Eles ressaltam que não dá para descartar que isso ocorra – mas não é como o sistema energético global vem se comportando nos últimos 60 anos.
Os dois estudos foram publicados no periódico Nature Climate Change.