• 06 de julho de 2020
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Ciclone-bomba, mais um personagem do “novo normal” climático

Tempestade que atingiu Santa Catarina na semana passada tem semelhanças com outra que afetou o RS no ano quente de 2016, dizem cientistas



Miriam Prochnow estava numa teleconferência em casa quando o vendaval começou no dia 30 de junho. “Os ventos vieram do nada e muito, muito fortes. Nunca tinha visto nada nessa natureza”, afirma a ambientalista, que dirige com o marido, Wigold, a Apremavi, uma ONG dedicada a restauração florestal em Atalanta, Santa Catarina.



Duas horas depois, quando a tempestade amainou, ela recebeu uma ligação de um dos coordenadores da Apremavi: a estufa de mudas construída no ano passado havia sido destruída. Prejuízo até pequeno diante da pior tempestade já registrada em solo catarinense, o ciclone-bomba que atingiu quase 190 municípios e matou 12 pessoas. No domingo, dia 5 de julho, ainda havia 50 mil residências e comércios sem luz no Estado. Na internet viralizou um vídeo de operários num andaime sacudido pela ventania num prédio em construção em Balneário Camboriú (todos se salvaram).



Com ventos de até 130 km/h, o ciclone se formou a partir do dia 29, pelo choque entre uma frente fria muito forte e muito rápida vinda da Argentina e ar quente no sul do Brasil. Originou-se uma tempestade giratória, com queda de pressão muito rápida – ar da superfície sendo “tragado” muito velozmente para o centro da tormenta, o que causa o vendaval altamente destrutivo. Normalmente esses ciclones se formam sobre o oceano. Apenas 22% deles surgem sobre o continente, e são os mais destrutivos.



Na taxa TNAc, que mede a potência de ciclones extratropicais (não confundir com ciclones tropicais, que são chamados de furacões no Atlântico, tufões na Ásia e – só pra atrapalhar – ciclones no oceano Índico), o evento atingiu 1,93. Uma tempestade dessas é considerada “forte” a partir de 1,8.



O fenômeno da semana passada, pela extensão do dano e pela quantidade de cidades afetadas, já é considerado a pior tempestade a atingir Santa Catarina desde que se tem registro. Foi pior do que o furacão Catarina, um inédito ciclone tropical que se formou no oceano e tocou terra no litoral catarinense, destruindo 1.500 casas e matando 11 pessoas.



Imagem de satélite do ciclone de SC

Imagem de satélite do ciclone de SC




A quase 500 quilômetros de Atalanta, em Porto Alegre, um outro casal já viu – e estudou – algo dessa mesma natureza. A geógrafa Venisse Schossler e o climatologista Francisco Aquino, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, publicaram com mais dois colegas em maio deste ano uma análise de dois ciclones-bomba que aconteceram quase ao mesmo tempo em 2016: um no sul do Brasil e um na Austrália. E fizeram a primeira caracterização climatológica do evento da semana passada, mostrando como a pressão do ar na tempestade despencou 28 milibares (unidade de pressão atmosférica) em 24 horas – o que deu ao ciclone seu caráter explosivo.



Eles veem uma série de semelhanças preocupantes entre os eventos de 2016 e de 2020.



“Na sua fase de frente fria avançando rapidamente sobre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o ciclone de 2016 gerou muitos danos, porém agora, infelizmente, em 2020 superamos. Em 2016, o sistema frontal gerou vendaval e rajadas de até uns 100 km/h ou 110 km/h. O atual evento teve um sistema frontal muito mais robusto, intenso e com avanço rápido, o que amplia muito os danos”, conta Aquino. O de então atingira apenas 1,71 na TNAc.



Mas as duas bombas se formaram em anos excepcionalmente quentes. 2016 entraria para os registros como ano mais quente desde o início das medições globais, em 1880. E 2020 caminha para ser o segundo mais quente.



Em Santa Catarina, o inverno chegou com temperaturas altas, após uma estiagem incomum que se estendia desde o fim do ano passado. “Na entrada do inverno todos os nossos ipês amarelos estavam florindo” diz Prochnow.



Outro paralelo entre os ciclones explosivos de 2016 e o de 2020 foi que em todos os casos frentes frias vigorosas vindas da Antártida estão na origem dos eventos. Em 2016, o fenômeno tinha ligação direta com o SAM (Modo Anular do Hemisfério Sul), uma espécie de “campo de força” de ventos que circunda o continente austral. O SAM oscila entre fases positiva e negativa. A negativa facilita a injeção de ar polar, ultrafrio, nas latitudes mais baixas. Em 2016 o SAM estava negativo.



Segundo os pesquisadores gaúchos, o SAM tem estado positivo neste ano, mas passou para negativo a partir de 27 de junho – três dias antes do ciclone-bomba.



Com o aquecimento da Terra, o contraste de temperatura entre a Antártida e a região tropical pode favorecer ciclones mais intensos, embora o número dessas tempestades não tenha variado muito desde a década de 1980.



É bom a população catarinense “já ir” se acostumando. “Tivemos alguns alertas, mas foram poucos”, diz Miriam Prochnow. “Precisamos levar isso a sério. Ninguém foi alertado para não subir em andaimes, como aconteceu em Balneário Camboriú, ou para não andar em estradas.”


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