• 02 de julho de 2014
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Crescimento populacional implacável está levando a aquecimento global e extinção em massa

Demorou cerca de 200 mil anos para os humanos chegarem a uma população global de um bilhão. Mas, em duzentos anos, multiplicamos isso por sete. Na verdade, nos últimos 40 anos, acrescentamos um bilhão a mais a cada doze anos, aproximadamente. E as Nações Unidas preveem que acrescentaremos outros quatro bilhões – para um total de 11 bilhões – até o final do século.

Apesar disso, poucos cientistas, legisladores ou mesmo ambientalistas estão dispostos a conectar publicamente o incrível crescimento populacional à piora das mudanças climáticas, à perda da biodiversidade, à escassez de recursos ou à crise ambiental no geral.

“Já chegamos a um ponto em que o tamanho de nossa população é insustentável”, falou Jeffrey McKee, da Universidade Estadual de Ohio, ao mongabay.com. “Em outras palavras, já estamos além do ponto do conceito biológico de ‘capacidade de carga’. Milhões de pessoas passam fome todos os dias, e um número insondável nem mesmo tem acesso a água potável ou limpa. Um mundo de 11 bilhões de pessoas seria lamentável para os humanos, assim como para outras espécies.”

McKee estudou recentemente a intersecção entre a população humana e o declínio de biodiversidade, descobrindo uma correlação direta entre a taxa de crescimento populacional e o número de espécies ameaçadas em um país.

Enquanto isso, outro pesquisador, o geógrafo Camilo Mora, da Universidade do Havaí, argumentou recentemente em um trabalho de Ecologia e Sociedade que a superpopulação estava agravando o aquecimento global, a crise de biodiversidade, assim como criando problemas econômicos e sociais em grande escala.

Mas se nossa população já está além do sustentável, por que esse assunto se tornou quase um tabu? E não apenas em círculos políticos, mas também em círculos ambientais?

“Há uma série de razões, incluindo impasses históricos sobre a importância [da superpopulação]”, falou Mora ao mongabay.com. “Contudo, o fato de que não estamos interessados em falar sobre isso não torna a questão menos crítica.”

Biodiversidade

Por décadas, cientistas têm alertado que o mundo pode muito bem estar entrando em um período de extinção em massa com consequências incalculáveis para a sociedade humana e o mundo natural.

Embora os fatores do declínio global da biodiversidade sejam muitos e complicados – incluindo a destruição de habitat, desmatamento, exploração excessiva de espécies, mudanças climáticas e acidificação oceânica – eles também são sustentados por um simples fato: a população humana continua a crescer.

“É matemática simples”, falou Mora ao mongabay.com. “Vivemos em um mundo com recursos e espaço limitados. Quanto mais usamos e tomamos, menos as outras espécies têm. Hoje, cerca de 20 mil espécies podem ser levadas à extinção devido apenas à perda de habitat.”

Na verdade, um estudo de McKee e seus colegas do ano passado em Ecologia Humana ligava diretamente a taxa e o crescimento de densidade populacional humana nacional a um aumento em espécies ameaçadas, como representado pelos mamíferos e aves na Lista Vermelha da IUCN.

“Descobriu-se que a soma de espécies ameaçadas por unidade de área poderia ser mais bem explicada por duas variáveis: densidade populacional humana e riqueza de espécies”, escreveram os cientistas. A adição do produto interno bruto (PIB) e das terras agrícolas versus as espécies endêmicas (espécies que não são encontradas em outro lugar) aprimorou o modelo, mas o indicador mais forte se mostrou a população humana.

Observando apenas a população, os pesquisadores descobriram que para um país médio com uma população crescente – o que inclui a grande maioria das nações na Terra – o número de aves e mamíferos ameaçados aumentaria em 3,3% nos próximos dez anos, e em 10,8% até 2050.

Entretanto, o inverso também é verdadeiro. Nos 21 países onde a população humana deve cair, os pesquisadores previram que o número de espécies ameaçadas cairia em 2,5% até 2020. Dos 12 países que já tiveram algum declínio populacional, nove diminuíram sua porcentagem de espécies ameaçadas.

“Foi um pouco reconfortante que, na maioria dos países onde a população diminuiu em número, tenha havido uma pequena, mas notável, diminuição no número de mamíferos e aves que estavam ameaçados de extinção”, afirmou McKee.

Embora o trabalho não teorize sobre por que a densidade e crescimento populacional correspondem a um aumento nas espécies ameaçadas, a resposta é provavelmente direta.

“Cada ser humano usa recursos para alimentação, abrigo e conforto. Mesmo se esses recursos forem usados eficientemente e sabiamente, cada indivíduo esgotará os recursos necessários para sustentar outras espécies”, declarou McKee. “Então quanto mais Homo sapiens houver neste planeta, mais a biodiversidade sofrerá.”


Aquecimento global

A maioria dos cientistas concorda agora que o aquecimento global é a maior crise ambiental atualmente, e muitos diriam que é provavelmente a maior crise que os humanos estão enfrentando. Soluções para o aquecimento global há muito tempo se focam em uma revolução de energia renovável como pontapé inicial, juntamente com a preservação das florestas e uma transformação na agricultura. No entanto, Mora argumenta que ignorar o crescimento populacional torna incrivelmente difícil atingir os cortes de carbono necessários.

“Nos Estados Unidos, cada criança acrescenta cerca de 9.441 toneladas métricas de dióxido de carbono ao legado de carbono de cada pai, o que é 5,7 vezes as emissões da vida dela”, escreveu Mora em seu trabalho. “Atingir uma redução de gases do efeito estufa se tornará cada vez mais difícil mesmo sob taxas modestas de crescimento populacional, devido às expectativas de melhora no bem-estar humano e de aumento no consumo de energia.”

Apesar do papel do crescimento populacional – combinado com crescente consumo – em agravar as mudanças climáticas, Mora afirma que o mundo recentemente está fazendo vista grossa para o problema.

“O relatório de maior autoridade sobre mudanças climáticas [ou seja, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] faz pouca ou nenhuma referência à questão do crescimento populacional ou planejamento familiar, ou qualquer assunto relacionado”, escreveu ele, acrescentando que o financiamento para contracepção de mulheres que não têm acesso seria uma opção incrivelmente barata para combater as mudanças climáticas.

De acordo com uma pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas, mais de 200 milhões de mulheres gostariam, mas não têm acesso, a um planejamento familiar. O resultado? Mais de 70 milhões de gravidezes indesejadas.

A crise silenciosa?

Assim, se uma população crescente é uma das forças motrizes por trás da extinção em massa e do aquecimento global, então por que a superpopulação não está na agenda? Na verdade, não são apenas políticos e governos que parecem relutantes em discutir a superpopulação, mas também cientistas, conservacionistas e ambientalistas.

“Ninguém quer falar de ‘controle populacional’, e com razão. Há direitos humanos básicos de reprodução, valores familiares, valores culturais, e mesmo a economia, que afetam essas considerações. Esses são assuntos delicados”, disse McKee. “Mas mesmo falando sobre ‘responsabilidade reprodutiva’, meu termo preferido, as pessoas podem entender da forma errada.”

Para tornar a questão mais complicada, muitos economistas argumentam que desacelerar o crescimento populacional é uma sentença de morte para a economia, argumentando que menos trabalhadores jovens entrando na economia torna mais difícil financiar programas sociais e governamentais. Tais temores levaram muitos países a implementar políticas para aumentar as populações, não diminuí-las.

Em 2006, o então presidente da Rússia, Vladmir Putin, estabeleceu um programa de dez anos para aumentar dramaticamente o número de crianças nascidas no país. Em 2009, o país registrou seu primeiro crescimento populacional desde 1991.

O declínio demográfico do Japão – a população registrou sua primeira queda em 2008 – levou à criação de uma pasta ministerial focada inteiramente em aumentar a fertilidade do país. Agora, a nação está considerando a imigração em massa. Contudo, o Japão possui uma das maiores densidades do planeta, com mais pessoas por quilômetro quadrado até mesmo do que a Índia.

Mais recentemente, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, lançou um edital pedindo por um grande aumento na taxa de natalidade. Embora a população do Irã deva continuar aumentando até a metade do século, sua taxa de natalidade caiu nas últimas décadas.

“Em suma, trazer à tona a questão da superpopulação não fará ninguém ser eleito, e falar em responsabilidade sobre o assunto uma vez que se esteja lá em cima não fará ninguém ser reeleito”, observou McKee.

Mas Mora disse que a crença de que o crescimento populacional é necessário para a prosperidade econômica é simplesmente errônea.

“Se o crescimento populacional fosse a chave para o desenvolvimento econômico, a África seria o continente mais rico do mundo”, ele afirmou ao mongabay.com. Mora declarou que o crescimento populacional pode na verdade sufocar a economia, criando um déficit de empregos para uma população jovem em explosão, o que em alguns países resultou em distúrbios sociais. Além disso, ter muitos jovens pode criar um fardo educacional, resultando em menores receitas do governo.

“Quando um sistema social é aumentado, isso significa que a qualidade dos serviços reduzirá... Basta considerar as prováveis diferenças nas receitas fiscais geradas por uma pessoa cuja sociedade permite entrar na universidade contra um indivíduo que pode não terminar o ensino médio”, disse Mora.

“Esse é apenas um exemplo, mas nós também teremos deficiências na saúde e lazer. Podemos atingir um crescimento econômico através de treinamento e inovação, em vez de acrescentar mais pessoas com poucas probabilidades de sucesso.”

Além disso, por um longo tempo, alguns especialistas previram que o problema da superpopulação se resolveria por si mesmo, argumentando que a população chegaria a um pico de 9-10 bilhões até a metade do século e então começariam a cair. Ainda assim, tais estimativas agora parecem otimistas.

Um novo prognóstico das Nações Unidas do ano passado previu que nossa população global continuará crescendo durante o século, atingindo 11 bilhões até 2100, devido principalmente a explosões populacionais na África. Então, embora a taxa de crescimento populacional geral possa estar desacelerando, as tendências não mostram uma queda em breve.

“Duas das maiores preocupações da nossa geração são melhorar o bem-estar humano e prevenir a perda de biodiversidade em curso. Mais de um bilhão de pessoas vivem em pobreza extrema e fome, e os ecossistemas estão perdendo espécies em taxas apenas vistas em eventos de extinção em massa anteriores. Infelizmente, superar esses problemas continua difícil, e o progresso parece estar se inclinando em direções indesejáveis”, escreveu Mora.

Na verdade, demógrafos afirmam que a África verá sua população aumentar de 1,1 bilhão atualmente para 4,2 bilhões até 2100. Se tal crescimento ocorrer, é difícil imaginar o que acontecerá à rica, mas já em perigo, biodiversidade da África. Além disso, a África continua a ser o continente com menos segurança alimentar, com muitos países enfrentando escassez de comida em meio à agitação social e conflitos.

Podemos lidar com o crescimento populacional?

Mas como combater, quanto mais resolver, algo tão sensível como o crescimento populacional? Uma das razões pelas quais o assunto é tão delicado é que evoca imagens de estados totalitários decretando uma criança por família, abortos ou esterilizações forçadas, ou mesmo genocídio. Mas especialistas dizem que o acesso à contracepção e educação para mulheres são na verdade as melhores formas de reduzir a população global.

“Soluções simples, tais como dar poder às mulheres, educação sexual, fornecer planejamento familiar acessível, rever subsídios que promovam a natalidade e enfatizar o custo econômico e investimento necessário para o sucesso futuro das crianças, poderiam evitar consideravelmente o crescimento populacional”, escreveu Mora, acrescentando que gostaria de ver uma campanha educativa para conscientizar sobre os impactos do aumento da população global.

“Prefiro ter a liberdade de escolha, mas uma escolha informada”, disse ele ao mongabay.com. “Assim como fizemos com o tabaco e o HIV, quando a informação criou uma consciência global sobre esses problemas. Eles ainda estão presentes, mas as pessoas estão mais conscientes sobre isso.”

Em vez disso, de acordo com Mora, a questão é ignorada ou mesmo considerada uma honra. Ele aponta para os EUA, onde o programa muito popular ‘19 Kids and Counting’ (algo como 19 crianças e mais – anteriormente 17 Kids and Counting, and 18 Kids and Counting – 17 crianças e mais, 18 crianças e mais) celebra a família Duggar, incomumente grande.

“Pura irresponsabilidade e eles fazem graça com isso!”, observou Mora. Os pais do programa, Jim Bob e Michelle Duggar, declararam que as crenças religiosas foram uma das principais razões pelas quais pararam de usar contraceptivos. Para muitos, as convicções religiosas ainda têm um papel importante na decisão de ter grandes famílias ou evitar o uso de contraceptivos. Mas Mora acredita, mesmo neste caso, que uma mudança é possível.

“As religiões mudam lentamente, mas mudam. Se começarmos uma revolução intelectual sobre o quão importante isso é, as religiões não terão escolha.”

Mas Mora e McKee concordam que o primeiro passo é para os cientistas – incluindo ambientalistas e conservacionistas – de parar de evitar a questão da superpopulação, e em vez disso incorporá-la à sua pesquisa, ao seu trabalho e à sua mensagem.

“[A questão da superpopulação] deve ser abraçada, não evitada”, disse McKee. “A pesquisa da minha equipe mostrou que as considerações sobre a densidade populacional humana devem ser parte de qualquer plano de conservação abrangente. Quanto mais cedo abrirmos esse diálogo difícil, melhor.”



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