Crise energética: governo federal segue amarrado aos velhos modelos de geração de energia
O mundo já saiu na frente, buscando as alternativas para a questão da diversificação de fontes genuinamente limpas para gerar energia elétrica. E o Brasil? Não saiu do lugar”, diz a especialista Telma Monteiro
Na mesma proporção que cresce o risco de um apagão no Brasil, o governo federal se agarra a velha política energética: se há risco de faltar energia, constrói-se mais hidrelétrica. Na prática, não se percebe um aumento substancial de energia nos sistema para atender a demanda que cresce a cada ano. E os impactos das novas hidrelétricas é negativo, velho e conhecido, pago apenas pelas comunidades vizinhas aos empreendimentos – e que ainda assim também são assombrados pelo fantasma do apagão.
É a ponta de um modelo em que privilegia apenas grandes consumidores, com o engodo de estar mantendo a economia acesa, como destaca Telma Monteiro.
“Essa energia, acrescentada e ainda a acrescentar com os projetos em fase de estudos e licenciamento, não parece direcionada para suprir os rincões miseráveis isolados do país, ou para diminuir a desigualdade, ou fortalecer comunidades. Na verdade, vai abastecer os grandes consumidores de energia que têm prioridade e privilégios concedidos pelo governo que nada mais quer a não ser bancar um crescimento”, destaca em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Telma ainda lembra que o governo tem recursos que poderiam ser mais bem aplicado em desenvolvimento de projetos de geração de energia através de fontes alternativas. Assim, romperia com um velho sistema. “Grande parte dos encargos cobrados nas contas de luz vão para pesquisas. Portanto, teoricamente, o problema do não incentivo às fontes alternativas não pode ser técnico. A Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas – PROINFA e o P&D Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética são três encargos que incidem na conta de luz. As alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica nunca foram parte consistente do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia – MME”, completa.
E se falta clareza na verdadeira política energética do governo federal, seguem os apagões sem uma explicação definitiva. “Motivo? Será apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira e os relatórios que apontarão as falhas não serão públicos ou se forem não terá transparência. Eles sempre fazem isso: distorcem a realidade. Não faltou energia, a falha foi no sistema de transmissão que opera no limite de sua capacidade, que não tem a necessária manutenção, que está obsoleta e sucateada”, pontua Telma. Enquanto isso, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, dá uma demonstração de seu planejamento e diz que é Deus quem deve resolver a crise energética mandando chuva para o Brasil. “Estamos à beira de um colapso. As autoridades ainda vão atribuir ao calor e falta de chuvas os problemas de abastecimento de energia. Não duvido nem um pouco se começarem a dizer que o atraso das obras das hidrelétricas em construção na Amazônia”.
Telma Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento ambiental.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As insuficiências na proposição de alternativas à questão energética por parte do Ministério de Minas e Energia decorrem de uma deficiência técnica da pasta ou se trata de uma decisão política?
Telma Monteiro - O mundo já saiu na frente, buscando as alternativas para a questão da diversificação de fontes genuinamente limpas para gerar energia elétrica. E o Brasil? Não saiu do lugar, não foi buscar e as perspectivas de incentivos para eólica e solar fotovoltaica são praticamente nulas.
Comecemos pelas usinas no rio Madeira que foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos à beira do apagão se elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós e as do rio Teles Pires. No entanto, esse “a beira do apagão” não fez com que investimentos substanciais se direcionassem para as alternativas. Até agora foi um pálido movimento do governo nessa direção. Não há deficiência técnica no que tange às eólicas e solar fotovoltaica.
Basta dar um giro pela Europa e constatamos a geração a partir dessas fontes e, o que é melhor, de forma descentralizada. Nada de longos sistemas de transmissão como temos no Brasil, onde uma linha como a que liga as usinas do Madeira tem 2.450 quilômetros para chegar em São Paulo. Se houvesse geração descentralizada com as fontes alternativas nós não precisaríamos desse linhão.
Grande parte dos encargos cobrados nas contas de luz vão para pesquisas. Portanto, teoricamente, o problema do não incentivo às fontes alternativas não pode ser técnico. A Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas – PROINFA e o P&D Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética são três encargos que incidem na conta de luz. Isso já deveria ter nos poupado de ficarmos refém de uma única fonte, a hídrica, que nos custa a saúde dos rios amazônicos, a vida de centenas de milhares de desalojados compulsórios, a paz dos indígenas em suas terras imemoriais e o desequilíbrio do clima regional em decorrência dos impactos ambientais. Veja os problemas e prejuízos causados pelas usinas Santo Antônio e Jirau que agravaram as cheias do rio Madeira.
No entanto, as mega obras que satisfazem políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos que consomem muito concreto e aço e que precisam remover milhares de metros cúbicos de rochas é que determinaram a escolha da energia gerada por hidrelétricas. Desde 2002, 2003 e 2014, período de implantação das primeiras hidrelétricas da era Lula e Dilma, Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, não houve a mínima preocupação do governo em incentivar programas de eficiência energética, conservação e economia de energia elétrica. População, indústria e comércio continuaram num festival de consumo, já que o risco de um apagão estaria afastado com as usinas do Madeira.
As alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica nunca foram parte consistente do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia – MME. Agora, com o sistema à beira de um colapso, é necessário que se crie uma nova consciência na população brasileira sobre para quem realmente vai a energia produzida pelas hidrelétricas e para que ela está sendo utilizada na verdade.
Fica claro que houve uma decisão política do governo ao optar continuar explorando uma única fonte em que os beneficiados são grandes empreiteiras e fabricantes de equipamentos para as hidrelétricas. Não esqueçamos que as empreiteiras são também as maiores doadoras das campanhas eleitorais.
IHU On-Line – Para quem realmente está servindo a energia produzida pelas hidrelétricas construídas nesta última década e meia no Brasil? Qual o destino da energia produzida?
Telma Monteiro - Na verdade, na última década, pouca energia hidrelétrica tem sido acrescentada ao Sistema Interligado Nacional – SIN. No período Lula/Dilma estão em construção as usinas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, que estão operando parcialmente, Belo Monte, no rio Xingu, ainda em construção e que ainda não está operando, UHE Teles Pires que está começando a operar um terço de sua capacidade, UHE Estreito, no rio Tocantins, que foi inaugurada por Dilma Rousseff, UHE Dardanelos, no rio Aripuanã, também em operação, UHE Santo Antônio do Jari, no rio Jari, em operação. Essas são as principais. Mas o que nos chama a atenção, realmente, é a retomada, a partir de 2003, do planejamento do governo no sentido de explorar todo o potencial hidrelétrico dos principais rios amazônicos.
No entanto, essa energia, acrescentada e ainda a acrescentar com os projetos em fase de estudos e licenciamento, não parece direcionada para suprir os rincões miseráveis isolados do país, ou para diminuir a desigualdade, ou fortalecer comunidades. Na verdade, vai abastecer os grandes consumidores de energia que têm prioridade e privilégios concedidos pelo governo que nada mais quer a não ser bancar um crescimento, insustentável para os brasileiros, apenas para ter competitividade na globalização. Para tanto, optou pelo oportunismo da política de produção de energia estagnada no modelo hidrelétrico: insustentável, cara e suja.
Exemplos desse oportunismo não faltam. A grande parte da energia gerada pelas hidrelétricas vai para as indústrias eletrointensivas. São aquelas que beneficiam a bauxita, por exemplo, ou as indústrias de cimento. Há ainda os autoprodutores[2] que produzem e consomem energia elétrica como insumo principal e que vendem o excedente no mercado livre, a preços exorbitantes. Parte dessa energia a ser disponibilizada no ambiente livre, com altos preços do megawatt/hora, virá das hidrelétricas da Amazônia (alguns dos consórcios que ganharam os leilões têm na composição societária autoprodutores) que recebem incentivos durante a construção. Os consórcios se beneficiam de financiamentos de bancos públicos com juros abaixo do preço de mercado, isenção de PIS/COFINS durante as obras (Reidi), carência no recolhimento de Imposto de Renda – IR, se valem de sobrepreços e de aditivos em contratos de concessão. Pode não ser ilegal, mas é um “negócio” imoral. O setor industrial, que congrega as indústrias eletrointensivas (alumínio – inclusive alumina e bauxita, siderurgia – aço bruto, ferroligas, pelotização, cobre, celulose e papel, soda-cloro, petroquímica e cimento), é responsável por utilizar 40% do consumo industrial de energia elétrica.
Na verdade, as perspectivas de demanda de energia elétrica, feitas no passado, não se concretizaram. O planejamento incluiu uma demanda criada artificialmente. O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE está distorcendo a previsão, desde 2012, quando atrela o consumo de energia elétrica a um crescimento de 5% do PIB. Não chegamos a 1% em 2014. Mesmo assim, há uma política que continua incentivando, induzindo ou estimulando demanda e, ao mesmo tempo, disponibilizando oferta ao planejar e construir grandes hidrelétricas na Amazônia. Ora, como criar e fazer prosperar programas de eficiência energética, consumo consciente, energias alternativas descentralizadas quando na verdade a sociedade está sendo induzida a acreditar que há “tanta” energia disponível? O argumento tem sido o do “apagão nunca mais”, que insiste em tomar 2001 como exemplo. Então, diante dessa lógica, a sociedade entende que pode consumir sem freios.
Pois bem, a realidade está falando mais alto. Em 19 de janeiro passado, início deste já fatídico 2015, enquanto eu escrevia uma parte das respostas desta entrevista à IHU On-Line, o caos aconteceu. Faltou energia elétrica em 11 estados brasileiros do sul e sudeste e no Distrito Federal. O Operador Nacional do Sistema – ONS deu a ordem para redução da carga. Motivo? Será apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira e os relatórios que apontarão as falhas não serão públicos ou se forem não terá transparência. Eles sempre fazem isso: distorcem a realidade. Não faltou energia, a falha foi no sistema de transmissão que opera no limite de sua capacidade, que não tem a necessária manutenção, que está obsoleta e sucateada. Basta ler o relatório feito sobre o apagão de 2009. Está tudo lá. Na época escrevi a matéria que mostrou os problemas apontados no relatório. Aliás, nesta semana eu atualizei e postei novamente.
Neste momento, estamos à beira de um colapso. As autoridades ainda vão atribuir ao calor e falta de chuvas os problemas de abastecimento de energia. Não duvido nem um pouco se começarem a dizer que o atraso das obras das hidrelétricas em construção na Amazônia, como Belo Monte, no rio Xingu, é responsável pela falta de energia. Essa desculpa pode até ser o gatilho para forçar a concessão mais rápida das licenças das usinas planejadas no rio Tapajós.
Seja qual for a constatação, a verdade é que a “indústria” de hidrelétricas continua a todo vapor sem considerar que só os programas de conservação e eficiência energética podem possibilitar uma economia no consumo de 10%, no mínimo. O governo federal insistirá na exploração de todo o potencial amazônico de produção de energia hidrelétrica. Acrescentemos que a falta de investimentos e o sucateamento das redes de transmissão, distribuição e das subestações são ralos por onde escoam as perdas de boa parte da energia gerada. E o dinheiro do cidadão que paga seus impostos, que não tem hospital decente, que não tem segurança, nem transporte de qualidade.
IHU On-Line – Quais são as diferenças entre as mega hidrelétricas de Itaipu e Belo Monte? Do ponto de vista tecnológico e operacional, como se diferenciam?
Tela Monteiro - Tudo é mega nos dois empreendimentos: as obras, os investimentos, os impactos e a violação dos direitos humanos. Ambas são consideradas usinas à fio d’água, ou seja, têm reservatório pequeno em extensão. A diferença é que Itaipu foi construída num canyon do rio Paraná, logo em seguida à cachoeira de Sete Quedas que foi destruída pelo empreendimento, e tem uma barragem equivalente a um prédio de seis andares. Já Belo Monte está sendo construída num rio de planície e embora se diga que o reservatório é pequeno se comparado a Tucuruí ou Balbina, ele ocupa todo o leito do Xingu, em Altamira, no Pará, e tornará permanentes as áreas inundáveis que seriam sazonais.
Podemos comparar alguns números entre as duas hidrelétricas. O investimento na UHE Belo Monte está atingindo R$ 30 bilhões ou 11,5 bilhões de dólares. Atualizada, Itaipu custou 16 bilhões de dólares. As escavações de Belo Monte se equiparam às do Canal do Panamá, e o ferro e aço utilizados em Itaipu poderiam ser usados para construir 380 Torres Eiffel. Mas há uma diferença. Belo Monte está sendo construída com capacidade de 11 mil megawatts, mas embora tenha um custo similar à Itaipu, só entregará 4.300 megawatts médios devido à sazonalidade do rio Xingu. Itaipu tem capacidade de 14 mil megawatts e tem entregue 9 mil megawatts médios.
IHU On-Line – Qual impacto ambiental em cada uma?
Telma Monteiro - No meu entender os impactos se equiparam. Nenhum projeto hidrelétrico, seja Itaipu ou Belo Monte, pode ser considerado viável do ponto de vista social e ambiental. Tanto uma como a outra, levando em conta as épocas em que foram concebidas, Itaipu na década de 1970 e Belo Monte na década de 1980, são oriundas de um plano pensado para um futuro exclusivamente calcado sob o ponto de vista econômico.
O desvio das águas do rio Xingu para construir Belo Monte está impondo uma destruição do ecossistema da região. A Volta Grande do Xingu, uma joia conhecida pela biodiversidade dos seus pedrais, vai secar. Com o desvio de 80% da vazão do rio para alimentar a casa de força principal de Belo Monte, ela permanecerá praticamente seca o ano inteiro. Belo Monte vai ficar para a história tanto quanto a construção de Itaipu que deixou um rastro de destruição. O reservatório de Itaipu engoliu 1.500 quilômetros quadrados de floresta e terras férteis e submergiu uma riqueza natural chamada cachoeira de Sete Quedas.
O projeto de Belo Monte foi proposto para operar à custa da redução da vazão de um trecho de aproximadamente 130 quilômetros chamado de Volta Grande do Xingu. Lá estão localizadas as Terras Indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Trincheira Bacajá. Cinco municípios estão sendo diretamente afetados: Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio, Anapu e Brasil Novo. Os indígenas da TI Paquiçamba e da TI Arara da Volta Grande são as maiores vítimas dos impactos diretos, pois estão justamente no trecho da vazão reduzida. O governo ignorou a consulta prévia e a necessidade de estudos etnoecológicos dos indígenas. Apesar das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal, as terras indígenas continuam sendo consideradas fora da área de impacto direto de Belo Monte.
Com Itaipu, construída no rio Paraná, se deu fato semelhante. Os indígenas Guarani do Oeste do Paraná foram simplesmente ignorados nas décadas de 1970 e 1980, durante a construção de Itaipu. O resultado foi uma grande mudança na vida desses indígenas. Assim como em Belo Monte e a população indígena da Volta Grande, nos estudos que precederam as obras de Itaipu, os Guarani foram omitidos. Somente em 1981, sob pressão, a Fundação Nacional do índio – Funai contratou um antropólogo para fazer um laudo que foi totalmente favorável ao governo da época. Identificou apenas cinco famílias autênticas Guarani. Mobilizados, os Guarani foram em busca de seus direitos e exigiram terras que compensassem aquelas que Itaipu expropriara. Em 1982, receberam 250 hectares. Esta terra não era suficiente para a sua sobrevivência. Em 1986, os Guarani denunciaram ao Banco Mundial a expulsão e expropriação de suas terras. No ano 2000, finalmente, foram adquiridos mais 1.500 hectares, porém longe das terras tradicionais, para reserva dos indígenas expulsos de Itaipu.
Mais uma vez Belo Monte, no rio Xingu, guarda uma triste semelhança à Itaipu, pois, tanto numa como na outra, a Funai foi omissa. Aprovou os estudos falhos, deu seu aval para a construção das hidrelétricas e desconsiderou completamente os impactos nas populações indígenas. Outro impacto que aproxima as duas usinas é o que se refere ao desalojamento compulsório de trabalhadores do campo. Em Itaipu 42.444 pessoas foram compulsoriamente desalojadas das margens do rio Paraná. Em Belo Monte o número de pessoas pode chegar a 40.000.
IHU On-Line – Entretanto, como se aproximam? De que forma correspondem a um modelo desenvolvimentista baseado em obras de grande impacto ambiental?
Telma Monteiro - Em 1970, uma ditadura e a ambição governamental por uma economia que levasse o Brasil a ser uma potência mundial foram os principais indutores para que Itaipu fosse erguida. Não importava, naquela época, embora estejamos vivendo quase a mesma situação em relação aos projetos hidrelétricos na Amazônia, que as famílias fossem compulsoriamente removidas de suas terras e perdessem sua história. Ou que as terras indígenas sofram impactos que alterarão para sempre sua cultura e sua sobrevivência.
A fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai foi a região escolhida para erguer Itaipu. Ali, além de indígenas Guarani, famílias que sobreviviam de pequenas terras agriculturáveis a cachoeira de Sete Quedas era um símbolo do poder de um grande rio. Nada faria os órgãos governamentais envolvidos desistirem de submergi-las. Pensada para custar um mínimo, ignorando todos os direitos inerentes aos atingidos, o objetivo era o desenvolvimento baseado em grandes obras. Itaipu foi um marco de outra ditadura assim como é Belo Monte hoje, imposta pela ditadura da sanha neodesenvolvimentista da era Lula e Dilma.
IHU On-Line – Que tipo de racionalidade está por trás deste modelo neodesenvolvimentista?
Telma Monteiro - Entenda. Um Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE prevê, usando indicadores, o aumento da demanda de energia. Atualmente, os prognósticos apostam num crescimento do PIB em mais de 4% ao ano nos próximos 10 anos, contrariando todos os prognósticos dos economistas. Mas, esse plano decenal é elaborado por empresas, instituições, associações e autoridades do governo do setor elétrico, portanto não é de espantar que as projeções que nele constam sejam pródigas em pontificar a necessidade de projetos hidrelétricos para bancar o crescimento da economia. Há todo um lobby da cadeia industrial de beneficiamento de commodities minerais que tem a energia elétrica como seu principal insumo.
O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE, no que concerne à energia elétrica, é uma peça de ficção do planejamento do governo brasileiro projetado para os próximos 10 anos. Ele é elaborado pelo Ministério de Minas e Energia – MME e a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, com a colaboração de empresas e agentes do setor energético. No final do texto, podem-se encontrar os agradecimentos aos membros da “Nomenklatura” ou casta dirigente do setor que manda no Brasil. Cerca de 150 empresas nacionais, transnacionais, entre elas Vale, Petrobras, Odebrecht, Brasken, Eletrobras, Eletronorte, Furnas e associações do setor como Associação Brasileira de Grandes Consumidores, Industria de Energia e de Consumidores Livres – ABRACE, Associação Brasileira dos Produtores Independente de Energia Elétrica – APINE, Associação Brasileira de Celulose e papel – BRACELPA e instituições governamentais, participam do planejamento energético do país.
Você pode procurar na lista do último plano decenal nomes de organizações da sociedade civil, pesquisadores e ambientalistas, especialistas da academia e representantes daqueles que sofrem na carne os impactos das políticas do Ministério de Minas e Energia – MME calcadas em premissas mirabolantes de crescimento econômico desacompanhado de sustentabilidade. Tente achar alguma referência aos problemas conjunturais relacionados à escassez de água no planeta, ao aquecimento global, às mudanças climáticas ou aos eventos extremos que não poderiam estar descolados de um planejamento para os próximos dez anos.
Eu já escrevi que fazendo uma menção à Rio + 20 e “O futuro que queremos” eu só consigo vislumbrar o futuro que essa elite dirigente quer. Os planos decenais continuam pregando otimismo para tentar justificar o aumento da oferta de energia elétrica no próximo decênio. A equação, aumento da população ativa versus aumento do consumo em ritmo maior, não prevê campanhas de uso consciente de energia. No entanto, a presidente Dilma Rousseff acenou com descontos na conta de luz, a melhor forma de contribuir ainda mais com o aumento do consumo.
Com uma previsão de aumento de domicílios particulares de R$ 62 milhões para R$ 77 milhões em 2021, está implícito nos planos que os grandes vilões do consumo são a população que utiliza equipamentos eletrodomésticos e o “sucesso” do Programa Luz para Todos. Apesar disso, programas de substituição dos chuveiros elétricos e incentivo ao uso de energia solar em novos empreendimentos de moradia social não estão previstos no horizonte de planejamento.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.