Código Florestal: texto é bom, para quem desmatou
Documento será votado nesta quarta (23/11) na Comissão de Meio Ambiente do Senado, apenas 48 horas depois de ter sido apresentado. Avanços são insuficientes para transformá-lo em uma peça que proteja as florestas e promova o uso racional dos recursos naturais
O substitutivo que propõe mudanças ao Código Florestal, lido na Comissão de Meio Ambiente (CMA) pelo relator da matéria, senador Jorge Viana, apresenta mudanças positivas, mas não altera pontos essenciais como a anistia a crimes ambientais, permitindo a não recuperação de áreas de preservação permanente e de reserva legal ilegalmente desmatadas. A CMA, principal comissão para a análise de questões ambientais, tem um prazo extremamente reduzido – apenas 48 horas – para avaliar a matéria, propor emendas e votar o texto.
O cronograma, apressado e insuficiente para as discussões que um tema de tamanha importância demanda, atende apenas aos interesses dos ruralistas, que pretendem que o texto passe com o mínimo de alterações possíveis, seja apreciado pela Câmara e sancionado pela presidente Dilma Rousseff ainda este ano.
No texto, poucos serão os casos em que as APPs ou reservas legais desmatadas terão que ser recuperadas. Por exemplo, as matas ciliares que foram ilegalmente suprimidas até 2008 serão restauradas em uma faixa de apenas 15 metros, enquanto aqueles que não desmataram terão que manter pelo menos 30 metros. Trata-se não apenas de um prêmio à ilegalidade, como uma grave ameaça à qualidade de nossos rios.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a própria Agência Nacional de Águas (ANA) foram veementes ao expressar que não faz sentido exigir uma recuperação menor do que 30 metros. Para rios maiores, o texto estabelece APPs com pelo menos a metade da largura do curso de água, com no mínimo 30 metros e no máximo 100 metros. Hoje, a legislação prevê APPs de até 500 metros. A desobrigação de recomposição (anistia) em APPs que os programas de regularização ambiental poderão definir, condenará principalmente as bacias hidrográficas altamente comprometidas e desprovidas de cobertura vegetal em mais de 80% de sua extensão, predominantes na região Centro-Sul do Brasil.
Adicionalmente, o substitutivo que será votado na Comissão de Meio Ambiente não prevê a recuperação de nascentes, deixando vulneráveis áreas indispensáveis para a manutenção de recursos hídricos. Trata-se de um dos mais graves pontos do texto lido pelo senador Jorge Viana, que manteve a redação base da emenda 164 da Câmara, dando a entender que as nascentes não devem ser recuperadas.
Outro problema do substitutivo é a isenção de recuperação de reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais, área que, em algumas regiões do país, pode ser superior a 400 hectares, o equivalente a mais de 400 campos de futebol. A demanda para que essa regra fosse aplicada apenas aos agricultores familiares foi ignorada. Pela norma apresentada, mesmo que um proprietário tenha vários imóveis menores de quatro módulos, poderá se beneficiar da medida, não precisando recuperar a reserva legal em nenhum deles.
Um dispositivo que foi mantido é o que dispensa a recuperação de reserva legal por simples declaração do proprietário, sem necessidade de um meio objetivo de comprovação. Basta o produtor declarar que o desmatamento é antigo, anterior à legislação que passou a exigir ou aumentar a reserva legal, para que não tenha que recuperar a área.
Diante dessa situação, é possível concluir que o texto em discussão no Senado, que também prevê a soma das APPs no cálculo da área de reserva legal e a eventual recomposição de até 50% das RLs com espécies exóticas, praticamente vai eliminar as possibilidades recuperação de reservas legais irregularmente desmatadas. Isso atende integralmente às demandas da bancada ruralista, que sempre defendeu a extinção da reserva legal, alegando se tratar de impedimento ao uso de 100% da propriedade em atividades agropecuárias.
Entre os pontos positivos do substitutivo, cabe destacar: a) consideração das veredas como áreas protegidas, algo que está na lei atual, mas tinha sido retirado das versões anteriores do projeto; b) definição de um prazo máximo durante o qual os proprietários não poderão ser multados pelos desmatamentos ocorridos até 2008 – antes estava indefinido; c) introdução de procedimentos simplificados para autorização de desmatamento, cadastramento rural, licenciamento e registro de RL por agricultores familiares, que também terão mais facilidade para fazer aproveitamento econômico das áreas protegidas de seu imóvel.
As correções voltadas para resgatar a obrigatoriedade de recomposição de APPs precisam ser feitas na Comissão de Meio Ambiente, uma vez que as possibilidades de alterações ocorrerem durante o trâmite no plenário são mínimas. Se os ajustes, sugeridos ao relator por meio de emendas, não forem incorporados, restará somente a pressão sobre a presidente Dilma Rousseff, para que cumpra o compromisso assumido durante as eleições de 2010 e vete os dispositivos que anistiem desmatamentos ilegais ou reduzam áreas protegidas.