Suprema Corte é unânime em julgar que Estado não deve receber indenização por áreas ocupadas por índios no Xingu e em outras regiões; tese do “marco temporal” não entrou em julgamento
DO IPAM – Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal negou nesta quarta-feira (16) dois pedidos do governo de Mato Grosso para receber indenização da União pela desapropriação de terras do estado para demarcação do Parque Indígena do Xingu e as terras indígenas (Tis) Nambikwára e Parecis. Os ministros reconheceram, com base em estudos, que as terras eram ocupadas de forma permanente muito antes das demarcações, e, portanto, já pertenciam à União.
A decisão é uma vitória para os povos indígenas da região, para o ambiente e para todos os brasileiros. Uma TI homologada diminui de 20 a 30 vezes a chance de ocorrer desmatamento naquela área, se comparado com o desmatamento das áreas adjacentes a esses territórios, o que contribui para a manutenção do regime de chuvas e de temperatura mais amenas.
O mapa abaixo mostra que o desmatamento no interior das TIs não chega a 2%, enquanto nas áreas adjacentes a estas este percentual é maior que 30%.
Um estudo do IPAM ainda avaliou o efeito do desmatamento na temperatura do ar justamente na região do Parque Indígena do Xingu, alvo da decisão do STF. De 2002 a 2010, a temperatura nas áreas desmatadas no entorno do parque foi, em média, de 4°C a 6°C maior que no seu interior, com impacto também na quantidade de chuva. Além disso, sem esse maciço florestal, a produção agrícola ao seu redor seria duramente impactada pelas condições climáticas adversas.
“Preservar os direitos dos povos indígenas é preservar os direitos de todos os brasileiros”, afirma a coordenadora do núcleo indígena do IPAM, Fernanda Bortolotto. Os estudos comprovam, na prática, que todos saem ganhando quando as demarcações de terras indígenas são respeitadas e homologadas.
Marco temporal
O Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961 e as reservas Nambikwára e Parecis, em 1968. Laudos do antropólogo João Dal Poz Neto, atestando a ocupação indígena de vários pontos da bacia do Xingu há pelo menos 800 anos, e do antropólogo Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, que aponta que os índios parecis já ocupavam a região em 1553 e os nambikwaras há cerca de 300 anos, foram citados pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo.
Ao contrário da expectativa, o STF não julgou o critério do “marco temporal”, defendido pelo governo Temer em parecer da Advocacia-Geral da União, que estabelece que só teriam direito a reivindicar terras os povos indígenas que as estivessem ocupando até a promulgação da Constituição de 1988. Assim, os indígenas que foram expulsos dessas áreas à época ficariam impedidos de voltar para os territórios, um ataque que afetaria os direitos de todos os povos originários do Brasil. O tema, no entanto, não entrou em pauta no julgamento.
Em coletiva de imprensa, o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Luís Henrique Eloy Terena, afirmou que essa decisão é importante porque impacta em todas as terras indígenas do país e sinaliza que o STF será contrário à tese do marco temporal. “Todos os ministros, com exceção de Gilmar Mendes, reafirmaram em seus votos esse direito originário e trouxeram outros marcos legais como a Constituição de 1974, a Constituição de 1891 e a própria Carta Régia de 1680, o que indica que o marco temporal não será aplicado”, disse.