Estimativa divulgada nesta semana aponta para redução de 16% em 2017, mas Michel Temer e seus aliados no Congresso trabalham duro para reverter essa situação
Na última terça-feira (17), num anúncio-surpresa aparentemente bolado para não gerar questionamentos da imprensa, o governo apresentou a estimativa dos dados oficiais de desmatamento na Amazônia em 2017. A notícia é boa: a devastação caiu 16% entre agosto de 2016 e julho deste ano, o que confirma com exatidão quase milimétrica as medições feitas em tempo real pelo sistema Deter-B, do Inpe, que falavam em 15%.
Os dados positivos serão usados pelo governo federal no mês que vem na COP23, a conferência do clima de Fiji, para dizer que o desmatamento está sendo domado e que toda essa conversa de desastre ambiental na administração Temer não passa de intriga da oposição. De fato, durante o anúncio do dado, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), deu o tom do discurso ao dizer que “não houve nenhum retrocesso” nas políticas para a Amazônia no governo atual. O deputado Sarney Filho (PV-MA) provavelmente daria risada da declaração do ministro.
Como dizia Niels Bohr, é muito difícil fazer previsões, em especial sobre o futuro. Mas o cenário atual, no qua o Presidente da República anda entregando os anéis e os dedinhos esvoaçantes à bancada ruralista para se manter no poder, recomenda botar as barbas de molho. O OC listou abaixo alguns motivos para não comemorar demais a desaceleração do desmatamento:
1 – Perdemos 6.624 quilômetros quadrados de floresta em um único ano.
É quase quatro vezes e meia a área da cidade de São Paulo. A taxa atual é 70% maior do que a meta da lei brasileira de clima, segundo a qual precisamos chegar a 3.900 quilômetros quadrados até 2020. O país terá de pular miudinho para cumprir a meta.
2 – A queda não compensa a alta nos anos anteriores.
O ministro Sarney Filho falou em “reversão da tendência”, mas é cedo ainda para dizer isso. O que claramente mostrou uma “reversão da tendência” foi a alta de 24% em 2015 e de 27% em 2016: reverteu-se a tendência de redução observada entre 2005 e 2012.
3 – O mercado deu uma mãozinha.
A desaceleração da taxa se deveu em grande parte à retomada da fiscalização do Ibama, que havia recuado em 2016 por falta de dinheiro e voltou graças a recursos do Fundo Amazônia. Mas em parte ela também pode ser atribuída à queda de 10% no preço do boi gordo, que tem uma correlação positiva com a taxa de desmatamento, como mostra este gráfico do Imazon:
4 – Só pancada não resolve mais.
A fiscalização é obviamente essencial e precisa ser ampliada. Mas o próprio governo admitiu, em 2016, que não é possível avançar muito mais no combate ao desmatamento só com chicote. É preciso também ter a cenoura – incentivos à produção sustentável e regularização fundiária. O que nos leva ao próximo item da lista.
5 – O governo Temer liberou geral para os grileiros.
Como parte do pacto de sangue que fez com a bancada ruralista em troca de mais alguns meses no poder, o presidente sancionou a Lei 13.465, a.k.a. “Lei da Grilagem”, anistiando toda invasão de terras públicas feita entre 2004 e 2011 e permitindo regularizar latifúndios grilados de 2.500 hectares. A lei é praticamente um convite a novas invasões de terra, principal motor do desmatamento, pois sinaliza que o crime compensa.
6 – Unidades de conservação não são mais sagradas.
A criação de reservas ambientais no primeiro governo Lula foi um dos fatores que levaram à queda da taxa de desmatamento a partir de 2005. Isso porque áreas protegidas, mesmo que no papel, são um desestímulo à grilagem, já que não poderão ser vendidas depois. Só que desde 2008 o governo vem sinalizando que áreas protegidas não são eternas: primeiro, reduzindo-as para fazer hidrelétricas. Agora, o governo Temer propôs entregar a ocupantes em sua imensa maioria ilegais 350 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim – será a maior redução de proteção de uma reserva ambiental federal em toda a história. O recado é claro: invadir e desmatar em unidade de conservação é um bom negócio. Na mira do Congresso, agora, estão quase 3 milhões de hectares protegidos no sul do Amazonas. E, cereja do bolo, tramita na Comissão de Finanças da Câmara (dominada por ruralistas) uma proposta para extinguir unidades de conservação que não tenham tido seus ocupantes indenizados.
7 – As terras indígenas também não.
Em julho, por sugestão de seus BFFs da bancada ruralista, Temer baixou um parecer que vale para todos os órgãos da administração federal para que apenas terras indígenas ocupadas pelos índios em 1988 possam ser reconhecidas. A medida, que abraça a tese dos ruralistas “marco temporal” para territórios indígenas, ameaça centenas de processos de demarcação e aumentar o conflito em torno dessas terras, que são a barreira mais eficiente contra o desmatamento. Outra moda inventada pelos ruralistas agora é “exploração agrícola indígena”, ou seja, legalizar o arrendamento das terras dos índios para a agropecuária – quem precisa disputar a posse da terra se você pode simplesmente chegar e se instalar, não é?
8 – O governo quer “aparelhar” os órgãos ambientais (na real, todos os órgãos públicos).
No dia 11 de outubro, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, revogou uma portaria de 2003 que dava aos demais ministros a liberdade de nomear cargos de gerência e direção. Agora, todas essas nomeações ficarão centralizadas na Casa Civil, o que aumenta a possibilidade de ingerência, por exemplo, nas coordenações regionais do Ibama e do Instituto Chico Mendes, que lidam com os desmatadores e grileiros na ponta. Considerando que o ministro é acusado de crimes ambientais e grilagem, a perspectiva é assustadora.
9 – Em 2018 tem eleição.
É quase uma lei da física: o desmatamento sobe em ano eleitoral. Os controles se afrouxam na ponta em busca de votos e o poder político de prefeitos e deputados aliados do crime ambiental sobre Brasília costuma crescer. O Ibama precisará de muito mais recursos para dar conta da fiscalização no ano que vem nessas condições, mas aí a gente lembra que os gastos do governo federal estão congelados por 20 anos e que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente foi cortado em 43% em 2017 e em 56% na proposta orçamentária de 2018. O governo deve reformular a proposta nas próximas semanas, mas ainda há um risco de o que era piso orçamentário virar teto.
10 – O clima está jogando contra.
Grandes porções da Amazônia vivem mais uma seca prolongada, o que aumenta a quantidade de incêndios. O mês de setembro registrou 106 mil focos de calor no país, o maior número já visto em um único mês desde o início do monitoramento por satélites. Estações secas mais prolongadas significam uma janela maior para o desmatamento, que costuma arrefecer no período de novembro a abril por causa das chuvas. Entre 2015 e 2016, por exemplo, o El Niño secou a floresta e a motosserra cantou à vontade. Neste ano há seca, mas não há El Niño, um possível prenúncio do que as mudanças climáticas podem trazer para a Amazônia.