• 05 de novembro de 2024
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Emissões batem novo recorde quando deveriam despencar, diz Pnuma

Emissões batem novo recorde quando deveriam despencar, diz Pnuma
Queda precisa ser de 7,5% por ano até 2035; ritmo atual conduzirá a planeta 2,8ºC mais quenteO mundo caminha para aquecer o dobro do limite estipulado pelo Acordo de Paris, confirmou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) nesta quinta-feira (24/10). O aguardado Relatório de Lacunas para as Emissões 2024 (EGR, na sigla em inglês para Emissions Gap Report), lançado anualmente, mostrou que as emissões de gases de efeito estufa bateram novo recorde em 2023 e chegaram a 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e), um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior.


O despejo de gases-estufa na atmosfera segue aumentando, mesmo que em ritmo mais lento do que quando o Acordo de Paris foi adotado. A desaceleração do aumento de emissões está longe de ser suficiente, já que somente uma redução drástica dará ao planeta uma chance de atingir a meta de limitar o aquecimento a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Segundo o estudo, as metas climáticas atualmente assumidas pelos países levariam – se cumpridas – a um aquecimento de 2,6ºC a 2,8ºC.


E o fracasso pode ser ainda maior, já que nem mesmo essas metas insuficientes têm sido cumpridas. Segundo o estudo, as políticas atualmente implementadas nos colocam no trilho de um aquecimento “catastrófico”, de 3,1ºC até o final deste século, como qualificado por António Guterres, secretário-geral da ONU, na abertura do evento que lançou o relatório.


O “novo normal” de 2024, que muito provavelmente superará o ano passado e será o mais quente da história, nos dá um aperitivo do que pode ser esse futuro, com secas históricas, inundações recordes, furacões turbinados e os três dias mais quentes já registrados concentrados no mês de julho. E isso com um aquecimento na casa dos 1,3ºC acima dos níveis pré-industriais.


O setor de energia continua respondendo pela maior fatia das emissões globais (15,1 Gt de CO2e), seguido por transporte (8,4 GtCO2e), agricultura (6,5 GtCO2e) e indústria (6,5 GtCO2e). A boa notícia, se é que há alguma, é que há tecnologia e tempo disponível para operar a transição energética de que o mundo precisa para garantir a redução de emissões compatível com as metas do Acordo de Paris. Mas as decisões dos países parecem caminhar no sentido oposto.


“Todos os olhos nas próximas NDCs”


“A próxima Conferência do Clima da ONU, a COP29, aciona o relógio para que os países entreguem novos planos climáticos nacionais, ou NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas, a meta de cada país para o Acordo de Paris], até o próximo ano. Os governos concordaram em alinhar esses planos à meta de 1,5ºC, o que significa que devem reduzir todas as emissões de gases de efeito estufa , em toda a economia e estimulando progressos em todos os setores”, afirmou Guterres. “E devem deixar para trás nossa dependência de combustíveis fósseis, mostrando que os governos irão eliminá-los gradualmente de forma rápida e justa”, completou, reforçando a mensagem das Nações Unidas para o lançamento do relatório: todos os olhos devem se direcionar para as novas NDCs.


O relatório mostra que, para além da definição de metas mais ambiciosas, os países precisam começar a agir imediatamente para cortar emissões. O adiamento da ação climática para o final da década terá consequências irreversíveis, mostra o estudo.


Caso nada seja feito, as políticas atuais conduzirão a emissões globais de 57 GtCO2 em 2030. O cumprimento das atuais NDCs reduziria as emissões para 55 GtCO2 ao final da década (considerando as metas “não condicionadas”, aquelas que dependem apenas dos países para serem implementadas). Na melhor das hipóteses, as atuais NDCs reduziram as emissões para 52 GtCO2 em 2030, se considerarmos também as “condicionadas”, que dependem de aporte financeiro dos países ricos para serem postas em prática.


Nada disso é suficiente. O necessário para atingir a meta de 1,5º de aquecimento é chegar a 2030 com emissões de 33 GtCO2. Mesmo para a meta menos ambiciosa do Acordo de Paris – talvez a única possível a essa altura –. as emissões precisam cair para 41 GtCO2 em 2030, como mostra a figura abaixo.


“A implementação completa das NDCs não condicionadas e condicionadas reduz as emissões esperadas em 2030 em 4% e 10%, respectivamente, em comparação com os níveis de 2019. No entanto, uma redução de 28% é necessária para que as emissões de 2030 estejam alinhadas com o limite de 2°C e uma redução de 42% para o limite de 1,5°C”, diz o relatório. “A menos que as emissões globais em 2030 fiquem abaixo dos níveis resultantes das políticas atuais e da plena implementação das NDCs vigentes, será impossível alcançar um caminho que limite o aquecimento global a 1,5°C sem ou com pouco overshoot”, conclui o estudo.


Para Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima e um dos coautores brasileiros do relatório, os dados explicitam a incapacidade dos governos de responder à altura à emergência climática: “A leitura atenta do Emissions Gap Report mostra que, no mundo real, a meta de estabilizar o aquecimento global em 1.5ºC está basicamente fora de alcance. A matemática da atmosfera é implacável – tudo o que não fizemos coletivamente para acelerar a implementação dos planos climáticos nacionais nos últimos anos e para aumentar a ambição desses planos significou menos carbono disponível para emitir”, diz.


Ele completa, analisando as perspectivas para o próximo período: “Se começássemos hoje a agir, precisaríamos de cortes anuais de 7,5% de emissões até 2035. Se esperarmos até 2030, vamos precisar cortar 15% das emissões ao. Isso é possível pelas leis da física e pela tecnologia disponível, mas neste momento é política e economicamente inviável – só para dar uma ideia, no ano em que a Covid quebrou a economia global a redução de emissões foi de menos de 6%. Os governos estão vendo o precipício adiante, sabem que é preciso frear e que o freio está funcionando, mas são incapazes de acioná-lo”, critica.


Exemplo disso são as emissões dos países do G20 – que responderam por 77% das emissões globais no último ano. Os seis maiores emissores – China, Estados Unidos, Índia, União Europeia, Rússia e Brasil – responderam por 63% de tudo o que foi emitido no planeta no último ano.


Mesmo assim, mostra o relatório, os países do G20 caminham coletivamente para fracassar no cumprimento de suas próprias NDCs, já insuficientes. As políticas atuais desses países conduzirão a emissões extras de 1 GtCO2e em 2030, na comparação com aquilo que se comprometeram a fazer.


O Brasil aparece entre os países com menor probabilidade de atingir as metas de emissões líquidas zero em 2050. O país está entre os dez, no G20, que já atingiram o pico de emissões, um pré-requisito para caminhar para as emissões zero, mas precisa de metas (e ações) mais ambiciosas para chegar a 2050 sem emitir carbono.


“Para a maioria dos dez membros do G20 onde as emissões já atingiram o pico (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, União Europeia, Japão, Federação Russa, África do Sul, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América), sua taxa de descarbonização precisaria ser acelerada — em alguns casos, drasticamente — após 2030 para atingir suas metas de zero emissões líquidas, a menos que acelerem as ações agora e superem suas metas de NDCs para 2030”, destaca o texto.


 

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