Energia mais barata, perto de quem consome
Passo importante para enfrentar a questão energética no Brasil foi dado há poucos dias pelo Ministério de Minas e Energia, ao autorizar (pela Portaria 44/15) distribuidoras de energia elétrica a contratar em leilão a “energia excedente de autogeradores”, como shopping centers, indústrias, hotéis , cooperativas e outros. E é importante por dois motivos centrais: 1) libera a compra de cerca de 3,2 GW já disponíveis nesses setores e não utilizados, que certamente ajudarão a enfrentar a atual crise energética, decorrente de vários fatores, a começar pela redução de água nos reservatórios (que levou à utilização da cara energia de termoelétricas, movidas principalmente a carvão e diesel); e 2) conduz em direção a um modelo mais adequado e necessário para a matriz energética nacional.
Hoje, a compra da energia produzida por microgeradores e sua distribuição – além do consumo no local da produção – depende de autorização em cada Estado. Mas a autorização em nível nacional certamente induzirá a produção no rumo desejável em todo o País. Porque a microgeração e seu consumo próximo da produção são o caminho inevitável e moderno. Megaobras, que exigem também megalinhas de transmissão caríssimas, são uma via cada vez mais anacrônica. Seja pelos vultosos capitais que exigem – e que precisam ser remunerados pelos consumidores -, seja pelos altos investimentos na transmissão e na distribuição, seja pelo desperdício e pelo não uso em certas etapas.
Além disso, a microgeração e o consumo no local disponibilizam essa energia, sem custos elevados, também nas propriedades rurais e comunidades isoladas. Com o adicional de permitirem a geração da energia a partir de resíduos – inclusive de animais como bovinos, suínos, aves – disponíveis nos próprios estabelecimentos rurais.
E que podem contar também com bagaço e palha de cana, casca de arroz, efluentes no processamento de produtos como a mandioca, entre outros. Eles podem resultar em biogás e, por meio deste, na geração de energia. E ainda na redução da demanda por lenha em processos industriais, como a secagem de grãos; a produção de biofertilizantes; a refrigeração de granjas, evitando a morte de animais. Não bastasse, a microgeração ainda pode proporcionar renda adicional ao produtor, ao vender à distribuidora mais próxima o excedente que não utilizaria em sua própria área. Não pagará pelo consumo de energia e ainda terá renda adicional.
Caminhos como esse ficaram claros no Estado do Paraná, a partir do Centro Internacional do Biogás, que associou Itaipu à Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi), a várias universidades aqui e fora e também à Embrapa. Por aí se caminhou para a instalação de microgeradores em vários condomínios de agricultores associados e também agricultores individuais de grande porte – e o modelo já foi exportado até para o Uruguai.
Agora, caberá à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) medir o potencial da microgeração, instalar equipamentos de controle dessa geração, padronizar modelos para os contratos e autorizar o início das chamadas públicas.
Grande parte do mundo caminha a passos rápidos para a adoção das chamadas energias renováveis, diante da impossibilidade de seguir com os modelos poluentes, baseados principalmente na queima de petróleo e carvão. A geração de energia solar, eólica e de biomassas, em especial, cresce em alta velocidade. Com a resistência de alguns países e produtores nos formatos antigos, mas diante de circunstâncias incontornáveis, como a inegável contribuição dessas fontes poluentes para o aumento da temperatura e das mudanças climáticas no planeta. A transformação já levou até mesmo a uma queda de mais de 50% nas cotações do petróleo. Levou também à geração de energia – principalmente nos Estados Unidos – a partir do gás resultante do fraturamento de rochas. Mas que enfrenta forte e crescente resistência, diante dos efeitos indesejados – problemas com recursos hídricos, poluição química resultante de produtos usados nessa técnica e outros.
O Brasil também tem avançado na produção de energia eólica, apesar da falta de linhas de transmissão e outras estruturas (já tem 4.888 MW implantados, mais 126,7% em 2014; para 2015 estão previstos mais 3.267 MW; para 2021, nada menos que 15.563 MW). As geradoras de energia a partir de radiação solar evitaram já há dois anos a emissão de 11.229 toneladas equivalentes de dióxido de carbono. Em 2014 a geração de energia a partir de biomassas chegou a 20,8 mil GWh, ou 21% mais que em 2013. E ainda poderemos ter usinas movidas pelas marés, por bagaço de cana e outros resíduos. Sem deixar de mencionar a possibilidade de utilizar briquetes – resultantes da compactação de resíduos vegetais – para substituir a lenha. Principalmente na região do Semiárido, ainda é forte o uso de lenha nas cozinhas domésticas.
As agências reguladoras Aneel e ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e a Empresa de Planejamento Energético (EPE) publicaram recentemente resoluções normativas discutidas em audiências públicas, de suma importância para termos no País um bom arcabouço regulatório, determinando as condições para investimentos em microgeração, que, localizada nos centros de carga, como dizem os especialistas, ou junto ao consumo, não necessitam de investimentos em transmissão e distribuição.
E ainda é preciso avançar, sob este ângulo, nas questões entrelaçadas dos recursos hídricos e do clima, tão graves e urgentes. Cientistas têm advertido: sem desmatamento zero na Amazônia e no Cerrado não haverá solução para as questões do clima no Brasil; e já somos um dos países mais atingidos por desastres climáticos (a área urbana exposta a inundações no mundo triplicará até 2030, diz o Global Change). Também não se deve esperar uma solução milagrosa para os problemas da água. Eles ainda estarão presentes nos próximos anos.
* Washington Novaes é jornalista.