• 28 de setembro de 2016
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Estudo prevê 9 °C de aquecimento

Pesquisadora diz que temperatura terrestre nos próximos milênios subiria cerca de 5 graus mesmo se emissões de carbono parassem hoje; outros cientistas contestam dado.

Por Redação do OC –

Uma afirmação extraordinária foi feita por uma cientista americana nesta segunda-feira (26): mesmo se as emissões de carbono parassem hoje, a Terra estaria comprometida, no longo prazo, com um aquecimento global de 5 °C. Mantidas as emissões atuais, chegaríamos a 9oC. Os resultados derivam de uma reconstrução inédita das temperaturas globais nos últimos 2 milhões de anos, publicada na edição on-line da revista Nature, um dos principais periódicos científicos do mundo.

Afirmações extraordinárias, porém, requerem evidências extraordinárias. E alguns cientistas dizem que estas faltaram ao trabalho.

Mal foi colocado no ar, o artigo de Carolyn Snyder, da Universidade Stanford, teve sua conclusão principal criticada pelo climatologista Gavin Schmidt, diretor do Centro Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. Embora elogie a série de dados compilada pela pesquisadora, Shmidt diz que a projeção de aquecimento futuro está “simplesmente errada”. Outros especialistas vão na mesma linha.

“A dificuldade é que a autora usou uma abordagem muito simplista para estimar o aquecimento pelo CO2”, disse ao OC o climatologista Richard Alley, da Universidade da Pensilvânia, também nos EUA. Alley é especialista em reconstruir o clima antigo da Terra com base em análise do gelo da Groenlândia e da Antártida. Ele não diz que os números do novo estudo estão errados, porém. “Ele dá um limite superior, não a melhor estimativa”, afirmou.

No centro da controvérsia está um indicador conhecido como “sensibilidade climática”. Grosso modo, ele é definido como quanto o planeta aquece quando a concentração de gás carbônico na atmosfera dobra. Esse parâmetro foi calculado pela primeira vez em 1896 pelo químico sueco Svante Arrhenius (o mesmo da teoria de ácidos e bases que inferniza estudantes do ensino médio) em cerca de 5oC. E não mudou tanto assim nos últimos 120 anos: em 2013, o IPCC, o comitê de climatologistas da ONU, estimou a sensibilidade climática em um mínimo de 1,5oC e um máximo de 4,5oC. Ou seja, algo em torno de 3oC.

Os cientistas têm dificuldade em estimar com muita precisão a sensibilidade climática porque a Terra tem várias maneiras diferentes de responder ao CO2 adicional no longo prazo. Algumas causam ainda mais aquecimento, outras atuam no sentido contrário. São os chamados mecanismos de feedback climático. Entre eles está a reação de oceanos, florestas e mantos de gelo.

No passado, durante as eras glaciais, esses mecanismos agiram em ambos os sentidos, ajudando a tirar e pôr o mundo em eras do gelo. Por exemplo, quando variações periódicas (naturais) na órbita terrestre favoreceram o acúmulo de gelo nas regiões polares, há centenas de milhares de anos, a luz solar refletida pelo gelo ajudou a esfriar ainda mais a Terra – e a fazer mais gelo. Quando, milênios depois, essas mesmas variações orbitais esquentaram um pouquinho a Terra, a enorme quantidade de CO2 dissolvida nos oceanos escapou para a atmosfera (pense numa garrafa de refrigerante quente sendo aberta), produzindo períodos quentes, como o atual.

Em seu estudo, Snyder apresenta um parâmetro chamado “sensibilidade do sistema terrestre”, ou seja, quanto a Terra esquentaria no horizonte de milênios caso a quantidade de CO2 no ar dobrasse.

Para chegar a esse número, primeiro ela fez um trabalho de presidiário: montou uma série contínua de temperatura da superfície terrestre com base em 20 mil dados contidos em 59 amostras de subsolo oceânico (a composição química dos microrganismos mortos e depositados no fundo do mar permite inferir as temperaturas ao longo do tempo), de 2 milhões de anos atrás até o presente. Depois, ela comparou as temperaturas de sua série com aquelas obtidas no registro do gelo da Antártida, que são mais precisas do que as dos sedimentos oceânicos, mas só recuam até 800 mil anos atrás.

De posse de uma correlação entre temperaturas médias globais e temperaturas na Antártida, Snyder percebeu que aquelas variavam também numa forte correlação com as flutuações na concentração de gases de efeito estufa, que é medida com grande precisão no gelo polar. O passo lógico seguinte foi estimar a variação de temperatura causada ao longo dos milênios para cada mudança no equilíbrio de radiação da Terra causado pelos gases de efeito estufa. Daí veio a medida de sensibilidade do sistema climático de 7oC a 13oC causada pela duplicação do CO2 em relação à era pré-industrial – o que, mantida a concentração atual (42% maior do que a pré-industrial), nos daria 5oC de aquecimento no longo prazo mesmo se de hoje em diante ninguém emitisse mais um grama de carbono.

“A autora pegou a história da temperatura e do CO2 (e outros gases-estufa) ao longo dos ciclos glaciais e estimou o efeito de aquecimento do CO2 assumindo que toda a mudança de temperatura fosse causada pelo CO2”, disse Alley. Segundo ele, isso superestima o papel do carbono.

“Um grande conjunto de evidências independentes indica que o aquecimento que vamos sofrer pelo aumento do CO2 será grande e importante para nós, mas não tão grande quanto o indicado pelo novo estudo”, afirmou o americano.

Procurada pelo OC, Carolyn Snyder evitou polemizar com Schmidt. Mas disse que seu estudo não traz “uma previsão ou predição do aquecimento no futuro”. A pesquisa, segundo a autora, segue trabalhos publicados anteriormente que definiram a sensibilidade do sistema climático como a correlação entre temperaturas globais e gases de efeito estufa, como maneira de resumir padrões climáticos da Terra no passado. “Mas isso é uma correlação observada no passado, não um teste de causalidade”, explica.

Segundo ela, essa sensibilidade do sistema terrestre contrasta com a sensibilidade climática por incluir respostas de outras partes do planeta, como vegetação, poeira e mantos de gelo. Ela afirma ter estimado também a sensibilidade climática nesses mesmos 800 mil anos, num estudo ainda em revisão para publicação – e encontrado um número menor, “consistente com os modelos climáticos do IPCC”.

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