• 10 de dezembro de 2013
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Exemplos admiráveis, impasses insuportáveis

O impacto da notícia sobre o desabamento, nesta semana, de mais um edifício em construção na Grande São Paulo leva a memória para vários outros desabamentos na região (inclusive no Itaquerão), assim como no Rio de Janeiro. E ao pensamento de que certamente se deve rever a legislação sobre construções, exigências de fiscalização periódica, etc. Da mesma forma, faz pensar na anunciada – e admirável – disposição da artista Tomie Ohtake, que, do alto dos seus 100 anos, se manifestou imediatamente pronta a refazer sua obra de 720 metros quadrados atingida no incêndio no Memorial da América Latina.

São pessoas assim que convidam a não desistir de mudanças, ainda que o quadro geral seja mais do que preocupante. Gente também como Fernanda Montenegro, que, ao receber o Prêmio Emmy de melhor atriz, aos 84 anos, se diz imediatamente disposta a partir em busca de outras realizações. A mesma Fernanda que em 1985, em entrevista ao autor destas linhas para um balanço do ano na área cultural no País, perguntada se não havia razões para descrença, ou qual teria sido o maior acontecimento no ano, não hesitou: “O maior acontecimento cultural do ano foi o enterro de Tancredo Neves – 1 milhão de pessoas na rua, sem nenhum comando ou controle de fora, correndo atrás do caixão do seu líder. Isso não é admirável, não é a cultura de um povo?”.
É de uma fortaleza como essa que se carece na hora em que se noticia a eleição neste próximo domingo, na cidade de São Paulo, de um Conselho Participativo Municipal, para escolher 1.155 pessoas que, nas 32 subprefeituras, analisarão “áreas como planejamento e fiscalização, ações e gastos com publicidade, moradia, saúde pública e outras”. Na verdade, tudo. E pergunta-se: conseguirá esse conselho fazer algo semelhante ao que propunham professores da Universidade de São Paulo que, em projeto enviado à Câmara Municipal há poucos anos, previam a divisão do Município em subprefeituras, com orçamentos autônomos, e a eleição de conselhos de cidadãos com poderes para determinar o orçamento, onde aplicá-lo, como fiscalizar a execução? A Câmara aprovou as subprefeituras e esqueceu os conselhos…

Se for possível a transformação, que se fará? Diz o diretor da ONU-Habitat, Elkin Velásquez (Ecodesenvolvimento, novembro 2013), que “chega de construir novos viadutos, pontes, rodovias”. E aponta também para a ferida social: “A cidade não é igualitária”. Por isso “a transição para cidades sustentáveis” custará R$ 40 trilhões até 2030. Hoje, na cidade de São Paulo, só 2,5% da população vive em áreas totalmente dotadas de iluminação pública, pavimentação de ruas, calçadas, meios-fios, bueiros para escoamento de águas pluviais, rampas e acessos para deficientes físicos, redes de fios e cabos; só 3 mil dos 40 mil quilômetros de fios estão no subsolo em 17 mil quilômetros de ruas; em contrapartida, mais de 30 afluentes de rios, sepultados sob o asfalto, continuam a levar lixo e sedimentos para os cursos principais, sem que nada se faça. O déficit habitacional no País é para quase 9% da população, perto de 20 milhões de pessoas, 5,4 milhões de moradias precárias (Ipea, 26/11). Só na Grande São Paulo são mais de 2 milhões.

Não é mais o caso de falar em congestionamentos de até mais de 300 quilômetros num único dia em São Paulo, perdas de três horas diárias pelos moradores para ir ao trabalho e voltar (prejuízo de R$ 20 diários por pessoa com 12,5% de seu tempo). Que se pode esperar, se a frota no País cresce à razão de 12 mil veículos por dia e dobrará até o fim da década – enquanto se concedem isenções de impostos e incentivos à indústria do setor (R$ 32 bilhões desde 2007, que seriam suficientes para implantar 150 quilômetros de metrô ou mais de 1.500 quilômetros de corredores de ônibus)? Mas é preciso dizer que no ano passado aconteceram no País acidentes de trânsito com 21,5 mortos por 100 mil habitantes (na Alemanha, 4; na Suécia, 2,5), total de 80 mil em 30 anos; e 159 mil internações em hospitais.
Quando se chega ao capítulo da poluição do ar – como se escreveu neste espaço há poucas semanas -, retorna-se à fala do professor Paulo Saldiva, conceituado especialista na área de saúde pública e sua relação com a qualidade do ambiente. Ele ressalta que, se conseguíssemos reduzir em 10% a poluição no Estado de São Paulo, reduziríamos em 114 mil o número de mortos, fora internações, milhões de dias de trabalho perdidos, etc. No mundo, segundo a ONU, 2 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa de poluição atmosférica (há uma década eram 800 mil).

A violência nas nossas cidades chega a níveis inacreditáveis – de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado foram quase 25 homicídios por 100 mil habitantes. O espanto é imenso quando há poucos dias se noticiou (France Presse, 3/12) que, na Islândia, “a Polícia Nacional pela primeira vez na História do país foi obrigada a matar um homem, que começou a disparar sem motivo aparente da janela de seu apartamento na capital, Reykjavik”.

Que sugerirá o Conselho Participativo Municipal a ser eleito em São Paulo? Fim da isenção de impostos para veículos? Apreensão de todos os veículos não inspecionados? Criação de taxa de reciclagem para qualquer veículo, obrigatória a partir de certo tempo (20 anos, na Suécia)? Implantação do pedágio urbano, como em Londres e outras grandes cidades? Criação da taxa de lixo proporcional à geração de resíduos em cada residência ou estabelecimento comercial, como na Alemanha?

Caminhos há – e já testados em muitos lugares. A vontade política dos partidos nos Legislativos, entretanto, é que fará a diferença. E a tentação é sugerir uma nova Constituinte no País, que repense tudo – no próprio Legislativo, no Judiciário e no Executivo. Se não for assim, não é difícil prever para onde nos levará maior agravamento dos atuais impasses.

* Washington Novaes é jornalista.

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