Em um evento em Florianópolis, representantes de diversas iniciativas voltadas para a observação da zona costeira e do oceano e as suas interações com as mudanças climáticas se reuniram para trocar experiências e integrar ações Mesmo com mais de oito mil quilômetros de costa e uma propensão especialmente sensível de sofrer com as consequências do aquecimento global, como o aumento do nível do mar, tempestades e acidificação do oceano, o Brasil ainda é novato em termos de pesquisas e gerenciamento dos seus ecossistemas marinhos, mas isso parece que está prestes a mudar. Durante o III Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, especialistas brasileiros e estrangeiros puderam trocar experiências e dar mais um passo no aprimoramento das iniciativas voltadas à preservação dos ecossistemas marinhos. A criação recente do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias (INPOH) foi apontada como um grande avanço da oceanografia nacional e uma esperança de que a gestão da área marinha tenha mais robustez no Brasil. O instituto é resultado de articulação entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Marinha do Brasil, o Ministério da Pesca e Aquicultura e a Secretaria de Portos e vai agregar as atividades de hidroceanografia desenvolvidas no país, além de criar novas oportunidades para os cientistas e a pesquisa nacional. A ideia é que a instituição funcione como organização social e atue na coordenação das atividades pelo omega speedmaster replica watches desenvolvimento científico e tecnológico do país e na expansão da base de conhecimentos sobre os oceanos e o seu uso sustentável, com ênfase para o Oceano Atlântico Sul e Tropical. Redes atuantes Enquanto o instituto é estruturado, pesquisadores brasileiros vêm trabalhando em várias frentes, desenvolvendo pesquisas e monitoramento que abrangem desde os menores componentes da vida marinha até os parâmetros que permitem o desenvolvimento dela nos ricos ecossistemas costeiros e oceânicos. Sediada no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) envolve mais de 200 cientistas divididos em 13 sub-redes que estudam os impactos das mudanças climáticas (Agricultura, Biodiversidade e Ecossistemas, Cidades, Desastres Naturais, Desenvolvimento Regional, Economia, Energias Renováveis, Modelagem Climática, Oceanos, Recursos Hídricos, Saúde, Serviços Ambientais dos Ecossistemas e Zonas Costeiras). Criada no final de 2007 pelo MCTI, a Rede Clima tem como missão gerar e disseminar conhecimentos para que o Brasil possa responder aos desafios representados pelas causas e efeitos das mudanças climáticas, sendo elementar às atividades de Pesquisa e Desenvolvimento do Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Uma das grandes contribuições da Rede Clima é o Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM, da sigla em inglês), que embasa a participação brasileira no próximo Relatório de Atividades (AR5) do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Um dos programas que contribui cientificamente com a Rede Clima é o PIRATA (Prediction Research Moored Array in the Tropical Atlantic), pelo qual pesquisadores brasileiros, norte-americanos e franceses cooperam estudando interações entre o Oceano Atlântico tropical e a atmosfera. Essas interações afetam a variabilidade climática regional, sendo muito relevantes para a sociedade, já que regem o ritmo de vida da população. Dezoito boias foram dispostas desde meados da década de 1990 pelo programa para avaliar os dois principais modos de variabilidade climática do Atlântico tropical: o equatorial e o meridional. Os dados, incluindo variáveis de superfície – temperatura, vento, umidade, precipitação e radiação solar – e propriedades oceânicas (como a quantidade de CO2) até 500 metros de profundidade, estão disponíveis gratuitamente através de ferramentas como o Serviço Argos. Moacyr Araújo, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, um dos pesquisadores que fazem parte do PIRATA, enfatiza que um sistema similar deveria ser montado para o levantamento de dados costeiros. Ele nota que este tipo de sistema observacional é extremamente útil, já que permite o acompanhamento de eventos que acontecem sistematicamente ao longo das décadas e, consequentemente, permite gerar alertas para populações mais vulneráveis aos efeitos de eventos climáticos extremos. Araújo completa que sistemas deste tipo podem ser muito úteis para prever eventos de branqueamento de coral, e até a ocorrência de doenças tropicais. Os dados já disponíveis mostram uma correlação entre casos de dengue e picos de precipitação, o que pode ser fundamental, por exemplo, para a defesa civil, argumenta. ZONA COSTEIRA O conhecimento das interações oceano-atmosfera é essencial para ampliar a noção que temos sobre os processos ligados às mudanças climáticas, mas informações sobre a interface terra-oceano também são urgentemente necessárias para barrarmos os principais impactos da atividade humana sobre a saúde dos ecossistemas marinhos. Assim, foi concebido o Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SIMCosta), elaborado para fazer mensurações de propriedades físicas, meteorológicas e biogeoquímicas ao longo da zona costeira. A iniciativa foi criada pela sub-rede Zonas Costeiras da Rede Clima e financiada pelo Fundo Clima. Em sua primeira fase, quatro boias serão instaladas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, permitindo acesso a dados em tempo real através do portal do SIMCosta. O sistema visa, em médio prazo, atender a toda a região costeira ao longo do território brasileiro. Além das boias, outro projeto faz parte do SIMCosta. Em 2013, o MCTI aprovou o financiamento da Rede de Monitoramento do Nível do Mar, uma série de marégrafos que serão instalados em várias cidades brasileiras. O projeto é essencial, pois fornecerá dados de elevação do nível do mar para embasar a proteção da costa contra tempestades, ondas e outros efeitos das mudanças climáticas. Seguindo modelos já implantados em outros países com extensas zonas costeiras, a rede contará em sua primeira fase com a instalação, a partir de abril de 2014, de 12 estações de monitoramento com sistema autônomo de alimentação de energia por placas solares. O sensor principal das estações é um marégrafo, mas elas também contam com sensores de temperatura, pressão, umidade relativa, velocidade e direção do vento e visibilidade. Biodiversidade Além do monitoramento de parâmetros físico-químicos, grupos que estudam a biodiversidade marinha e as suas interações e respostas às mudanças do clima também são elementares para a construção do conhecimento sobre o Oceano Atlântico tropical e sul. A Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), também vinculada à Sub-Rede Zonas Costeiras da Rede Clima e ao INCT para Mudanças Climáticas, foi criada em 2011 e já conta com 143 participantes, ligados a 45 instituições de pesquisa e ensino de 15 estados brasileiros. O objetivo da ReBentos é detectar os efeitos das mudanças climáticas globais sobre a biodiversidade dos ambientes bentônicos (substrato marinho), dando início a uma série histórica de dados ao longo da costa brasileira. Por exemplo, em um dos projetos da ReBentos, foram instaladas em três pontos estratégicos da Estação Ecológica de Carijós (Florianópolis) as primeiras estruturas de monitoramento de mudanças climáticas no contexto do Grupo de Trabalho de Marismas e Manguezais. Numa primeira etapa de instalação do equipamento, foram fixados verticalmente no manguezal três tubos de alumínio, que permitirão medir, com precisão, os processos de erosão e sedimentação no manguezal, em resposta às alterações no nível do mar, no médio e longo prazos. O trabalho de fixação das estruturas foi realizado conjuntamente por representantes do Núcleo de Estudos do Mar, da Universidade Federal de Santa Catarina (NEMAR/UFSC) e da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). A ReBentos está organizada em sete subprojetos: praias; recifes; costões; estuários; fundos submersos vegetados; manguezais e marismas; e educação ambiental. Durante o workshop em Florianópolis, esses grupos se reuniram para definir atividades estratégicas para o próximo ano e trocar informações sobre as iniciativas correntes. Uma das principais conclusões é a necessidade de ampliação da interdisciplinaridade nas pesquisas, integrando conhecimento sobre processos biológicos, químicos, físicos e ecológicos, com dados climáticos, modelagens e técnicas de geoprocessamento. Integração e decisão Dados básicos sobre a biodiversidade e os parâmetros que regem a vida em águas brasileiras ainda estão em seus estágios iniciais de coleta, precisando de muito mais subsídios. Porém, o que se tem já auxilia na construção de cenários preocupantes tanto em relação aos efeitos das mudanças climáticas quanto da sobre-exploração dos ecossistemas. Para Araújo, do Programa PIRATA, o que falta para o Brasil é um sistema de tomada de decisão, no qual o sistema de alerta é só um elemento. “Se você tem um aviso dos oceanos, com mais e mais certeza do que vai vir, então tem que disparar luzes amarelas e os sistemas locais terão que agir. Não sabemos usar com eficiência o que a ciência é capaz de nos fornecer”, ressaltou. “Acho que é um problema de gestão muito mais do que científico”, completou, se referindo também à qualidade do que é produzido por pesquisadores brasileiros. Neste sentido, o INPOH é uma grande esperança, coloca Araújo. “A criação do INPOH é uma necessidade para a integração nacional”, enfatiza Carlos Garcia, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e coordenador das ações da sub-rede Zonas Costeiras da REDE CLIMA e do INCT de Mudanças Climáticas.