Guerra ao desperdício de alimentos
Washington, Estados Unidos, 10/6/2013 – Um quarto de todas as calorias derivadas de alimentos cultivados para consumo humano se perde ou se desperdiça, seja de forma proposital ou não, segundo novas estimativas. Agora que a carestia dos alimentos é considerada algo normal, embora a demanda por estes produtos em todo o mundo continue aumentando rapidamente, em Washington ativistas e especialistas em desenvolvimento pedem uma ação nacional e internacional concertada de uma maneira sem precedentes.
“O mundo enfrentou um fracasso análogo da eficiência nos anos 1970 com a energia”, diz um documento de trabalho elaborado em conjunto pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o WRI, uma organização dedicada ao meio ambiente e ao desenvolvimento com sede em Washington. O estudo mostra que a combinação de preços recordes e demanda crescente de petróleo fez com que o mundo travasse uma guerra pela eficiência energética, e que algo semelhante ocorrerá com os alimentos.
Também estima que a quantidade de terra usada para cultivar estes alimentos que são desperdiçados equivale à superfície do México e consome 28 milhões de toneladas de fertilizantes. Porém, os motivos deste desperdício de recursos são muito diversos, e vão desde a ineficiência no armazenamento nas propriedades rurais e durante o transporte para os mercados, até a confusão dos consumidores sobre o que fazer com os alimentos considerados “velhos”.
As novas conclusões coincidem com a divulgação de estatísticas surpreendentes sobre o alcance da fome no mundo. Segundo uma série de estudos divulgados no dia 6, na revista médica britânica The Lancet, a desnutrição responde por cerca de 45% de todas as mortes de menores de cinco anos, muito mais do que a proporção de aproximadamente um terço que se acreditava antes.
“Em boa parte, o alcance deste desperdício de alimentos é um fracasso da tecnologia. Por exemplo, na África há agricultores que ainda não têm eletricidade para armazenagem a frio”, disse à IPS Craig Hanson, coautor do documento de trabalho do WRI. “Por um lado, podemos dizer que há muitas maneiras de baixar custos em que os doadores podem ajudar. Porém, também temos que reconhecer que a pesquisa agrícola sobre assuntos posteriores à colheita é diminuta, de apenas 5% dos investimentos totais. Esse é um grande desequilíbrio”, acrescentou.
Hanson disse que embora os doadores e filantropos possam duplicar esse número, chegando a apenas 10% de todos os investimentos agrícolas, “se obterá um ganho enorme nas calorias disponíveis para a população”. Em vista disso, os níveis de desperdício de alimentos parecem ser amplamente semelhantes entre os países industrializados e os que estão em desenvolvimento. Cerca de 56% do desperdício total ocorre nas nações ricas e aproximadamente 44% nos países pobres.
Na verdade, a Ásia meridional e do sudeste respondem por quase um quarto de todo o desperdício mundial de alimentos, enquanto os países da parte industrial do continente são responsáveis por outros 28%. De todo modo, esses números escondem discrepâncias muito maiores por pessoa, particularmente em relação à América do Norte. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, estima que o país só desperdiça cerca de 40% de seu fornecimento de alimentos.
A maioria das regiões do mundo desperdiça entre 400 mil (Ásia meridional e sudeste asiático) e 750 mil calorias (Europa) por pessoa a cada dia, segundo o novo estudo. Entretanto, na América do Norte esse número dispara para mais de 1,5 milhão, com base em estatísticas de 2011. Segundo os atuais padrões internacionais, um adulto ativo necessita de 2.200 a três mil calorias diárias.
“As grandes deficiências sugerem grandes oportunidades de economia”, afirma o documento. “Reduzir a perda e o desperdício de alimentos pode ser uma das principais estratégias mundiais para conseguir um futuro alimentar sustentável”. Naturalmente, o fantasma que paira sobre este assunto são os cerca de dez bilhões de habitantes que o planeta terá até 2050, e os 60% a mais de calorias que se estima serão necessárias para alimentá-los, tomando por base os níveis de 2006.
A simples redução pela metade do atual desperdício de alimentos até 2050 permitirá evitar cerca de 22% dessa escassez projetada, segundo o estudo. De todo modo, a culpa parece recair sobre produtores, transportadores e consumidores, responsabilizados por 35% de todo o desperdício de alimentos. Para especialistas, estas características abrem importantes oportunidades para realizar campanhas dirigidas às mulheres, que em todo o mundo são as principais responsáveis pela tomada de decisões relativas à agricultura e à família.
“As mulheres produzem, processam, cozinham e distribuem alimentos, por isso ajudá-las a encontrar maneiras de reduzir o desperdício e a perda de alimentos no campo, no armazenamento, no plano do consumidor e em casa é fundamental”, disse Danielle Nierenberg, cofundadora do grupo de especialistas Food Tank, à IPS. “Quanto mais acesso elas tiverem a recursos, educação e infraestrutura, mais poderão prevenir perdas e desperdícios, o que não beneficiará apenas suas famílias, mas também sua renda e o meio ambiente”, afirmou.
Nos Estados Unidos, o desperdício de alimentos aumentou 50% nas quatro últimas décadas. No dia 4, as principais agências de meio ambiente e agricultura do país anunciaram uma importante iniciativa que busca educar consumidores e empresas sobre a escala que alcança o problema do desperdício de alimentos em seu território. A União Europeia foi mais longe, fixando o objetivo de reduzir esse desperdício pela metade até 2020, o que é muito otimista (falta cada país do bloco calcular como implantá-lo) mas, segundo Hanson, as empresas europeias expressaram um significativo entusiasmo a respeito.
“As metas conseguem coisas surpreendentes”, observou Hanson. “A atual conscientização é o primeiro passo. Penso que ainda devemos chegar a que uma grande quantidade de pessoas se deem conta de que temos um problema real. Porém, o próximo passo terá de ser fixar uma meta, que, mesmo sendo voluntária, não deixa de ser um bom começo”, opinou.
Com a recente publicação de um informe por parte de um painel designado pela Organização das Nações Unidas (ONU), os debates sobre a próxima fase dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio agora ganham uma forma concreta. Uma das metas propostas no documento incluirá reduzir “a perda e o desperdício pós-colheita” em certa porcentagem, que ainda deve ser acordada. Hanson sugeriu 50% para esse objetivo.
Hanson e seus colegas também pediram um protocolo internacional que ofereça uma metodologia padrão para que países e empresas de todo o mundo determinem quanto alimento desperdiçam e aonde. “Creio firmemente na ideia de que o que se pode medir pode ser abordado”, argumentou. “Com a perda e o desperdício de alimentos agora tem que ocorrer o mesmo que vimos em relação à mudança climática e às emissões contaminantes há uma década. Não começaremos a manejar isto enquanto não soubermos o quanto e onde estamos perdendo”, ressaltou