• 27 de agosto de 2012
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Há vinte anos, o mundo olhava atento para o Rio de Janeiro. Com a Eco 92, veio a consagração do conceito de desenvolvimento sustentável e ampla divulgação do tema. Em junho último, a capital fluminense sediou novamente um debate mundial sobre sustentabilidade: a Rio +20. Porém, a

Agência Fapesp – A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) mobilizou a comunidade científica e foi palco de discussões que revelaram avanços sem precedentes no conhecimento sobre os limites do planeta – conceito indispensável para determinar uma agenda dedicada à sustentabilidade global.

No entanto, nada disso se refletiu no documento final da Conferência, intitulado O Futuro que Queremos, que teve até mesmo o termo “ciência” cortado do único tópico onde aparecia com destaque, de acordo com cientistas reunidos no dia 23 de agosto no 2º Workshop Conjunto Biota-Bioen-Mudanças Climáticas: o Futuro que não Queremos – uma Reflexão sobre a Rio+20.

O evento, realizado na sede da Fapesp, reuniu pesquisadores envolvidos com os três grandes programas da Fapesp sobre temas relacionados ao meio ambiente – biodiversidade (Biota-Fapesp), bioenergia (Bioen) e mudanças climáticas globais (PFPMCG) – com a finalidade de fazer uma avaliação crítica dos resultados da Rio+20, especialmente no que diz respeito às perspectivas de participação da comunidade científica nas discussões internacionais nos próximos anos.

De acordo com Carlos Alfredo Joly, coordenador do Programa Biota-Fapesp, a comunidade científica brasileira e internacional se mobilizou intensamente durante a Rio+20 e chegou à Conferência preparada para fornecer subsídios capazes de influenciar a agenda de implementação do desenvolvimento sustentável.

“Nada disso se refletiu na declaração final. Chegou-se a um documento genérico, que não determina metas e prazos e não estabelece uma agenda de transição para uma economia mais verde ou uma sustentabilidade maior da economia”, disse Joly à Agência Fapesp.

A maior esperança dos cientistas para que a Conferência tivesse um resultado concreto, de acordo com Joly, era que o texto final reconhecesse, já em sua introdução, o conceito de limites planetários, proposto em 2009 por Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo. A expectativa, porém, foi frustrada.

“De 1992 até hoje, tivemos um grande avanço no conhecimento em relação aos limites planetários e o trabalho de Rockström já se tornou um clássico. Destacar isso no texto final poderia contribuir para uma mudança de paradigmas que definiria uma nova trajetória para o planeta. Mas isso não foi feito”, disse.

Rockström, do Stockholm Resilience Centre Planetary, participou do workshop por meio de videoconferência, e apresentou palestra com o título Planetary Boundaries are Valuable for Policy.

O fato do avanço do conhecimento científico não estar refletido no documento, entretanto, não deve ser usado como argumento para desestimular a comunidade científica que trabalha nessa área ambiental, segundo Joly.

“Para nós que trabalhamos com a biodiversidade, a prioridade agora volta a ser a discussão sobre o veto às mudanças no Código Florestal, uma questão que ainda está em aberto”, disse.

O tema da biodiversidade, segundo Joly, recebeu muito pouca atenção no documento final da Rio+20, embora seja uma das áreas em que os limites planetários de segurança já foram extrapolados.

“Praticamente todas as referências a uma agenda para a biodiversidade foram cortadas do texto. O documento zero, que foi o ponto de partida para a declaração, tinha seis parágrafos sobre a biodiversidade nos oceanos, com metas e agenda, por exemplo. No texto final, são 19 parágrafos, mas nenhum deles estabelece metas ou agenda”, afirmou Joly.

Conteúdo vago

Paulo Artaxo, membro da coordenação do PFPMCG, destacou que as menções à questão das mudanças climáticas também foram quase nulas. “O texto final da Rio+20 tem 53 páginas, divididas em 283 tópicos. Desse total, apenas três tópicos mencionam a questão do clima. Para se ter uma ideia, há seis tópicos sobre igualdade de gênero e dez sobre lixo químico – que são temas importantes, mas não envolvem a mesma escala e urgência do problema do clima”, disse

Além da escassez, o conteúdo das menções à questão do clima é muito vago, segundo Artaxo. “O texto se limita a afirmar que as mudanças climáticas estão entre os maiores desafios do nosso tempo e que o tema gera preocupação, por exemplo”, disse.

Para o pesquisador, no entanto, seria ingenuidade acreditar que a Conferência poderia trazer soluções imediatas para a questão da sustentabilidade global. A oportunidade perdida na Conferência foi a de contribuir para acelerar as decisões necessárias.

“O problema é enorme e envolve todo o sistema de produção que roda a economia e a política de todo o nosso planeta. Uma questão desse porte não pode ser resolvida em uma única reunião, ou mesmo em uma década. O equacionamento vai demorar pelo menos mais dez anos – o nosso problema é que não temos todo esse tempo”, disse.

Para Artaxo, a Rio+20 evidenciou que o mundo se ressente da falta de governança para lidar com a questão do clima global. “Não temos entidades que possam implementar políticas globais com impacto importante na economia do planeta para enfrentar os desafios do clima. Se é difícil reduzir emissões de CO2, poderíamos tentar reduzir as emissões de metano e ozônio, por exemplo. Mas isto exige um sistema de governança que a Rio+20 mostrou claramente não existir”, afirmou.

Fábio Feldman, do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, apontou que a falta de liderança pode ter comprometido os resultados da Rio+20. Segundo ele, a Rio 92 (ou Eco-92), por exemplo, obteve mais sucesso porque na época o interlocutor brasileiro com os chefes de Estado foi o físico José Goldemberg.

“Se perguntarmos aos diplomatas brasileiros, dirão que a Rio+20 foi um grande sucesso, porque para eles o importante era chegar a um documento final, mesmo que inócuo. O fato do professor Goldemberg não ser um diplomata foi um fator importante para o sucesso da Eco-92”, afirmou.

Feldman afirmou que, apesar de tudo, fora da reunião de alto nível, a Rio+20 contou com iniciativas importantes, como a participação ativa do setor empresarial e a mobilização da comunidade científica para criar o programa Future of Earth.

Alice Abreu, coordenadora da Iniciativa Rio+20 do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), fez um balanço das atividades do Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development – o principal evento científico realizado em paralelo à conferência.

“O evento teve mais de mil participantes, além de outros mil que acompanharam pela internet. Foram 11 sessões temáticas, onde 110 cientistas de 75 países discutiram temas centrais para o desenvolvimento sustentável. Houve ainda 24 eventos paralelos que congregaram cerca de cem palestrantes. Tivemos duas sessões de política científica e a sessão de encerramento foi um diálogo de alto nível entre representantes da ciência e da política”, contou.

O fórum foi o palco do lançamento da Future Earth, uma iniciativa internacional de pesquisa interdisciplinar do sistema terrestre para a sustentabilidade global.

“O objetivo é prover, nos próximos dez anos, o conhecimento necessário para que as sociedades possam enfrentar os riscos das mudanças ambientais e desenvolver transições adequadas para uma sustentabilidade global”, disse.

Segundo Abreu, além da iniciativa concreta do programa Future Earth, o Fórum contou com debates entre os cientistas, que geraram recomendações importantes para a agenda mundial da sustentabilidade global.

“Duas recomendações foram centrais: uma maior colaboração entre as ciências naturais e as ciências sociais – tema debatido em praticamente todas as sessões – e uma política científica mais integrada com outros atores, de forma a estabelecer um novo contrato entre ciência e sociedade”, afirmou.

Empresas contempladas