A cooperação entre organizações ligadas ao meio ambiente em todo o mundo tem sido um dos trunfos contra o crescente tráfico internacional de animais silvestres. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), reconhecido como autoridade científica, se integra a essa iniciativa atuando conforme o protocolo da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites).
A Cites acompanha o comércio envolvendo espécies da fauna e da flora, servindo como alerta diante do perigo de extinção, quando a ameaça tiver origem no mercado internacional. Como é uma rede adotada em todo o mundo, a Cites funciona como controladora desse comércio.
No Ibama, cabe à Coordenação-Geral de Gestão e Monitoramento do Uso da Fauna e da Biodiversidade Aquática (CGFau), como autoridade científica, e à Coordenação-Geral de Projetos de Recuperação Ambiental e Comércio Exterior (CGRec), a análise dos processos de entrada e saída da biodiversidade do país, independentemente de ser exótica ou nativa, e a posterior concessão de eventuais autorizações.
O objetivo maior é o resgate de animais, tanto do tráfico quanto os que são apreendidos, e encaminhá-los aos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). “Reabilitá-los e, se possível, devolvê-los à natureza é nossa principal responsabilidade.”, resume a coordenadora-geral do CGFau, Gracicleide dos Santos Braga.
A Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro) é quem tem a competência dentro do Ibama para executar as ações de fiscalização e combate ao tráfico de animais silvestres, mas cabe à Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFlo), através da CGFau e da CGRec, gerenciar a movimentação de animais silvestres. É responsabilidade dessas Coordenações, no âmbito do Ibama, autorizar a entrada ou a saída de biodiversidade do país.
Assim, com base no que é comercializado e transportado, se tem um diagnóstico a respeito de espécies que estão em perigo de extinção, que tipo de animal é mais negociado e até mesmo os que entram na chamada “lista vermelha” – que indica que estão sendo muito comercializados.
“Considerando as diversas legislações dos países, constata-se que, em algumas nações, pode se vender toda sorte de espécies da fauna. Já o Brasil é muito restritivo com suas espécies nativas.”, afirma a coordenadora.
O tráfico é um negócio lucrativo, que movimenta em torno de US$ 2 bilhões por ano, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), uma Organização Social Civil de Interesse Público (OSCIP). Os números, segundo a entidade, são alarmantes: em torno de 38 milhões de animais silvestres são retirados ilegalmente da natureza todos os anos.
Assim, sempre que um espécime nacional, mesmo que não seja ameaçado de extinção no Brasil, sair de um certo país para outro, o Ibama é notificado para saber se foi retirado do Brasil legalmente, se tem origem legal. Isso porque o Instituto incorporou em seus procedimentos as orientações da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies para avaliar e emitir Licenças de exportação/importação. Quando há a notificação – todo o animal que é transportado passa pela autoridade Cites nas aduanas –, o Instituto vai atrás do histórico do animal.
Resgate internacional
Quando não há origem legal, o Ibama resgata e repatria, como ocorreu em fevereiro passado com os 17 micos-leões-dourados e 12 araras-azuis-de-lear, que estavam no Togo, na África. Pelo fato de os animais estarem muito debilitados, o Instituto enviou, em caráter emergencial, duas médicas veterinárias e outros analistas ambientais para ajudar no trabalho de resgate. Os animais chegaram ao Brasil e foram para unidades de cuidados em estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Gracileide destaca que o protocolo é não devolver imediatamente o animal à natureza. Se for uma ave o animal resgatado que retorna ao país, em virtude da emergência da crise aviária – mais de 50 casos registrados, principalmente em aves silvestres –, o Ibama segue um protocolo assinado com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que exige que os animais sejam submetidos a uma quarentena na Estação Quarentenária de Cananéia, em São Paulo.
Já os primatas foram para o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, que atua na manutenção e reprodução, bem como eventual reintrodução na natureza das espécies da Mata Atlântica. Vinculado ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), é a primeira instituição nacional voltada prioritariamente para a conservação – criação para fins de pesquisa e conservação da espécie – dos primatas brasileiros.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, lembrou que tanto os micos-leões quanto as araras-azuis são espécies que quase estiveram extintas, mas que foram recuperadas por projetos importantes de conservação. “Nós não podemos colocar esse trabalho a perder em função do tráfico.”, disse.
Cetas
Embora trabalhe com vários projetos de conservação em parceria com instituições de pesquisa e de conservação da fauna, o Ibama tem como seu principal foco as próprias ações de conservação e de reintrodução de fauna silvestre, que se dão nos Cetas (com 24 unidades no Brasil), subordinados às Superintendências estaduais, mas tecnicamente coordenados em rede nacional pela CGFau.
Nos Cetas é reabilitada toda a fauna silvestre objeto de tráfico, de apreensão, de entrega voluntária, em cativeiro irregular e até oriunda de abandono. Embora seja um organismo federal, o Ibama recebe nos Cetas fauna silvestre resgatada por polícias ambientais e órgãos nos estados e municípios, muitas vezes animais doentes, debilitados ou com deficiências em partes do corpo.
Ali define-se, de acordo com a condição do animal, se será reabilitado e devolvido à natureza ou, se isso significar risco à sua sobrevivência, será encaminhado a zoológicos ou mantenedores conservacionistas de fauna, como o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, no município de Guapimirim, único do mundo dedicado à conservação da fauna primatológica.
É o caso do mico-leão-dourado, primata endêmico (nativo) que esteve ameaçado de extinção no Brasil. Se um espécime for resgatado do tráfico, será encaminhado para lá. Especialistas em primatas, os profissionais do Centro fazem os testes genéticos, tratam e reabilitam os animais.
PQA e Conservação
Uma terceira linha de atuação da CGFau são as iniciativas institucionais de conservação, cuja ação mais conhecida é Programa Quelônios da Amazônia (PQA), em que são reintroduzidas na natureza principalmente as espécies tartaruga-da-amazônia, iaçá, cabeçudo, muçuã, irapuca e tracajá.
Desde a sua criação, em 1979, PQA manejou mais de 100 milhões de filhotes de quelônios. Por conta disso, o Brasil é reconhecido hoje como o único país da América do Sul a ainda possuir estoques significativos de quelônios passíveis de recuperação e viáveis para programas de uso sustentável.
Está em andamento também um estudo para o regramento do uso das nadadeiras e barbatanas de tubarão – proibindo a prática do finning, que consiste na retirada da barbatana e a devolução ao mar do animal ainda vivo, porém mutilado e sem chances de sobrevivência – e do manejo de pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, uma espécie sob ameaça em alguns lugares do país e, em outras, considerado invasor, revela ainda a coordenadora-geral.
SisPass e Simaf
A CGFau também regra e controla, dentro das competências federais, o uso da fauna exótica e nativa, conforme o Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros (SisPass), a qual estão submetidos os criadores amadores de pássaros canoros, como bicudo, canário da terra, trinca-ferro e curió. O Sistema, que é antigo, está sendo reformulado, informa Gracicleide Braga, ouvindo inclusive os criadores – cerca de 500 mil pessoas –, visando dar maior segurança para o usuário.
Essa reformulação iniciará com o uso do Certificado Digital para acesso e representa um grande avanço para o combate às fraudes que levam ao tráfico, bem como representa o compromisso do Ibama com os criadores amadores que serão protegidos de tais fraudes.
Outro programa sob controle da CGFau é o Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf), focado em espécies exóticas invasoras, que representem ameaças ao meio ambiente, com prejuízos à biodiversidade e aos ecossistemas naturais, além dos riscos à saúde humana. O Simaf gerencia, entre outras ações, o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali.