Indígenas em 80,5% das cidades brasileiras
Além de ter praticamente triplicado, entre 1991 e 2010, a população indígena no Brasil, que estava presente em 34,5% dos municípios há cerca de 20 anos, agora vive em 80,5% das cidades. São 817 mil pessoas, que representam 0,4% dos brasileiros.
Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) às vésperas do Dia do Índio, comemorado hoje (19), podem ser explicados por dois motivos, na avaliação de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionários (Cimi). Ele aponta uma alta taxa de fecundidade entre os indígenas que chega a ser o dobro da média do País - de menos de dois filhos por mulher -, e um cenário favorável para a autodeclaração, que é a forma como o IBGE colheu a informação relacionada à raça durante as entrevistas do Censo 2010.
"A partir da Constituição Federal de 1988, que proporcionou a esses indivíduos um ambiente menos hostil, reconhecendo sua língua, cultura e tradições, eles puderam afirmar sua identidade étnica. Por outro lado, a demarcação de terras indígenas, também provocada por direitos previstos na Carta Magna, criou um ambiente econômico e cultural favorável ao aumento da taxa de natalidade", explica Buzzato.
Hoje há mais indígenas na zona rural (502 mil) que em áreas urbanas (315 mil). "A mudança na autodeclaração é uma hipótese bem plausível. A gente percebe que houve ligeira redução de indígenas na área urbana, enquanto na zona rural houve significativo aumento. Nas zonas rurais, as mulheres ainda têm alta taxa de fecundidade", diz a pesquisadora do IBGE, Nilza Pereira.
O Nordeste é a região que mais sentiu a presença dos indígenas nas últimas décadas. Lá, havia somente 29% dos municípios com pelo menos um índio autodeclarado em 1991. No Censo de 2010 essa proporção atingiu 78,9%. Eles estão sobretudo na área urbana, provavelmente por terem migrado de estados como Rio de Janeiro e São Paulo, que tiveram perdas significativas de indígenas nos últimos 20 anos.
O Norte, por sua vez, continua liderando em população indígena, presente em 90,2% de seus municípios. A cidade com a maior proporção é Uiramutã, em Roraima, onde 88,1% dos moradores se autodeclararam índios. Na segunda colocação, está Marcação (PB), com índice de 77,5%. São Gabriel da Cachoeira (AM) tem 76,6%, precedida no ranking por Baía da Traição (PB), com 71% de indígenas. Em quinto lugar vem São João das Missões (MG), que tem 67,7% da população formada por indígenas. Não foram considerados pelo IBGE índios que vivem isolados, conforme política adotada pelo governo de não fazer contato com esses grupos. Dados mais detalhados sobre os 817 mil indígenas brasileiros deverão ser divulgados pelo órgão em julho deste ano.
Reconhecimento tardio - O ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e antropólogo da Universidade Federal Fluminense Mércio Pereira Gomes lembra que nos últimos dez anos alguns grupos sociais no Norte e Nordeste se reconheceram como indígenas. "Como sociedades negras que depois se declararam quilombolas, havia grupos sociais que nem falavam mais a língua indígena e depois se reconheceram como etnia indígena. Isso ocorreu com os boraris, em Altamira, os anacés, em Fortaleza, e os tabajaras, na Paraíba."
O coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Pró-Índio) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, José Ribamar Bessa, chama a atenção para a necessidade de políticas públicas para o indígena que vive em zona urbana. "Nós somos adestrados a não perceber essa população. A gente acha que quem sai da aldeia deixa de ser índio. E não é assim. O alemão que mora no Brasil não vira brasileiro. As cidades são o cemitério das línguas indígenas", critica.
Escolas indígenas - O governo de São Paulo anunciou três novas escolas estaduais indígenas. As novas unidades serão construídas em tribos guarani e tupi-guarani em Itanhaém, Praia Grande e Peruíbe, no litoral, para atender 77 indígenas. O estado ainda não tem o cronograma das obras. Os prédios melhorarão o atendimento já feito. Em duas aldeias (Tangará e Nhamandu Mirim), as construções vão substituir salas que eram vinculadas a outras escolas. Na Tekoá Mirim, o prédio vai acolher 25 alunos que assistiam a aulas em uma unidade improvisada. São Paulo tem 31 escolas indígenas, com material bilíngue e aulas dadas por indígenas.