Relatório anual sobre panorama energético global mostra que apenas 40% dos cortes de emissão necessários para estabilizar o clima podem ser feitos com tecnologia disponível
A IEA (Agência Internacional de Energia) deu nesta quarta-feira (13) mais um choque no otimismo climático reinante em alguns países. Em seu relatório anual World Energy Outlook (Panorama Energético Global), a organização afirma que mesmo com todas as promessas de vários países de zerar emissões líquidas de carbono em 2050, o mundo ainda não está nem perto de atingir o objetivo do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC.
Segundo a agência, as políticas que já estão na mesa dão conta de apenas 20% das 14 bilhões de toneladas de CO2 que precisam ser cortadas até 2030 para dar ao mundo a chance de atingir a meta de Paris. As promessas recentes, algumas delas anunciadas na cúpula de líderes organizada por Joe Biden em abril, avançam bem mais no sentido correto. Mas mesmo assim elas só cumprem 40% das reduções necessárias.
Pior ainda: a tal “recuperação em V”, como a que o ministro Paulo Guedes promete toda semana para a economia brasileira, aconteceu, mas no pior lugar possível: a demanda por petróleo. A retomada econômica no quase-pós-pandemia está causando pressão sobre o preço do óleo e aumentando rapidamente o seu uso, juntamente com o do carvão mineral, o que deve fazer com que 2021 tenha o segundo maior crescimento percentual em emissões de gases-estufa da história. Isso atrapalha as renováveis, ao mesmo tempo em que acelera o aquecimento da Terra.
Para que a humanidade tenha alguma chance de cumprir a meta do 1,5oC, o investimento em renováveis, eficiência energética e infraestrutura limpa precisará ser escalado, e a um ritmo alucinante: do atual US$ 1 trilhão para US$ 3,3 trilhões em 2030.
Será necessário investir maciçamente em quatro eixos: eletrificação maciça, eficiência energética (com um declínio anual de 4% das emissões por dólar gerado no PIB), um corte radical das emissões de metano (um gás estufa 28 vezes mais poderoso que o CO2) na produção de óleo e gás e – respire fundo, leitora – um impulso inédito na inovação energética. Afinal, das 14 bilhões de toneladas de CO2 que precisamos retirar das nossas emissões anuais em 2030, apenas 40% (6 bilhões) podem ser abatidas com tecnologias existentes hoje. O resto (8 bilhões de toneladas) ainda precisa vir de tecnologias que “estão em fase de protótipo ou de demonstração”, afirma o relatório.
Em maio, a IEA já havia soado o alarme para a humanidade ao publicar um estudo pioneiro mostrando que só existe um cenário possível para estabilizar o clima. Ele envolve não conceder nenhuma licença nova para a exploração de petróleo e carvão mineral a partir de 2021 no mundo todo. Esse cenário, o chamado NZE (“emissões líquidas zero”, na sigla em inglês), foi comparado no World Energy Outlook a dois outros: o das políticas existentes atualmente – ou seja, as NDCs (compromissos nacionais no Acordo de Paris) que já estão sobre a mesa – e o das promessas mais recentes.
A má notícia é que, mesmo com os celebrados compromissos de zerar emissões líquidas em 2050 feitos por EUA, União Europeia, Japão e Canadá, o mundo ainda deve esquentar na melhor das hipóteses 2,1oC neste século – as políticas atuais nos levam a pelo menos 2,6oC.
A boa notícia é que a IEA parece ter descartado em definitivo em suas projeções o chamado BAU (Business-as-Usual), cenário no qual os países não agem para controlar emissões. O Relatório agora compara diferentes níveis de ambição com o cenário ideal, e não mais com o pior cenário. “Ao tornar o cenário de 1.5oC a referência para o World Energy Outlook deste ano, a IEA desafia os governos e as empresas a atuar imediatamente em cima de promessas insuficientes de Paris para deslocar o sistema energético dos combustíveis fósseis”, afirmou David Tong, da Oil Change International.
A questão é se vai dar tempo. “As metas climáticas anunciadas mexem no ponteiro, mas atingi-las totalmente e em tempo hábil não é algo que se possa dar por certo”, afirma o relatório da IEA.