Texto resultante de acordo entre ruralistas, indústria e Meio Ambiente isenta propriedades rurais e chuta para a frente questão dos critérios geográficos para rigor na licença; ambientalistas veem risco de projeto virar moeda de troca em nova denúncia de Janot contra Michel Temer
O seriado do licenciamento ambiental se aproxima da última temporada: a décima terceira versão do projeto de lei será levada a votação no plenário da Câmara, em regime de urgência, após ser retirada de pauta de uma comissão nesta quarta-feira (13). A boa notícia é que, pelo menos por enquanto, parece enterrado o espectro do “licenciamento flex”, no qual Estados e municípios decidiriam à vontade sobre o grau de rigor nas licenças, criando uma guerra para ver quem afrouxaria mais.
A má notícia é que acabaram as boas.
O pedido de retirada do texto da CFT (Comissão de Finanças e Tributação) foi feito pelo próprio relator, o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), que na véspera negara que houvesse acordo com o governo para a votação diretamente no plenário. A versão do projeto a ser votada é resultante de um entendimento entre a Frente Parlamentar da Agropecuária, a Confederação Nacional da Indústria e o Ministério do Meio Ambiente. Ela resolve cinco dos seis pontos críticos destacados pela presidente do Ibama, Suely Araújo, na última versão, mas cede em um ponto considerado inegociável pelos ambientalistas e mantém outros trechos que poderão levar a nova lei a questionamentos na Justiça.
A área ambiental conseguiu duas vitórias importantes na negociação. A primeira foi reinserir no projeto a chamada questão locacional, ou seja, a definição do grau de rigor do licenciamento segundo critérios geográficos e o tipo de empreendimento. Uma hidrelétrica na Amazônia e um posto de gasolina na urbanizada Osasco passariam a ter ritos diferentes, com menor rigor para este último.
Essa era a espinha dorsal do projeto de licenciamento do deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP), que serviu de base ao texto costurado por Araújo e pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho – e torpedeado por Eliseu Padilha (PMDB-RS), da Casa Civil, em favor do “licenciamento flex” de Pereira.
Diante da impossibilidade de consenso em torno desse ponto após mais de um ano de discussão, o tema foi resolvido conforme a praxe na administração pública: chutando o problema para a frente. Uma comissão formada por governo federal, Estados e municípios vai sugerir um conjunto de regras para a questão locacional, a ser convertido em decreto presidencial em algum momento no futuro. Até lá, o Ibama deve criar uma regra interna provisória para orientar os técnicos do licenciamento.
A segunda vitória foi que os órgãos gestores de unidades de conservação, como o Instituto Chico Mendes, voltarão a ter poder de veto sobre empreendimentos que afetem áreas protegidas. Ruralistas e indústria vinham tentando retirar esse poder, o que abriria a possibilidade de mineração descontrolada em unidades de conservação de uso sustentável – como várias que existem na área da polêmica Renca, a reserva de cobre extinta por Michel Temer no mês passado e que botou virtualmente o país inteiro contra o governo.
Entre as derrotas para o ambiente está a isenção de licenciamento ambiental para propriedades rurais, que era o grande objetivo dos ruralistas. Ela foi ampliada no novo texto e passará a incluir propriedades “em regularização” pelo novo Código Florestal. Na prática, isso significa que, mesmo que um fazendeiro tenha desmatado ilegalmente, basta ele se inscrever no Cadastro Ambiental Rural para sua área ser considerada “em regularização”. Até mesmo grileiros de terra têm usado esse expediente para obter títulos de posse. Isso deve dificultar a fiscalização ambiental na Amazônia, já que o Ibama tem usado a ausência de licença para embargar propriedades com crime ambiental.
“É como se alguém dissesse que vai te matar e depois você ache que está no lucro por ser apenas roubado, sequestrado e espancado”, compara Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
Outro ponto problemático diz respeito a indígenas e ao patrimônio cultural. A Funai será meramente consultada, mas sem poder de veto, quando houver terra indígena “delimitada” na área de influência da obra; o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), apenas quando houver bens culturais tombados na área de influência – o que exclui, por exemplo, sítios arqueológicos recém-descobertos e imóveis antigos sem tombamento. Esse artigo deverá ser questionado na Justiça.
MOEDA DE TROCA
A votação do licenciamento em plenário não é uma manobra isenta de riscos.
Ao longo deste ano, pactos têm sido feitos e desfeitos entre governo e parlamentares em torno da tramitação do projeto. Quando Temer precisou dos ruralistas para se safar da denúncia de corrupção na Câmara, não hesitou em rifar um acordo que havia sido feito para levar o texto do MMA a plenário – o que acabou não acontecendo.
No final de agosto, mais uma costura foi realizada entre Sarney Filho, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o líder da bancada ruralista, Nílson Leitão (PSDB-MT), e o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli. O trato previa que o texto de consenso seria votado diretamente no plenário, sem destaques, com Trípoli e Mauro Pereira dividindo a relatoria. O presidente da CFT, Covatti Filho (PP-RS), porém, bateu o pé para votar o texto na comissão antes. Na quarta-feira, citando o acordo, Pereira pediu a retirada de pauta.
O movimento agradou a Trípoli, que ficou de levar o tema ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para pautar a votação já para a semana que vem. “Espero que o agronegócio mantenha o acordo”, disse. Ele reconheceu, porém, que dificilmente o texto passará pelos deputados sem emendas. No entanto, ameaçou apresentar seu projeto original – muito mais pró-ambiente – caso os ruralistas engrossem o caldo.
Para Astrini, do Greenpeace, a ida do texto ao plenário pode abrir a porteira para a destruição do projeto. Ele lembra que nos próximos dias (ou horas) será apresentada uma nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer. Para se safar mais uma vez de ser investigado por corrupção, o presidente precisará dos votos dos ruralistas, e o licenciamento dá a estes uma moeda de troca poderosa.
“O licenciamento corre mais risco do que nunca”, disse Astrini. “Querem pular toda e qualquer possibilidade de debate para votar de forma expressa no plenário, deixando o tema ainda mais pronto para entrar no balcão das trocas de favores políticas.” A pressão, segundo ele, estará agora sobre Rodrigo Maia, para cumprir o que prometeu na terça-feira em reunião com artistas, indígenas e ambientalistas.
Na ocasião, Maia afirmou que “não haverá nenhuma votação de licenciamento ambiental que não passe por um acordo entre o Meio Ambiente e os outros ministérios”, disse. “Se tiver acordo, ótimo, se não tiver a gente não pauta.”