Liderança “verde” do Brasil cética com a Rio+20
Rio de Janeiro, Brasil, 11/6/2012 – A agenda para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontece este mês no Brasil, ainda carece de prioridades e seus resultados podem ficar sepultados diante das urgências da crise econômica global, afirmou a ex-ministra brasileira de Meio Ambiente (2003-2009), Marina Silva. O documento final da Rio+20 continua sendo “fraco e geral” e não contém contribuições que superem o que foi feito nos últimos 20 anos, desde a Cúpula da Terra de 1992, opinou Marina em entrevista a jornalistas de meios internacionais.
“A discussão sobre economia verde, desenvolvimento social e governança perdeu força, por isso qualquer acordo geral, que não tenha uma atitude crítica e não incorpore instrumentos para enfrentar a deterioração do planeta, atentará contra a memória da cúpula de 1992”, criticou a ex-ministra, que também foi candidata a presidente pelo Partido Verde. Após obter 20 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010, Marina criou o não governamental Instituto Democracia e Sustentabilidade, o qual representará na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, que acontecerá entre 15 e 23 deste mês, paralela à reunião oficial organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para Marina, a linha de trabalho para a Rio+20, que em nível de chefes de Estado e de governo acontecerá entre os dias 20 e 22, continua com um grave problema de origem, que é aparecerem separadas ecologia e economia, quando deveriam estar integradas. “A União Europeia atende prioritariamente a crise econômica que a afeta, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fracassou em sua tentativa de avançar em uma agenda de clima e biodiversidade, e a China não se mobiliza e não assume compromissos”, declarou.
Apesar de cientistas de todo o mundo alertarem para os graves problemas que a humanidade enfrentará se não for detida a deterioração ambiental, os governos não incorporam em suas agendas propostas de solução ou mudança de rumo, alertou Marina. “O mundo enfrenta uma crise dramática, que se constitui de múltiplas crises: econômica, política, ambiental e de valores”, ressaltou.
A última fase de negociação prévia à Rio+20 será completada no dia 13 no Rio de Janeiro. Perante esta instância, a atual ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, contrapôs o pessimismo de Marina Silva ao afirmar que as notícias “são bastante promissoras” para o documento base do encontro. Admitiu que se está diante de um desafio importante, que é obter um consenso que exige compromissos e convergências dos governos. “Temos que facilitar e permitir que todos façam sua parte e que se sintam comprometidos com as diretrizes e os resultados da Rio+20”, afirmou à IPS.
A ministra entende que as negociações iniciadas em Nova York tiveram “avanços importantes”, por isso acredita que o legado da Rio+20 será mais amplo do que o da cúpula de duas décadas atrás, a Eco 92, e refletirá plenamente o conceito de sustentabilidade. Contudo, também reconheceu que devem ser discutidos “novos modelos econômicos ou não conseguiremos fazer a mudança para um desenvolvimento sustentável”.
Por sua vez, Marina Silva afirmou que o Brasil, como anfitrião da Rio+20, reúne as condições para fazer esse rompimento do modelo do Século 20 e atuar como ponte negociadora na busca de compromissos. “É muito importante que o Brasil assuma um papel de liderança para mediar saídas com propostas efetivas para este encontro, sob pena de acabar com a memória da Eco 92”, alertou. Em tom de crítica sobre a gestão da presidente Dilma Rousseff, Marina destacou que espera que sejam corrigidos os rumos de seu governo, para encabeçar uma “nova agenda de economia e desenvolvimento sustentável”.
O Brasil ainda não pode se considerar uma potência socioambiental, apesar de possuir 11% das reservas de água doce do mundo, 20% das espécies vivas, 60% de seu território coberto por florestas, 280 povos autóctones que falam cerca de 120 línguas diferentes além do português, enfatizou Marina. “Isto não nos transforma em uma potência ambiental por natureza, é preciso consegui-lo com atitudes políticas eficazes. Nossa agricultura tem condições para ter uma base sustentável, e não podemos repetir os mesmos equívocos cometidos pelos países industrializados”, indicou.
A aprovação do polêmico Código Florestal mostrou um retrocesso na política ambiental brasileira e coloca em discussão a liderança do governo quanto a levar adiante uma economia sustentável, advertiu Marina. “Vivemos um momento de dúvidas. Parece que podemos retroceder para uma economia semelhante à do século passado. No entanto, é possível ainda reduzir a pobreza, ter crescimento econômico e diminuir as emissões com menos devastação”, apontou.
Às vésperas da Rio+20, o Brasil passa por um desmonte de sua legislação ambiental, especialmente do Código Florestal, que segue adiante apesar de 80% dos entrevistados em diferentes pesquisas afirmarem não concordar com as mudanças realizadas. “O Brasil não precisa desmatar para se manter como um grande produtor de grãos, pois podemos duplicar a produção agrícola sem derrubar uma só árvore”, esclareceu Marina. “Temos tecnologia e conhecimento sem que seja necessário expandir a fronteira agrícola. Podemos produzir alimentos preservando a base natural de nosso desenvolvimento”, concluiu. Envolverde/IPS