• 30 de novembro de 2011
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Lixo marinho invade a Ilha do Cardoso

A Ilha do Cardoso, localizada no extremo sul do litoral do Estado de São Paulo, é um santuário marinho e um conhecido destino turístico de paulistas e paranaenses. Ela acolhe um ecossistema bastante complexo composto por lagunas, braços de mar, baías, cachoeiras, estuários, barras, restingas, mangues, costões rochosos, morros, entre outros, e possui uma boa estrutura de ecoturismo comunitário capaz de receber os turistas que para lá se deslocam.

Suas belezas naturais e sua rica biodiversidade são protegidas desde 1962 com a criação do Parque Estadual da Ilha do Cardoso (PEIC). Em 1992, o PEIC foi declarado como Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO. Ele também é considerado pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) como um dos maiores criadouros de espécies marinhas do Atlântico Sul.

Por outro lado, um breve passeio pelas praias da Ilha do Cardoso revela um aspecto não tão belo e nem tão ecologicamente equilibrado do lugar: a enorme quantidade de resíduos sólidos (em sua maioria composto por material plástico) depositado em areias e restingas. Uma cogitação apressada faz pensar que tal quantidade de lixo foi deixada por turistas e moradores da ilha, mas a reflexão sobre o enorme volume de resíduos distribuído por mais de 30 quilômetros de praias, a baixa quantidade de moradores (371 de acordo com o Plano de Manejo do PEIC) e as curiosas origens das embalagens encontradas (Malásia, Turquia, etc.) não nos deixa dúvida de que o lixo é trazido pelo mar. Tais suspeitas são confirmadas pelos caiçaras: os resíduos depositados nas praias são lançados por barcos pesqueiros e por navios cargueiros a caminho dos principais portos da região, principalmente, o de Paranaguá.

Ao longo de 2011, uma investigação realizada no PEIC privilegiou a abordagem dos caiçaras da ilha sobre a problemática do lixo marinho (por conta da relação ancestral e dos conhecimentos profundos que possuem sobre a natureza que os cerca e o diálogo destes saberes tradicionais com a literatura científica). Dentre diversos documentos consultados na literatura científica, poucos buscam identificar fontes difusas de lançamento de resíduos sólidos nas águas do Atlântico Sul. Por outro lado, relatos coletados com pescadores artesanais, líderes comunitários e moradores da ilha lançam muita luz sobre a “dinâmica do lixo marinho” que chega à região, assim como revelam um fato pouco conhecido: a existência de uma “mini ilha de plástico” que se forma, de acordo com os relatos, a uma distância de 10 ou 15 quilômetros da costa do extremo sul do litoral do Estado de São Paulo – fenômeno conhecido pelos pescadores locais como a Reversa.

Para além do diálogo entre os saberes tradicionais e a literatura científica, uma catalogação de resíduos foi realizada ao longo de 1,5 km da praia do Marujá. Em tal área, onde os moradores locais realizaram um mutirão de limpeza dois meses antes da pesquisa, foram encontrados 1007 objetos inteiros e facilmente identificáveis: garrafas plásticas de água e refrigerante, calçados, potes de margarina, embalagem longa vida de suco e leite, lâmpadas, entre outros objetos provenientes de 22 países. A lista completa de materiais encontrados pode ser conferida no documento “Análises da influência do lixo marinho em uma comunidade tradicional caiçara, Ilha do Cardoso – SP”, disponível para download aqui.

Tal análise deixa ainda muitas perguntas no ar: Quais são exatamente os processos costeiros que trazem o lixo marinho para as praias da Ilha do Cardoso e Ilha do Superaguí? Qual a extensão da ilha de plástico – a Reversa – que se forma na região? Tal ilha de plástico é permanente ou se forma somente em determinadas épocas do ano? Quais as estratégias para enfrentar o problema para além da limpeza das praias?

O esforço de pesquisa aqui descrito representou um primeiro passo na caminhada rumo à mitigação da problemática do lixo marinho na região. Muitas reuniões e conversas com os habitantes da ilha, lideranças comunitárias, gestores do PEIC, associação de moradores, entre outros envolvidos, estão por vir para se chegar a um modelo de ação culturalmente aceitável, legalmente admissível, economicamente viável e ecologicamente correto. A partir de um modelo de intervenção bem desenhado e que possa ser gerido pelos caiçaras locais, vamos à luta.

Autor: Ana Helena Bevilacqua,Carolina Tibério e Marco Antonio Dalama

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