• 11 de abril de 2012
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Lixo urbano: um desafio ambiental

“Hoje se composta 1% do que se gera, e se recicla 0,8%. São números muito vergonhosos para o Brasil”, constata o engenheiro civil Eleusis Di Creddo.

A falta de um destino adequado para o lixo urbano ainda é um dos principais problemas ambientais do Brasil, que concentra praticamente toda a produção de lixo dos 5.500 municípios do país em 4.600 lixões. De acordo com Eleusis Di Creddo, em entrevista concedida à IHU On-Line, o “lixão é um crime ambiental”, pois os resíduos depositados nesse ambiente contaminam o solo, os recursos hídricos e dão origem ao chorume, um líquido “mais poluidor do que o esgoto sanitário”. Conselheiro da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), o engenheiro destaca que são necessários 448 aterros sanitários para acabar com os lixões espalhados pelo país, como prevê a proposta da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estima solucionar esse problema ambiental até 2014.

Na avaliação dele, a falta de recursos públicos impede os municípios de investirem em coleta seletiva. “O problema principal é a questão de custo. Dos 5.500 municípios, quatro miil têm menos de 30 mil habitantes. Quer dizer, mais de 90% dos municípios brasileiros são pequenos e não têm, muitas vezes, nenhum sistema, nenhum departamento municipal de limpeza pública, não têm uma pessoa encarregada pelo serviço de limpeza da cidade, pelo tratamento e disposição do lixo”, informa na entrevista concedida por e-mail.

Segundo ele, “31% dos resíduos que são encaminhados para aterros poderiam ser reciclados, como papel, papelão, alumínio, plástico, etc.” Para mudar esse processo, acentua, é preciso investir na logística reversa, ou seja, a indústria precisa se responsabilizar pelas embalagens que produz e recolhê-las. “Se a indústria não remunerar esse trabalho, por mais que as pessoas estejam conscientes da necessidade da reciclagem, ela nunca se viabilizará nesse país. Infelizmente tudo se resume a dinheiro. É preciso haver uma cadeia econômica que sustente a reciclagem no país.”

Eleusis Di Creddo é engenheiro civil, foi professor universitário e atua no segmento de resíduos sólidos há mais de 20 anos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a diferença entre aterro sanitário e lixões? Estes são locais adequados para armazenar o lixo?

Eleusis Di Creddo – O lixão é considerado uma disposição final na natureza completamente inadequada. O Ministério do Meio Ambiente e os órgãos ambientais estaduais o definem assim. O lixão nada mais é do que uma disposição do lixo no solo sem qualquer preocupação ambiental. Então, esse resíduo, ao ser jogado na natureza, sem nenhuma preocupação, vai propiciar a contaminação do solo, a contaminação dos recursos hídricos subterrâneos e também dos recursos hídricos periciais, os rios que estejam próximos desse local. Além do mais, o lixão se caracteriza pela não cobertura dos resíduos. Então, os resíduos ficam expostos gerando odor e a proliferação de vetores com prejuízo para a saúde das pessoas que vivem ali perto. Além disso, o chorume, que é o líquido que o lixo gera num lixão, não é tratado, ou seja, esse líquido que é altamente poluidor, muito mais poluidor do que o esgoto sanitário, pode atingir também os rios, matar a vida aquática e contaminar o solo. O lixão é um crime ambiental.

Infelizmente, no Brasil nós ainda temos 4.600 lixões, principalmente na região Norte, na região Nordeste e na região Centro Oeste. Considerando que o Brasil tem 5.500 municípios, e 4.600 lixões, pode-se dizer que existe quase um lixão por município. Esta é uma situação muito ruim. Para mudar esse quadro, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), publicada em 2010, define 2014 como uma data para acabar com a disposição irregular desse material.

Aterros sanitários

Os aterros sanitários, ao contrário dos lixões, são uma obra de engenharia extremamente complexa. São obras que minimizam todos esses impactos que mencionei. Então, o resíduo não entra em contato com o solo e não entra em contato com a água. Para isto existe uma impermeabilização tanto na base como nos taludes desse local. Esta impermeabilização é dupla, ou seja, existe uma camada de solo bastante impermeável, de um metro, aliada a uma geomembrana de polietileno de alta densidade, de pelo menos dois milímetros. Este sistema impermeabiliza e impede o contato do lixo com o solo e com a água.

Num aterro sanitário, todo o percolado gerado é coletado e tratado antes de ser disposto. Existe um tratamento desse chorume. Num aterro sanitário existe uma drenagem de todo gás que o lixo gera através de drenos verticais e horizontais e a queima desse gás. Num aterro sanitário é possível cobrir os resíduos com o solo ou com uma geomembrana evitando, assim, a presença de vetores e o mau odor. Num aterro sanitário também é possível disciplinar o fluxo de água, impedindo a erosão nos taludes. Portanto, é uma obra de engenharia extremamente complexa e, por isso mesmo, é uma obra cara para a maioria dos municípios brasileiros. Isto explica por que existem tantos lixões no país. Na maioria das vezes, os municípios infelizmente são pequenos, não têm recursos e o lixão praticamente não tem custo nenhum para as prefeituras, ao passo que um bom aterro sanitário é uma obra de engenharia complexa e, portanto, exige custos, exige um desembolso da prefeitura muito maior. São poucas, infelizmente, as prefeituras que têm nos cofres municipais condição de fazer frente a essa despesa.

IHU On-Line – E os municípios dispõem de espaço físico para construir esses aterros?

Eleusis Di Creddo – Sem dúvida alguma. A não ser nas grandes regiões metropolitanas, que é o caso de São Paulo, na maioria dos Estados brasileiros existem áreas ainda plenamente utilizáveis para um aterro sanitário. Isto não acontece no Japão, na Dinamarca, na Holanda e em outros países que têm pequena extensão territorial e não podem utilizar o aterro como solução. O Brasil, por ser um país continental, pode utilizar o aterro, como os Estados Unidos. Nos Estados Unidos, hoje, 50% dos resíduos gerados são dispostos em aterros sanitários, porque também é um país continental, como o Brasil.

IHU On-Line – Uma das propostas da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que as prefeituras passem a ser responsáveis pela compostagem do lixo. Quantos municípios brasileiros possuem aterros sanitários? Como este processo está sendo desenvolvido?

Eleusis Di Creddo – Praticamente não existe reciclagem nem compostagem no país. Se analisarmos os números do Panorama do Saneamento Básico do ano 2000 – que é uma pesquisa que o IBGE faz a pedido do governo – e compararmos aos números de 2010, perceberemos que houve uma melhora na disposição final. Quer dizer, já há um número significativo de bons aterros no Brasil, mas em termos de reciclagem e compostagem, pioramos em relação a 2000.

Hoje se composta 1% do que se gera, e se recicla 0,8%. São números muito vergonhosos para o Brasil, se olharmos para países mais desenvolvidos. A Alemanha recicla 40% e composta 20% de tudo o que gera. Infelizmente o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, mas a PNRS está plenamente sintonizada com o melhor que existe de gerenciamento de resíduos.

IHU On-Line – Então será difícil atingir a meta da PNRS, que quer acabar com os lixões até 2014?

Eleusis Di Creddo – Não, porque as coisas são desassociadas. A disposição final é uma meta que está aí, que é possível de atender. Na opinião da nossa Associação, devemos deixar a reciclagem e a compostagem para depois de 2014, porque nós achamos que o aterro sanitário bem executado é um elo fundamental da cadeia. Se nós conseguirmos resolver o problema da disposição final, aí nós podemos aprimorar o sistema, melhorando a reciclagem e a compostagem. Não adianta nada melhorar a reciclagem e a compostagem, se continuarmos com os nossos lixões. Então, a proposta é que o governo utilize os recursos do PAC2 disponíveis, algo em torno de R$ 1,5 bilhões, para erradicar os lixões com a construção de novos aterros sanitários e, depois, investir em reciclagem e compostagem.

IHU On-Line – Em que consiste a proposta da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP) para a criação de 448 aterros sanitários no país? Esta quantidade aterros sanitários será suficiente para acabar com os lixões do Brasil?

Eleusis Di Creddo – Nós fizemos uma pesquisa nos Estados do país, analisando as áreas em que, hoje, não existem bons aterros. Para essas áreas, que chamamos de desatendidas de um sistema decente, definimos um bom aterro regional que abrangesse todos os municípios num raio de 60 quilômetros. Todos os municípios neste raio levariam o lixo para um único ponto, que seria o aterro regional. Sendo assim, para resolver o problema do país, seriam necessários 448 novos aterros regionais. A tendência depois é melhorar cada vez mais esse número.

IHU On-Line – Além da dificuldade financeira, por quais motivos os municípios têm dificuldade de aderir à coleta seletiva?

Eleusis Di Creddo – O problema principal é a questão de custo. Nós temos 5.500 municípios e quatro mil têm menos de 30 mil habitantes. Quer dizer, mais de 90% dos municípios brasileiros são pequenos e não têm, muitas vezes, nenhum sistema, nenhum departamento municipal de limpeza pública, não têm uma pessoa encarregada do serviço de limpeza da cidade, do tratamento e da disposição do lixo. São municípios que não têm recursos para fazer nada. Infelizmente esta é a situação. Por essa razão, nós advogamos não resolver o problema por município e, sim, por agrupamento de municípios, por consórcios regionais, no nosso caso, 448 consórcios regionais.

IHU On-Line – Como dar conta do lixo produzido numa época em que a obsolescência tecnológica e o consumo de produtos embalados imperam e, obviamente, se descartam mais papel, plástico e embalagens de modo geral?

Eleusis Di Creddo – Nós temos um longo processo de educação ambiental a ser implementado no país. Dos resíduos que são encaminhados para aterros, 31% poderiam ser reciclados, como papel, papelão, alumínio, plástico, etc. Infelizmente isto está indo para o aterro por dois motivos: falta de uma conscientização, mas também porque o produto reciclado ainda não tem valor comercial, a não ser no caso da lata de alumínio. O Brasil é campeão mundial de reciclagem de lata de alumínio, porque a indústria dá valor a esse produto, compra essa lata e a reinsere na cadeia produtiva. Isto precisa ser feito para os outros produtos também, para o papel, papelão, plástico, vidro. É o que chamamos de logística reversa, que também é um pilar da PNRS. A nossa associação está participando, em Brasília, das reuniões de logística reversa de embalagens, e a indústria vai propor ao governo um sistema em que ela se encarregará de recolher as embalagens que reproduz. A indústria de vidro recolherá os vidros, a indústria de PET recolherá PET e a municipalidade pode ajudar essas indústrias com o sistema de coleta seletiva da cidade, sendo remunerada pela indústria. Se a indústria não remunerar esse trabalho, por mais que as pessoas estejam conscientes da necessidade da reciclagem, ela nunca se viabilizará nesse país. Infelizmente tudo se resume a dinheiro. É preciso haver uma cadeia econômica que sustente a reciclagem no país. A cadeia ainda não está fechada. Para fechá-la, é preciso que a indústria se comprometa a recolher de volta tudo aquilo que fabricou e dispôs na natureza de maneira errada.

IHU On-Line – Então a educação ambiental passa por uma perspectiva econômica também?

Eleusis Di Creddo – Sem dúvida alguma. A indústria precisa dar valor a esse produto para criar esse comércio. Hoje, infelizmente, a figura do catador é vista como uma atividade quase subumana, puxando carrinho na rua como se fosse um animal, sem qualquer lei trabalhista que o proteja e o sustente. Quando a indústria der valor ao reciclado, esse catador pode ser um empresário da reciclagem e ter uma vida digna. Para isto é fundamental a logística reversa, a indústria precisa estar disposta a comprar esse produto de volta e reinserir esse produto na cadeia produtiva.

IHU On-Line – É possível perceber melhorias no Brasil, um ano e meio após a aprovação da PNRS? Quais os desafios nesse sentido?

Eleusis Di Creddo – Houve um retrocesso na reciclagem e na compostagem. Porém, em termos de aterro, o Brasil melhorou muito, porque existiam muito mais lixões no passado e muito menos aterros sanitários do que existe hoje. Atualmente, as grandes capitais e as grandes cidades do país têm aterros sanitários dignos do melhor padrão norte-americano e europeu. Não ficamos nada a dever aos melhores aterros sanitários do mundo, mas isto somente em grandes cidades, com população expressiva. Houve um avanço tecnológico muito grande em questão da disposição final, porém não para a totalidade dos municípios, apenas para alguns. O desafio da PNRS é viabilizar uma solução para todos os municípios do país.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a polêmica em torno da não distribuição de sacolas plásticas em alguns supermercados? Esta medida pode contribuir para diminuir a produção de lixo plástico?

Eleusis Di Creddo – Muitos supermercados optaram por colocar as compras em caixas de papelão, nas quais muitas vezes vieram detergentes e demais produtos de limpeza, que entrarão em contato com frutas e outros alimentos. Quer dizer, será que o problema não piorou um pouco em termos ambientais? É importante se tomar medidas como essa, desde que se tenham feito medidas preventivas. O Brasil não estava preparado para uma radicalização assim, tão rápida, sem algumas medidas preparatórias para isso. O consumo do saco plástico vai continuar crescente, pois quem não usa o saco plástico do mercado vai comprá-lo. Então, essa questão vai continuar existindo. O que nós defendemos é a troca do plástico comum por um que seja biodegradável. Mas isso também não foi feito. Quer dizer, houve uma mudança brusca de postura sem que tivesse um debate técnico mais profundo.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Eleusis Di Creddo – Além da educação ambiental e da participação da sociedade, é fundamental que o munícipe entenda que a coleta de lixo, seu tratamento e sua disposição final, é um custo para prefeitura e, portanto, tem que ser suportado pelos habitantes daquela cidade por meio de uma taxa específica. Nós pagamos pela água que consumimos, pela energia elétrica que usamos, mas, somente 11% dos municípios do Brasil cobram dos munícipes pela coleta, tratamento e disposição do lixo. Talvez isto explique o motivo de o país estar em uma situação tão ruim.

Sei que não é agradável um prefeito dizer para a população que vai instituir uma taxa, mas sem esse recurso para melhorar o gerenciamento do sistema, nós não vamos progredir. É dessa forma que todo país do mundo, avançado na questão de gerenciamento, resolveu seu problema. Vivemos num grande condomínio e temos que repartir as despesas. É importante a população estar ciente que tem que dar sua cota de participação, inclusive monetária, nesse processo.

* Publicado originalmente no site IHU-Online.

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