ALFREDO SIRKIS*
A austeridade, no Brasil, tem sido feroz. Até as doações obtidas a fundo perdido para a proteção do meio ambiente, como aquelas do Fundo Amazônia, quando se destinam a órgãos públicos, ão caindo sob os efeitos do “contingenciamento”, como se orçamento fossem. Acabam congeladas. Uma austeridade feroz…e burra. Pois tem a chancela do arauto dessa austeridade, a do ministro Henrique Meireles, o maior desperdício da nossa história encarnado na MP 795/17, que dá de mão beijada à indústria do petróleo quase um trilhão de reais em subsídios, até 2040. A MP original foi enviada sorrateiramente, sem consulta, em agosto, ao Ministério do Meio Ambiente, e demorou em ser identificada na sua maligna enormidade. O relator, deputado Júlio Lopes, conseguiu piorá-la ainda mais estendendo sua vigência. Agora ela precisa ser votada até dezembro para não seguir para seu lugar merecido, a lata de lixo da história. Por isso, há quem queira votá-la agora, possivelmente para melhor queimar o filme da Brasil na COP 23, em Bonn.
O petróleo encontra-se no limiar de uma lenta, mas profunda implosão. Antes mesmo da decisão da indústria automobilística global de entrar de cabeça na era da eletrificação, o seu preço já se estabilizara num patamar baixo pelo excesso de oferta que os recentes cortes de produção da OPEP não remediaram. Sua agonia certamente será mais lenta e longa que a do carvão, mas é inevitável, inexorável. Até porque para a humanidade ter a menor chance de conter a temperatura do planeta abaixo dos dois graus Celsius – quanto mais 1.5° C – será preciso manter enterrados cerca de 60% das atuais reservas identificadas. Futuramente esse petróleo não extraído possivelmente terá valor enquanto stranded asset: recurso interdito. Cientes dessa situação, grandes produtores como a Noruega, mas também a própria Arábia Saudita, buscam vários tipos alternativas para um futuro menos “petrodependente”. Mas no Brasil, esse país de fantasia que se julga o futuro Texas do início século 20, ainda imagina-se poços off shore do pré-sal, como um novo Eldorado. Ufanemo-nos brasileiros que esse ainda será um grande motor do nosso desenvolvimento. Voltaremos ao Poço do Visconde, de Monteiro Lobato. Podes crer, Jeca Tatu…
Essa confiança cega na perenidade do combustível fóssil não chega ao ponto de admitir o “livre jogo” do capitalismo como senhor do seu destino. Não confia mais no próprio taco. Duvida de suas peremptórias verdades, mas não dá o braço a torcer. Um pânico interior o faz se pendurar, mais uma vez, qual playboy perdulário, na bolsa da Viúva. Um país em profunda recessão, submetido a essa feroz austeridade que enxota até as doações recebidas para sublinhar sua radicalidade, deverá subsidiar generosa e duradouramente essa indústria, não obstante sua prometida obsolescência e, não obstante, o consenso internacional sublinhado até pelo FMI de que é fundamental ir acabando com todo tipo de subsídios a combustível fóssil. Globalmente são mais de 650 bilhões anuais em subsídios diretos e mais de 5 trilhões indiretos, o que inclui os custos de saúde e outros de suas externalidades negativas climáticas e ambientais locais, nas quais se inclui sete milhões de mortes prematuras, em todo planeta, por conta do ar poluído. Não há mais o que dizer sobre a MP 795 a não ser que seu lugar é na lata de lixo da história.
*Alfredo Sirkis é jornalista, escritor e ambientalista