• 28 de novembro de 2017
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Meta de 1,5ºC estimula complacência, dizem pesquisadores

Dupla alemã alerta para necessidade de limitar estouro temporário de temperaturas globais que ocorrerá caso o mundo consiga cumprir o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris



 “Confiança é bom, mas controle é melhor”. O velho ditado alemão também vale para a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, a de limitar o aquecimento global a 1,5oC. Segundo uma dupla de pesquisadores, o esforço para cumprir esse objetivo mais estrito pode acabar saindo pela culatra e prejudicando o clima em vez de salvá-lo.



A conclusão contra-intuitiva é de Oliver Geden, cientista político do think-tank alemão SWP, e de Andreas Löschel, da Universidade de Münster. Em artigo publicado nesta segunda-feira no site do periódico Nature Geoscience, eles afirmam que a adoção da meta de 1,5oC pode estimular complacência de governos do mundo inteiro com o estouro temporário do limite de temperatura que obrigatoriamente ocorrerá. Para evitar esse cenário, será preciso adotar uma série de salvaguardas – em resumo, medidas de controle.



No centro da discussão está um conceito que não foi abordado na COP21, a conferência do clima de Paris, quando o objetivo de “envidar esforços” para estabilizar o aquecimento global em 1,5oC foi inserido no acordo, de última hora. Trata-se do chamado overshoot.



Grosso modo, esse conceito traduz a admissão de fracasso temporário. Os cientistas do clima sabem que é impossível impedir que a temperatura ultrapasse 1,5oC nos próximos anos (estamos atualmente em 1,1oC de aquecimento em relação à era pré-idustrial). Mas esperam que, com uma série de medidas ambiciosas de corte de emissões, ainda dê para trazer o clima de volta à marca combinada em poucas décadas.



É aí que mora o perigo, afirmam Geden e Löschel. Ao encarar a necessidade de um overshoot como algo normal, os tomadores de decisão deixam implícito que metas estritas de controle de temperatura não importam tanto assim e podem ser excedidas impunemente.



Além disso, sem uma definição clara de qual é o limite aceitável de overshoot e por quanto tempo as temperaturas poderão permanecer acima da meta, fica fácil para os governos escapar de prestar contas de seus fracassos.



“É uma questão de responsabilização política”, disse Geden ao OC. “Minha preocupação é que, sem limites claros, os governos poderão fazer o que quiserem e ainda dizer que estão profundamente comprometidos com 1,5oC.”



A outra verdade inconveniente que os governos não parecem querer ouvir, nem explicar à população, é que ambas as metas de Paris – tanto a menos ambiciosa, de estabilizar o clima “bem abaixo de 2oC” quanto a ideal, de 1,5oC – requerem que se remova ativamente carbono da atmosfera (as chamadas “emissões negativas”) numa escala que hoje pertence ao domínio da ficção científica. Trazer a temperatura global de volta a 1,5oC após um overshoot dependerá pesadamente desse tipo de tecnologia. Caso ela não seja adotada, as metas de temperatura poderão permanecer excedidas durante várias décadas, o que na prática seria equivalente a não ter o limite de 1,5oC.



A dupla de pesquisadores propõe uma série de medidas para evitar que o estouro da meta vire álibi para os governos. Entre elas está a necessidade de estabelecer sua magnitude e duração máxima, a de excluir a possibilidade de overshoot para a meta de menos de 2oC e estabelecer quanto de emissões negativas será preciso ter. Nada disso está em debate hoje.



O consolo, se é que pode-se falar nisso, é que a estabilização do clima em 1,5oC tampouco parece um cenário provável hoje. Que o diga a conferência do clima de Fiji, encerrada no último dia 18 na Alemanha, na qual os países admitiram tacitamente que não ampliarão a ambição de suas metas nacionais antes de 2020 – prazo considerado crítico pelos cientistas para viabilizar o 1,5oC.



“Olhando as trajetórias [de emissões] na literatura hoje, percebendo que elas dão apenas uma probabilidade de 50% a 66% de atingir a meta, não consigo imaginar como o mundo seguiria esse caminho”, disse Geden.


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