• 01 de dezembro de 2011
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Mulheres são as últimas a terem acesso a fundos climáticos

Cidade do Cabo, África do Sul, 1/12/2011 – Dos milhões de dólares destinados a projetos para conter os efeitos da mudança climática no mundo em desenvolvimento, muito pouco é concedido de maneira a beneficiar as mulheres, as mais prejudicadas pelo aquecimento na África. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres constituem 80% dos pequenos agricultores, são responsáveis pela segurança alimentar de milhões de pessoas e trabalham em um dos setores mais afetados pela mudança climática.

“Fala-se muito no âmbito internacional em destinar fundos para que as comunidades locais possam adaptar-se à mudança climática e, em especial, as mulheres, mas é pouco o que se faz”, disse Ange Bukasa, que dirige a organização ChezAnge Connect, na República Democrática do Congo (RDC), dedicada a facilitar investimentos.

Bukasa participa da Associação dos Fundos de Investimento no Clima (CIF). Esses fundos, criados pelo Banco Mundial em colaboração com bancos de desenvolvimento regionais, oferecem cursos para que os países do Sul tomem medidas de adaptação e mitigação. Desde seu lançamento, em 2008, foram concedidos US$ 6,5 bilhões a projetos destinados a conter a mudança climática em 45 nações em desenvolvimento. Mais de um terço foi concedido a 15 países africanos.

Porém, mais de 70% foram para projetos de transporte e energias limpas em grande escala, setores da economia formal tradicionalmente dominados por homens. Apenas 30% foram destinados a projetos de pequena escala que beneficiam diretamente comunidades rurais pobres e que podem chegar a melhorar o sustento das mulheres. Especialistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento alertam que esses fundos correm o risco de perpetuar os desequilíbrios de gênero existentes.

Quando se quer criar e implantar ações para adaptação e combate à mudança climática, é necessário consultar as mulheres para levar em conta a perspectiva de gênero no consumo de energia e os modelos de trabalho doméstico em contextos pobres, insistem os especialistas. Entretanto, isto não ocorre com frequência.

“Não há relação entre as grandes instituições regionais que administram os fundos e a população que deles precisa”, alertou Bukasa, que trabalha com agricultores em Katanga, no sul da RDC, e em outras partes do país. Bukasa também se queixou da falta de consulta às mulheres, que são maioria na pequena agricultura da região. Além disso, afirmou que grande parte das comunidades rurais não tem informação suficiente sobre a mudança climática e como mitigá-la ou adaptar-se às consequências.

“As pessoas podem ter ouvido falar de mudança climática, mas não têm ideia do que fazer nem onde obter informação”, acrescentou Bukasa. Isto as impede de identificar problemas e soluções, desenvolver seus próprios projetos e solicitar fundos. Sua única opção é “continuar cultivando como antes”, acrescentou.

A informação oferecida por especialistas que trabalham no terreno teve algumas consequências. Os bancos que gerenciam os CIF prometeram incluir indicadores de gênero em suas operações, bem como em seus principais critérios para concessão de fundos. Também se comprometeram a incluir análise de gênero e dados discriminados por sexo, entre outros, nos projetos financiados pelos CIF para garantir o benefício a homens e mulheres.

“Planejamos dar maior atenção a questões de gênero e introduzir cada vez mais indicadores para avaliar essa dimensão nos projetos”, informou Mafalda Duarte, coordenadora de finanças do clima do Banco de Desenvolvimento Africano, uma das instituições regionais responsáveis por administrar os fundos. Há um interesse particular em financiar fontes de energia locais não conectadas à rede nacional para melhorar a vida de mulheres e meninas, ainda angustiadas por terem de coletar lenha e buscar água nas comunidades rurais, ressaltou Duarte.

Os fundos destinarão a projetos de energia solar, fogões melhorados, reflorestamento sustentável, sistemas de irrigação que funcionem com energia solar, bem como calefação e armazenamento de água. “Quando revisarmos as propostas vamos assegurar que as mulheres tenham acesso a tecnologias financiadas”, acrescentou Duarte. O único inconveniente é que o interesse está em investimentos de pequena escala, que representam uma porcentagem menor do total de fundos disponíveis. “Precisamos ampliar a quantidade de projetos com perspectiva de gênero porque temos muitos lugares conflituosos no continente”, reconheceu Duarte.

Florah Mmereki, diretora de projeto da Wena Industry and Environment, fundação dedicada à educação ambiental, com sede em Gaborone, Botsuana, concorda que é preciso acelerar os esforços. “Os poucos projetos que existem em Botsuana não estão dirigidos às mulheres. É um enorme descuido”, lamentou. As mulheres continuam excluídas porque sua participação em muitos projetos de adaptação à mudança climática costuma exigir um investimento inicial, como a contribuição para fogões de baixo consumo de lenha, disse Mmereki. “Mas as camponesas não têm esses fundos. Elas trabalham no campo e são seus maridos que administram o dinheiro. Ainda há muitas barreiras para eliminar”, acrescentou.

Autor: Cristin Palitza

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