Novo censo revela desoladora desigualdade
Nova Délhi, Índia, 20/7/2015 – A Índia é a terceira economia da Ásia e tem destacado papel na geopolítica mundial. Entretanto, o primeiro Censo Socioeconômico e de Castas revela um panorama desolador de privações para parte de sua população, apesar do multimilionário investimento em programas sociais.
O estudo, realizado em 640 distritos pelo Ministério de Desenvolvimento Rural, apresenta dados sobre um conjunto de indicadores socioeconômicos como ocupação, educação, religião, status de casta ou tribal, renda, bens, moradia e terras particulares, bem como outras categorias por família.
Dos 179 milhões de famílias recenseadas, quase metade é rural. Cerca de 21,53% das famílias rurais pertencem às castas e às tribos (como se chama na Índia os povos originários) desfavorecidas, os setores mais oprimidos do sistema tradicional de castas e aos quais a Constituição destina disposições especiais para promover e proteger seus interesses sociais, educacionais e econômicos.
Mais de 60% das famílias rurais pesquisadas se qualificam como “desfavorecidas” em 14 parâmetros. A renda de aproximadamente 51,8% das famílias, cerca de US$ 80 ao mês (US$ 4 por dia), ganhos com trabalhos manuais e/ou casuais, dão apenas para acender os fogões. Além disso, apenas 20% das famílias rurais possuem um veículo, e somente 11% têm implementos tão básicos com refrigerador.
O censo também apresenta uma janela sobre o peso que as famílias rurais sem terras nem ofertas de emprego carregam. Em todo o país, 56% das famílias não possuem terras. Pouquíssimos são os integrantes que têm emprego regular e um número insignificante deles pagam impostos. Um único integrante da família é assalariado em 7,3% dos lares das castas mais baixas e 9,7% nas famílias rurais.
Aproximadamente 30% dos entrevistados se consideraram agricultores, e os trabalhos manuais esporádicos são a principal fonte de renda para 51,14%. Somente 14% têm emprego não agrícolas no setor público ou privado. A situação é mais desoladora para as tribos e castas mais baixas, apesar de décadas de ações afirmativas: apenas 3,96% dos lares das castas mais baixas rurais e 4,38% dos tribais têm empregos no setor público.
A proporção cai radicalmente no setor privado, para 2,42% das castas desfavorecidas, e 1,48% das comunidades tribais. Menos de 5% das famílias rurais pagam impostos. Mesmo nos Estados mais ricos, como Kerala, Tamil Nadu e Maharashtra, o número ronda no máximo os 5%.
“O censo permitiu abrir os olhos. Claramente mostra que os benefícios do grande crescimento econômico não chegaram a grandes setores da população apesar dos milhares de milhões destinados a programas de alívio da pobreza, educação para todos e geração de emprego”, afirmou Ranjana Kumari, diretora do Centro para a Pesquisa Social, com sede em Nova Délhi. Para ela, o mais preocupante é que o censo mostra que não existe apenas uma pobreza generalizada, mas também geracional.
“Após mais de seis décadas de independência, milhões de pessoas sofrem uma pobreza deprimente, carentes de benefícios sociais como segurança trabalhista, educação e um teto”, apontou Kumari. A seu ver, “as autoridades e os economistas mantêm os olhos fechados. Governos após governos são culpados da negligência criminosa em relação aos mais vulneráveis”.
Apesar de programas sociais emblemáticos como o Sarva Shiksha Abhiyan (movimento de educação para todos), que procura conseguir a educação primária universal, não há nenhum adulto maior de 25 anos que saiba ler e escrever em 23,52% das famílias rurais. Menos de 10% da população indiana continua os estudos depois dos últimos níveis do secundário e apenas 3,41% dos lares rurais têm algum membro da família que tenha pelo menos se graduado.
Uma análise por Estado mostra que quase metade dos residentes rurais (4,75% da população rural) do Estado de Rajastã, o maior do território, é analfabeta. Os Estados de Bengala Ocidental, Bihar, Odisha, Jharkhand, Madhya Pradesh, Uttarakhand, Uttar Pradesh e Chhattisgarh concentram 180 milhões dos 300 milhões de analfabetos na zona rural da Índia.
Além disso, a moradia para todos é um sonho, apesar da existência do Indira Awaas Yojana, um dos maiores programas rurais de habitação já implantados no país e que funciona desde 1985. A iniciativa procura dar subsídios e assistência em dinheiro às pessoas mais pobres para construírem suas casas.
Entretanto, segundo o censo, três em cada dez famílias vivem em casas de apenas um cômodo, enquanto 22 milhões de famílias (cerca de cem milhões de pessoas, ou quatro vezes a população da Austrália) residem em moradias construídas com bambu, plástico ou polietileno, com teto de palha ou de zinco.
Os Estados de Chhattisgarth, Madhya Pradesh e Odisha têm os piores indicadores no tocante às castas mais desfavorecidas e às tribos, mas mesmo nos Estados mais desenvolvidos, com Kerala e Tamil Nadu, a renda das famílias é baixa e tem uma grande dependência dos trabalhos manuais. Continua sendo difícil encontrar emprego no setor rural capaz de tirar as famílias da pobreza, enquanto a agricultura ainda é de subsistência com pouca mecanização, limitadas instalações de irrigação e pouco acesso a crédito.
“É um alerta para a ação urgente porque as castas mais baixas estão há muito tempo marginalizadas”, ressaltou à IPS o ativista dalit Paul Divakar. “O censo mostra que o desenvolvimento econômico desses setores da população não é uma prioridade para o governo. Continuam atrasados na maioria dos índices de desenvolvimento humano devido à falta de políticas e de um desenvolvimento dirigido à sua identidade social. Uma intervenção estatal holística é vital para seu desenvolvimento integral”, acrescentou.
Em um país como a Índia, caracterizado pelo paradoxo de ter uma economia pujante e ao mesmo tempo o maior número de pobres do mundo, as políticas devem ser dirigidas especialmente para um crescimento mais igualitário, afirmam economistas.
“Dos 1,2 bilhão de habitantes da Índia, a bagatela de 60% têm idade para trabalhar”, segundo Kumari. “Mas só uma pequena proporção foi absorvida pelo setor formal. A pobreza rural é o resultado da baixa produtividade, que implica baixa renda”, afirmou. “Precisamos criar um ecossistema para um crescimento mais rápido de empregos produtivos fora do setor agrrícola. Os programas de proteção social devem ser universalizados”