• 20 de agosto de 2015
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Novo ciclo de atividades criminosas na Terra do Meio

O ISA lança esta semana o livro Rotas do Saque: ameaças e violações à integridade territorial da Terra do Meio (PA), o mais recente diagnóstico sobre roubo de madeira, grilagem e ameaças aos povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem no conjunto de áreas protegidas da Terra do Meio. Leia a publicação aqui.

Localizada na Bacia do Rio Xingu, no sudoeste do Pará, entre os rios Xingu e Iriri, a Terra do Meio configura um corredor de oito milhões de hectares de áreas protegidas no coração da Amazônia, entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

A partir da década de 1990, a região ganhou espaço nos noticiários por conta de um processo intenso de grilagem e exploração madeireira ilegal, que avançava sobre a floresta e seus tradicionais ocupantes. Após um amplo movimento de resistência e denúncia, articulado por comunidades locais, movimentos sociais e organizações com atuação na Terra do Meio, a principal resposta do governo foi a criação, nos anos 2000, de um conjunto de UCs.

Rotas do saque mostra que, uma década após a decretação da maioria das UCs da região, o território e os povos e comunidades tradicionais da Terra do Meio seguem sob um novo ciclo de pressões de grupos interessados na apropriação ilegal de terras públicas e no roubo de madeira, deixando para trás um rastro de degradação.

A publicação apresenta uma série de mapas, identificando áreas atingidas e sob ameaça em cada porção do território. São 41 pontos de pressão destacados, entre estradas clandestinas, pastos ilegais recém-queimados, desmatamento e degradação. O livro também detalha as principais formas de atuação de cada um dos grupos envolvidos.

Com esse quadro em vista, Rotas do Saque passa da denúncia à proposição, elencando ações governamentais prioritárias para o combate às atividades criminosas em curso na Terra do Meio.

Métodos utilizados

Para analisar uma superfície equivalente a duas vezes o Estado do Rio de Janeiro, a equipe de geoprocessamento do ISA se debruçou sobre imagens dos sistemas de satélites que monitoram a Amazônia brasileira. A equipe também realizou registros fotográficos feitos em sobrevoos percorrendo 7.626 km na região. Como grande parte da Terra do Meio se compõe de territórios tradicionalmente ocupados, as informações que dão substância e precisão ao monitoramento remoto se originam, com frequência, nos relatos e denúncias de beiradeiros e indígenas.

A interpretação de imagens de satélite e sobrevoos na Resex Riozinho do Anfrísio, por exemplo, aponta a existência de 546 km de estradas ilegais, utilizadas para o escoamento de madeira extraída ilegalmente.

Um dos alertas mais incisivos do livro se refere à Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, que em 2014 registrou mais de 12 mil hectares desmatados. Eis um grande paradoxo: a APA ocupa uma posição central num dos maiores e melhor preservados corredores de áreas protegidas do país e, ao mesmo tempo, é a Unidade de Conservação mais desmatada do Brasil.

A Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio, por sua vez, é mencionada como uma das áreas na qual as medidas de proteção conduzidas pelo governo foram mais coesas. Em 2005, ano de sua criação, o desmatamento ultrapassava os 15 mil hectares. Após uma série de ações, incluindo quatro grandes operações de fiscalização, o desmatamento caiu para zero. A publicação ressalva, em contrapartida, a necessidade de medidas endereçadas aos conflitos resultantes da implantação dessa UC sobre áreas ocupadas por famílias beiradeiras.

Belo Monte

A demanda da usina por madeira, bem como para construção de empreendimentos atraídos pela instalação da hidrelétrica em Altamira e cidades vizinhas, tem feito disparar a exploração madeireira da região. Do primeiro para o segundo ano de construção da usina, a exploração ilegal saltou de 20 para 70 mil hectares na região sob influência da UHE Belo Monte.

O monitoramento das áreas protegidas aponta que boa parte dessa madeira pode estar vindo justamente das Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A situação mais grave é na Terra Indígena Cachoeira Seca, do povo Arara, reconhecida pela Funai e que aguarda a homologação pelo Ministério da Justiça. Uma fila de caminhões carregados entre as cidades de São Paulo e Belo Horizonte é o que se calcula que foi extraído de madeira somente em 2014, totalizando em torno de R$200 milhões em venda ilegal de madeira escoadas em mais de 700 km de estradas ilegais.

Mosaico

A anistia aos desmatamentos realizados até 2008, com o novo Código Florestal, e o início da construção de Belo Monte contribuíram também para a ampliação da atividade agropecuária, abertura de estradas e ações de ocupação ilegal na região.

É importante registrar que o corredor de florestas da Terra do Meio, como parte de um corredor de áreas protegidas ao longo de toda a Bacia do Rio Xingu, contribui de forma significativa no fornecimento de água para a região sudeste do país. Para o corredor permanecer em pé, garantindo a chuva para grande parte do país, será preciso ações urgentes do Estado.

A análise dos dados reunidos em Rotas do Saque aponta que houve uma renovação e readaptação das táticas dos grupos que protagonizaram os ataques à Terra do Meio nas décadas de 1990 e 2000. Contribuíram para isso fatores como a falta de punição a crimes ambientais, bem como uma errática política ambiental e a falta de medidas para reversão do caos fundiário da região.

Rotas do Saque mostra como é fundamental que o Estado formalize um mosaico de áreas protegidas na região, implantando uma gestão integrada, com recursos específicos, e capaz de assumir o controle de proteção desta extraordinária usina de serviços ambientais chamada de Terra do Meio. (ISA/ #Envolverde)

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