• 18 de setembro de 2017
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Não é possível simplesmente se ‘adaptar’ ao Irma

O furacão Irma, o mais poderoso da história registrada, gerou caos no Caribe e deixou partes da Flórida submersas. O tamanho do abalo causado à nação mais ricas do mundo nos mostra o quão difícil nós julgamos que seja a adaptação a tempestades dessa magnitude.



Infelizmente, esse é apenas um sinal do que está por vir.  Um relatório da Christian Aid  no ano passado mostrou que Miami seria a cidade mais afetada financeiramente por inundações costeiras nos próximos 50 anos, com 35 trilhões de dólares em recursos em risco até 2070. Mas se a Flórida, com a força financeira e de infraestrutura de uma superpotência econômica, cedeu sob a pressão do furacão Irma, pense um pouco nas pequenas ilhas do Caribe que sofreram com a fúria de Irma e que não têm praticamente nenhum recurso para garantir um padrão de vida decente para a sua população, isso sem mencionar o investimento necessário para se protegerem de furacões de magnitudes recorde.



Como o Primeiro Ministro de Barbuda, Gaston Browne, disse à CNN, Irma devastou 95% das propriedades da ilha e deixou a ilha “praticamente inabitável”. “Estamos vivendo as consequências da mudança do clima”, ele concluiu.



A boa notícia é que esses pequenos estados insulares vulneráveis terão mais voz na COP23, a próxima conferência anual da ONU sobre o clima, que vai ocorrer em novembro em Bonn, na Alemanha. Será a primeira vez que a presidência dos debates será comandada por um pequeno Estado insular em desenvolvimento – Fiji, um país particularmente vulnerável aos impactos climáticos.



Os vizinhos assentados mais abaixo de Fiji no Pacífico encaram uma ameaça existencial em razão da elevação do nível do mar e há muito tempo não têm voz nos debates globais. Agora eles vão ser capazes de trazer a sua perspectiva da linha de frente do colapso climático para a mais importante mesa de discussão do mundo.



No topo da lista prioridades deve estar o tema de perdas e danos, o reconhecimento de que, para as populações mais vulneráveis, se “adaptar” aos níveis futuros das mudanças climáticas é simplesmente impossível. Por exemplo, alguns pequenos países insulares terão que ser realocados a terras mais altas. Barreiras marítimas e defesas contra inundações são praticamente inúteis quando suas ilhas já estão submersas.



Da mesma maneira, as nações mais pobres que tiveram 95% de suas construções destruídas não podem se “adaptar” a furacões como o Irma, nem as comunidades pastoris como as da minha terra, no leste africano, que têm seus rebanhos e sua subsistência destruídos por secas letais.



Essa situação foi formalmente reconhecida em 2013, quando as nações mais ricas assinaram o astuciosamente intitulado “Mecanismo Internacional de Varsóvia sobre Perdas e Danos”. O mecanismo foi mais fortalecido quando as perdas e danos foram transformados em um terceiro pilar do Acordo de Paris, juntamente com mitigação e adaptação. Mas, até agora, o progresso foi lento em transformá-lo em realidade.



Portanto, em Bonn, os fijianos podem ajudar a trazer a realidade da mudança do clima para o cerne das negociações e fazer com esse tema crítico progrida.



Organizações mundiais da sociedade civil estão clamando a que as nações ricas demostrem solidariedade às comunidades e aos países mais vulneráveis, e coloquem à sua disposição os recursos para a adaptação à mudança do clima e para a luta contra seus inevitáveis e crescente impactos.



Claramente, precisamos fazer isso primeiro prevenindo que mais perdas e danos ocorram em função da mudança do clima ao reduzir a poluição causada pelos combustíveis fósseis. Em segundo lugar, não podemos simplesmente continuar a ignorar as necessidades de adaptação dos mais pobres.



Toda assistência necessária para ajudar os mais pobres deve ser providenciada para garantir a adequada proteção climática – tais como a construção de barreiras marítimas e a plantação de cultivares mais resistentes à seca, e executando atividades de redução de risco de desastres.



Infelizmente, a procrastinação dos países ricos em relação aos corte das emissões nos levaram a um nível perigoso de aquecimento.



A necessidade agora é de que a primeira presidência do Pacífico de uma COP garanta que perdas e danos sejam tratados com a mesma importância que os outros elementos do Acordo de Paris. Para além de apenas retórica, o tema deve ser levado a sério e abordado.



Portanto, os fijianos na COP23 devem fazer progresso no tema perdas e danos e criar um caminho para um “Fundo Internacional de Fiji para Perdas e Danos” que possa efetivamente começar a coletar e distribuir fundos para as nações que o necessitem.



Tal passo seria um resultado positivo da primeira “COP do Pacífico” e uma resposta adequada ao rastro de destruição causado pelo furacão Irma, cujas vítimas ainda estarão tentando reconstruir as suas vidas durante a conferência de novembro, apesar de os olhos da mídia já deverem ter mudado de foco então.


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