• 12 de agosto de 2016
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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O impacto que está na mesa

Se somos o reflexo do que comemos, a Terra é a expressão de nossos hábitos alimentares. Ao longo dos últimos 10 mil anos, o homem vem transformando as paisagens naturais com as atividades de agricultura e pastoreio, moldando os ecossistemas. Digitais dessa dinâmica insustentável, as alterações feitas apenas nas últimas cinco décadas no Cerrado brasileiro impressionam e preocupam.

Uma das áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade do planeta, os cerrados cobriam originalmente cerca de 24% do território nacional. Mas isso mudou bastante. Segundo o Terraclass – sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que mapeia o uso da terra e da cobertura vegetal no bioma – cerca de metade desse território havia sido alterado até 2013, sendo que mais de 90% dessa transformação ocorrera em função da produção de alimentos, sobretudo carne e soja.

Enquanto a expansão da agricultura ocorre em solos com maior aptidão agrícola, a expansão das pastagens plantadas se dá de forma generalizada. Hoje, a taxa média anual de desmatamento no Cerrado está em torno de 6 mil quilômetros quadrados, mais que a perda de cobertura nativa na Amazônia em 2014, que foi de 4,8 mil quilômetros quadrados.

O avanço sobre as áreas naturais do Cerrado resultou num excepcional crescimento da produção agrícola no Brasil, a ponto de possibilitar que o país se torne em pouco tempo o maior produtor de alimentos do mundo, se continuar o mesmo ritmo. Os impactos positivos são bastante evidenciados, principalmente pelo setor que se orgulha de “puxar a economia nacional”.

Pouco se fala, porém, dos impactos negativos da expansão sobre o Cerrado. E não só para o Brasil. Uma das maiores estudiosas do bioma, a pesquisadora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante alerta que o Cerrado passa por um intenso processo de fragmentação que compromete importantes funções ecológicas.

Pense no ambiente natural como um grande organismo, sendo o bioma Cerrado um dos seus “órgãos vitais”. Uma das funções que o Cerrado desempenha no equilíbrio ecológico é justamente a manutenção do sistema hídrico do país. O Cerrado abriga as nascentes de três grandes bacias do continente sul-americano (Tocantins-Araguaia, Paraná-Prata e São Francisco).

Apesar dos alertas dos cientistas sobre a importância de se conservar essa imensa “caixa d’água”, o desmatamento avança e compromete esse serviço ambiental que o Cerrado presta gratuitamente à nação. Para Mercedes Bustamante, estamos “fechando a torneira” que fornece água para a cidade e o campo.

Do ponto de vista climático – e aí a escala de impacto já é global –, as transformações no Cerrado já fizeram acender a luz amarela entre os cientistas.

Entre 2005-2010, as emissões brasileiras de CO2 oriundas do desmatamento e mudanças de uso da terra foram reduzidas em 83%. Tal decréscimo ocorreu sobretudo pela redução do desmatamento na Amazônia. No Cerrado a história é diferente. A contribuição do desmatamento do Cerrado, aumentou. Entre 1994-2002, as emissões do bioma atingiram 1704 Teragramas (milhão de toneladas) e aumentaram para 1845 Teragramas no período entre 2002-2010.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil já ultrapassou os Estados Unidos em emissões agrícolas, estando em terceiro lugar, atrás apenas da China e Índia. Vale mencionar também outros impactos ainda não entendidos plenamente, mas que têm um potencial imenso de gerar danos no curto, médio e longo prazos.

Segundo a FAO, o uso de pesticidas no Brasil pulou de 117 mil toneladas para 353 mil toneladas entre 1999 e 2014, principalmente pelo aumento no uso de inseticidas. E anualmente mais de 3 milhões de toneladas de fertilizantes são necessárias para manter a produtividade. A maior parte dos pesticidas foi lançada sobre as lavouras localizadas no Cerrado. Além dos alimentos, a água, o solo, o ar e a biodiversidade são contaminados pela pulverização de agrotóxicos.

Parece razoável, em termos econômicos, que o Brasil continue com o caminho de expansão da produção agrícola. Mas é preciso fugir da lógica da expansão territorial da agropecuária e passarmos para a intensificação ecológica. Para isso, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuárias (Embrapa) vem trabalhado com novos pacotes tecnológicos, como a integração lavoura-pecuária-floresta. O desafio é reverter a baixa produtividade das áreas consideradas degradadas – um pasto abandonado, por exemplo – e incorporá-las novamente à produção.

Com esse caminho, passaremos a viabilizar os compromissos de desmatamento zero por parte das cadeias de produção agropecuária, e poderemos cada vez mais desenvolver mecanismos de rastreabilidade e transparência para o meio rural.

Mas podemos ir além. Nós, consumidores, temos um poder de transformação que muitos sequer suspeitam. Nossos hábitos de consumo podem mudar as indústrias e influenciar o desenvolvimento de novas tecnologias. Foi por pressão do mercado que conseguimos banir o clorofluorcarbono (CFC), por muito tempo utilizado nas indústrias de refrigeração e ar condicionado, espumas, aerossóis, extintores de incêndio. E com isso, recuperamos nada menos do que a Camada de Ozônio, antes depauperada pela emissão desses gases.

Por que, então, não fazemos o mesmo em relação aos alimentos? Informações corretas sobre procedência, qualidade e forma de produção permitem melhor escolhas, ou pelo menos uma maior consciência de nosso impacto. Os grandes compradores internacionais de commoditiesagrícolas já se movimentam para cobrar que os produtos venham livres de desmatamento ao longo de suas cadeias produtivas. Isso é resultado da pressão dos consumidores.

Assim como existe uma rotulagem para os valores nutricionais, já há padrões estabelecidos para a rotulagem ambiental, só que isso ainda é pouco utilizado. Precisamos ser mais exigentes em relação a transparência quanto a produção e origem dos alimentos. E isso se faz cobrando de quem compra e vende os produtos agrícolas e pecuários. Com essa chave na mão, poderemos abrir as portas de um cenário em que a produção de alimentos seja aliada da conservação do meio ambiente. E não mais um fator de degradação da natureza.

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