• 17 de março de 2014
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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O tormento climático

Têm sido inócuos os arranjos globais para manejo da mudança climática. Pior: não há sinal de que a rota venha a ser alterada. Mesmo na mais otimista das apostas – que um dia todas as nações responsáveis por significativa parte do dano venham a ter metas legalmente obrigatórias para contenção de suas emissões de gases de Efeito Estufa – ela será perdedora sem prévia formação de um preço mundial do carbono, algo incompatível com o Protocolo de Kyoto, cuja resiliência constitui o cerne do tormento.

Nas negociações desse Protocolo, entre 1993 e 1997, venceu a tese de que a melhor maneira de se atingir tal preço seria o comércio de emissões (“Cap-and-Trade”), contra o historicamente comprovado recurso à tributação. Em consequência, meros 7% das emissões globais de carbono são hoje afetados pelos dois mecanismos de formação de preço: “Esquemas para Comércio de Emissões” (ETS, em inglês) e alguns poucos tributos unilaterais em sociedades mais conscientes de que só com mercados jamais cumpririam suas metas.

Embora nos últimos nove anos tenham surgido uma dúzia de ETS, o único relevante é o EU-ETS, que envolve as 11.500 empresas responsáveis por 40% das emissões da União Europeia. Foi inevitável, portanto, que fortes compromissos políticos com a sustentabilidade tenham levado sete países dessa região à decisão de também tributarem de forma explícita outra parte de suas emissões. Há taxas-carbono na Dinamarca, na Finlândia, na Irlanda, na Suécia e agora no Reino Unido, assim como na Noruega e na Suíça, que preveem vínculos com o EU-ETS por acordos bilaterais.

No entanto, foi do outro lado do Atlântico, na província canadense da Colúmbia Britânica, que pintou o melhor dos impostos climáticos em vigor. Uma taxa-carbono que incide há cinco anos sobre a queima de todos os combustíveis fósseis, sem aumento de carga tributária. Para evitar que o desembolso de pouco mais de US$ 20 por tonelada de carbono emitido (trinta desde 2012) prejudique os negócios, a alíquota do imposto de renda das pessoas jurídicas foi reduzida de 12% para 10%. Esse é o máximo que pode ser feito sem perda de competitividade enquanto o exemplo não for seguido ao menos por outras das nove províncias e Estados dos EUA.

Prova dos nove do alerta feito pelos melhores estudos científicos sobre o tema: a única maneira eficaz de se administrar a mudança climática é a adoção de uma taxa mundial, mas incidente sobre o consumo, de modo que o preço de qualquer mercadoria também reflita seu correspondente teor de carbono. Não há melhor maneira de se catalisar inovações e investimentos pró-mitigação.

O principal problema prático desse projeto é a inviabilidade de se usar a convencional análise de custo-benefício no cálculo de qual deveria ser o valor da taxa, dada a impossibilidade de se estimar o custo social do carbono em âmbito global. Além disso, é óbvio que ela seria politicamente desastrosa se viesse a causar séria carestia.

Por isso, a saída seria que o preço mundial do carbono começasse bem baixo, mas com patente perspectiva de alta. E que os aumentos ficassem na dependência da avaliação do impacto obtido com o baixo preço inicial, em procedimento conhecido como “a learning-by-taxing process”. A organização encarregada de administrar essa dinâmica estabeleceria o preço do carbono assim como um Banco Central faz com a taxa de juros básica.

Infelizmente esse caminho mais racional para uma gestão da mudança climática foi interditado pela vitória de Pirro obtida pelo fundamentalismo de mercado nas negociações do Protocolo de Kyoto. Mais: em vez de esgotamento de sua inércia institucional, há temerária teimosia, além de muita criatividade, na proliferação de malabarismos aprovados em conferências das partes da Convenção (CoPs da UNFCCC). Espécie de obsessão em se preservar o legado, apesar de sua evidente impotência.

Esse contexto sugere a possibilidade de duas mudanças objetivas extremas que forçosamente exigiriam e induziriam correção de rumo. A pior seria que a atual marcha da insensatez fosse bruscamente interrompida por alguma séria catástrofe ecológica que provocasse atribulada e radical revisão da própria Convenção. A melhor seria que bem antes disso despontasse uma revolução tecnológica capaz de antecipar a aposentadoria das energias fósseis, tornando quase supérflua a parafernália já montada para se chegar a uma governança global da mudança climática.

O cenário mais provável, porém, é que gradualmente se combinem esses dois vetores polares. Por isso, para uma sociedade como a brasileira – que desfruta de imensas vantagens comparativas ecológicas e geográficas, mas que ainda nem sequer engatinha na direção das socioculturais vantagens competitivas – romper com o marasmo é assumir o duplo desafio de investir muito mais do que hoje na busca de inovações energéticas e, simultaneamente, abrir um sério e sistemático debate público sobre o sentido e a orientação de sua ação diplomática no âmbito do regime climático.

* José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de “A desgovernança mundial da sustentabilidade”.

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