• 19 de julho de 2016
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Os sinais de alerta vêm da nossa caixa d’água

Precisamos evoluir para modos de vida mais adequados, compatíveis com estes tempos.

Até há bem pouco tempo era raro que o noticiário sobre mudanças climáticas e seus efeitos preocupantes se referissem a problemas no Brasil – em geral informavam sobre dramas muito graves em outras partes do mundo. Esse tempo já passou. Agora são frequentes as notícias sobre questões muito inquietantes em várias regiões do País. Algumas das mais recentes se referem a problemas muito sérios na Paraíba, onde a seca prolongada já levou à redução no abastecimento de água em Campina Grande e mais 17 cidades e agora está sendo ampliado.

Campina Grande vai ser dividida em duas zonas. Uma será abastecida da manhã de segunda-feira até a meia-noite de quarta-feira; a segunda, de 5 da manhã de quinta até as 13 horas de sábado; das 13 horas de sábado às 5 da manhã de segunda não haverá abastecimento (Suassuna.net, 12/7). E 17 cidades da chamada Região do Brejo só terão água por 48 horas a cada 15 dias, a partir do próximo dia 18. Haverá ainda outros problemas em vários locais. O nível da água no principal açude está em apenas 8,4%, o pior de todos os tempos, suficiente – se não chover – para abastecer apenas até janeiro de 2017.

Na verdade, diz Ana Lúcia Azevedo (O Globo, 9/4), toda a Chapada Diamantina está ameaçada e com a situação agravada desde um grande incêndio que se manteve de 2015 a janeiro de 2016, ali onde fica a “caixa d’água da Bahia – nela nascem 80% dos rios do Estado. Só o Rio Paraguaçu abastece 3 milhões de pessoas e fornece 60% da água usada em Salvador. E toda a região de 38 mil quilômetros quadrados – desde serras e planaltos da Mata Atlântica da região até o Cerrado e a Caatinga – é beneficiada pelo rio.

Mas o agravamento do El Niño agora leva a situação a extremos. Para complicar mais, dizem cientistas da Nasa e da Universidade da Califórnia em San Diego, publicados pela revista Nature, que as mudanças climáticas estão provocando um deslocamento das nuvens para os polos. O estudo, que abrange o período 1983-2009, afirma que com menos nuvens há aumento da temperatura da superfície e mais evaporação, “agravando as secas”. Até o PIB da agropecuária brasileira tem sofrido com as condições: caiu 0,37% no primeiro trimestre deste ano, segundo o Ministério da Agricultura (1.º/6) e o IBGE; também o PIB geral declinou 5,4%.

A concentração de gases de efeito estufa foi recorde no ano passado (O Globo, 13/6). Por isso mesmo 7.100 cidades de seis continentes se juntaram numa rede – Global Covenant of Mayors for Climate and Energy – para enfrentar a questão, já que as cidades respondem por 75% das emissões. EUA, Canadá e México assumiram o compromisso de aumentar o uso de “energias limpas” para 50%, de modo a cortar de 40% a 45% as emissões de gases poluentes (nos últimos três anos a redução foi de 4,5%; em 25 anos, baixa de 38%) – 55 países, responsáveis por mais de 50% dos gases, já os estão reduzindo (Reuters, 27/6).

São muitas questões. Estudos de J. A. Marengo Orsini, com base em relatórios de avaliação do IPCC/Painel do Clima (Eco21, abril 2016), mostram que até 2100 a temperatura do Pantanal brasileiro pode subir 7 graus Celsius por causa da redução de chuvas e do aumento da evaporação. Com 140 mil quilômetros quadrados, o Pantanal tem 80% de sua área em regiões semiáridas. Mas, de modo geral, racionamento “é desastre anunciado”, antevê Joaquim F. Carvalho, do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Folha de S.Paulo, 25/2) – embora tenhamos potencial hidrelétrico, eólico, fotovoltaico e bioenergético disponível e toda a energia consumida na região e no País possa vir de fontes renováveis.

Estudo do IPCC/Painel do Clima (Eco-Finanças 11/7) cria e analisa alguns cenários para a questão do clima. Num cenário de inércia, a temperatura planetária pode se elevar entre 4,1 e 5,6 graus Celsius; num cenário com continuidade das políticas atuais, o aumento ficará entre 3,2 e 4,4 graus; num cenário em que sejam cumpridos todos os compromissos voluntários já assumidos, a elevação estará entre 2,9 e 3,8 graus. Hoje a temperatura global está com aumento de quase um grau, comparada com a do início da era industrial. Entre os fatores que contribuíram para o aumento estão o derretimento de geleiras e furacões e secas mais frequentes, diz a análise.

É possível que o futuro seja ainda mais complicado. Para evitar isso é preciso chegar a uma transição para economia de baixo carbono, que exigirá investimentos de nada menos que US$ 3 trilhões por ano, 30 vezes mais que os US$ 100 bilhões anuais que tanta polêmica provocam nas conferências do clima. É decisivo também taxar o uso do carbono e redirecionar quase US$ 1 trilhão em subsídios a combustíveis fósseis.

Enquanto esses avanços não se concretizam, a Organização Mundial de Saúde alerta, em Paris (aviv, 8/7), para os riscos para a saúde causados pelas mudanças do clima; 7 milhões de pessoas já morrem a cada ano por esses fatores.

Ainda segundo o IPCC, o aumento da temperatura global “é inequívoco” e pode ultrapassar 4 graus Celsius. Em qualquer situação, pesa mais sobre a população mais pobre, em toda parte.

Em meio a tanto problema, uma pesquisa da Nature Scientific (Dia de Campo, 8/7) chama a atenção para o fato de um levantamento otimista feito na região central do Cerrado brasileiro haver concluído que os estoques de carbono no solo, no sistema de plantio direto, em longo prazo podem equiparar-se aos valores observados no Cerrado nativo – como avaliavam desde 2001 trabalhos desenvolvidos pela Embrapa Cerrados.

Precisamos evoluir para modos de vida mais adequados, compatíveis com estes tempos, que ainda podem chegar a situações mais graves. E isso pressupõe conceber e levar à prática políticas governamentais severas, que obriguem cada cidadão, cada empresa, cada órgão de governo a assumir a sua parte na equação. Estejam onde estiverem, morem onde morarem.

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.

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