• 14 de julho de 2015
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Política Nacional do Eterno Adiamento

Não são raros os casos de leis que demoram muitos anos para efetivamente entrarem em vigor, em geral são aquelas que mexem com interesses de setores ou que requerem ações mais efetivas e céleres do poder público, mesmo que a sociedade como um todo seja prejudicada em função desse atraso.

No caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos a questão em destaque é o fim dos lixões em todos os municípios brasileiros. Quando a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2010 (Lei 12.305/2010), depois de tramitar por lá nada menos que 20 anos, as cidades que ainda não faziam seus descartes de resíduos em aterros sanitários, teriam quatro bons anos para se adequar a lei. Eis que ao final do prazo, agosto de 2014, o Congresso brasileiro decidiu pela prorrogação por mais um ano, ou seja, agosto de 2015.

Com a proximidade do fim do prazo e diante da falta de empenho dos municípios, não deve causar estranheza o fato de o Senado Federal propor um novo adiamento. Um projeto de lei (PLS 425/2015) aprovou a prorrogação, desta feita de maneira escalonada, para que os municípios se adaptem à PNRS no que se refere ao fim dos lixões. O PL dos digníssimos senadores representantes da Câmara Alta brasileira definiu que: capitais e municípios de regiões metropolitanas terão até 31 de julho de 2018 para acabar com os lixões; já os municípios de fronteira e os que contam com mais de 100 mil habitantes terão um ano a mais (31/07/2019) para implementar os aterros sanitários; em relação as cidades que têm entre 50 e 100 mil habitantes terão prazo ainda maior, ou seja, até 31/07/2020; e os municípios com menos de 50 mil habitantes serão favorecidos com uma extensão de prazo até 31/07/2021, para cumprir o que determinava a lei. Agora o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados para apreciação e, apesar de não ter bola de cristal, posso afirmar que os atuais deputados pelo que temos visto até agora, certamente não deverão alterar a proposta do Senado.

Os lixões, como já disse antes, deveriam ter sido fechados e substituídos por aterros sanitários em todo o território nacional desde agosto do ano passado, mas quase três mil municípios e o Distrito Federal ainda não conseguiram cumprir as determinações. Segundo afirmou o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), autor da emenda que estabelece prazos diferenciados para o fim dos lixões, em declaração a Agência Senado, “a prorrogação do prazo é importante para os municípios conseguirem se adaptar à lei”. O senador argumentou que, em 2013, havia 1.196 lixões contra apenas 652 aterros sanitários no país e que para a criação de aterros sanitários são necessária ações complementares como definição de áreas de transbordo, implementação de coleta seletiva e campanhas educativas. Caso essas ações não sejam implementadas, argumentou Bezerra, os aterros ficariam prejudicados.

Outra posição a favor do adiamento do fim dos lixões veio da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), ao afirmar à Agência Senado, que “a maior parte dos municípios, por falta de quadros técnicos e gerenciais qualificados e de insuficiência de recursos financeiros, não conseguiu cumprir a determinação legal”. Ela considerou que a lei não foi realista quanto à extensão do problema e que foi definido um prazo exíguo para o seu cumprimento.

Apesar de fazer sentido toda essa argumentação, ela só chegou nessa situação durante todo esse período de vigência da lei, por muito pouco ter sido feito para soluciona-lo. Nesses cinco anos, a discussão sobre o fim dos lixões, no mínimo, deveria ter estado no centro do debate tanto na esfera municipal, como também na estadual e federal. Não foi isso o que assistimos e, o problema só se agravou desde então.

Necessidade de altos investimentos

Segundo a Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, das cerca de 70 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos coletadas no Brasil anualmente, 42% ainda têm destino inadequado por serem descartados em lixões e aterros controlados. A entidade divulgou recentemente um estudo inédito que estima o valor dos investimentos necessários para universalizar os serviços de tratamento e destinação final adequada de resíduos no país, em R$ 11,6 bilhões até 2031. Além desse valor também deveriam ser destinados outros R$ 15,59 bilhões ao ano para custear a operação e manutenção das plantas a serem construídas.

Para a Abrelpe, a maneira como se destinam os resíduos é a mesma que se fazia desde a década de 70, ou seja, de modo linear e de mínimo aproveitamento dos materiais. “Para universalizar a destinação final adequada nos termos da PNRS, o desafio está na implementação de um sistema cíclico, que abrange o maior aproveitamento e recuperação dos materiais, através da coleta seletiva, compostagem, reciclagem, recuperação energética e disposição final em aterro sanitário”, afirma Carlos Silva Filho, diretor-presidente da ABRELPE. “Tendo em vista o ritmo de crescimento registrado nos últimos anos, se o setor não contar com os recursos adequados e necessários para viabilizar os avanços, a sociedade e o meio ambiente continuarão por muito tempo sofrendo com a mazela dos lixões e com o desperdício de materiais”, acrescenta.

Para nossas autoridades e representantes eleitos para atender aos maiores interesses da sociedade brasileira, talvez ainda falte entender a importância para todos de uma boa gestão de resíduos. Ao adiarem indefinidamente algo que, antes de qualquer coisa, tem a ver com saúde pública e qualidade de vida, eles também postergam a responsabilidade para a solução do problema fazendo com que se agrave mais a cada dia. Há um esgotamento crônico na maneira como descartamos nossos lixos, ou melhor, resíduos e a tendência é que essa conta fique cada vez mais alta.

Se ao menos nossas autoridades escutassem o apelo do Papa Francisco na recente encíclica Laudato Si em que exorta os seres humanos a cuidar do planeta e na qual afirmou com todas as letras: “A Terra, nossa casa, parece se transformar a cada dia em um imenso depósito de lixo”, quem sabe no Brasil possamos construir uma história um pouco diferente. Então fica o pedido aos nossos deputados para que revisem ou mesmo rejeitem essa proposta do Senado e coloquem em debate um caminho mais construtivo que contemple da melhor maneira o interesse de todos os brasileiros. (#Envolverde)

* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos.

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