• 08 de dezembro de 2014
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Prefeitura de São José abre precedente para derrubada de 36 mil árvores na cidade

Casa de ferreiro, espeto de pau. O ditado popular sobre o descompasso entre a prática e a ação cabe perfeitamente na crise aberta pela prefeitura de São José dos Campos com ambientalistas e parte da comunidade científica. A cidade sede do INPE, que divulgou no final de outubro o alarmante Relatório de Avaliação Científica “O Futuro Climático da Amazônia”, está autorizando por lei a derrubada ou poda radical de mais de 36 mil árvores apenas no perímetro urbano.

Mesmo sob impacto do relatório desenvolvido pelo cientista Antonio Donato Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Centro de Estudos da Terra, do Inpe, que pede o plantio urgente de árvores em todos os lugares do país para minimizar os efeitos do desflorestamento no país, o prefeito Carlinhos Almeida (PT) envio e aprovou no legislativo local o que é considerado um desastre semelhante ao novo Código Florestal, só que agora na esfera municipal.

O motivo da polêmica é uma lei do próprio poder executivo que autoriza podas radicais e supressão de árvores da cidade sob alegação de ‘interesse social’. O motivo são câmeras de segurança do Comando de Operações Integradas (COI), que foram instaladas sob locais onde já existiam árvores adultas e por essas limitarem a observação das ruas.

A administração tomou essa medida se apoiando no discurso da segurança pública, embora a lei tenha uma amplitude muito maior. Qualquer árvore que não atenda aos critérios da prefeitura – que sequer são claros segundo ambientalistas – está sujeita a derrubada. Cerca de 10 árvores adultas foram retiradas ao lado do ribeirão Vidoca, no centro expandido, para a construção de um nova pista numa avenida para beneficiar um shopping center e uma concessionária de veículos.

Questionada, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente afirmou que não é obrigada a recuperar a mata ciliar do Vidoca e nem mesmo replantar espécies no mesmo local. Sua decisão está amparada pela lei.

“Diante do teor da legislação ambiental citada, não há a obrigatoriedade de reflorestamento, já que estas áreas podem ter outros usos no ambiente urbano compatíveis com as APP’S pela lei ambiental. Por exemplo, as margens do Córrego Vidoca na Av. Eduardo Cury se fossem totalmente reflorestadas poderiam representar um risco aos automóveis que trafegam na avenida, atraindo animais silvestres que podem ser atropelados e até mesmo propiciar usos clandestinos e violência”, respondeu por intermédio de seus técnicos ambientais.

Segundo a prefeitura, existem hoje na malha urbana cerca de 120 mil árvores. Deste volume, 36 mil são espécies inadequadas ou causam algum tipo de transtorno, como bloqueia das câmeras de vigilância, semáforos e placas, ou mesmo danificam calçadas e tenham copas grandes com perda de galhos após tempestades. E estão condenadas a serem suprimidas do cenário urbano pela nova lei.

Outro problema comum é a mutilação das árvores por podas radicais, que criam a desestabilização física e geram danos à saúde das espécimes plantadas na cidade. Os grandes motivadores disto são as concessionárias de telefonia e de energia elétrica, pois ambas promovem a remoção de galhos e de parte das copas para a passagem dos cabos descompensando totalmente as árvores.

A Secretaria de Serviços Municipais de São José dos Campos tem cortado um número significativo de árvores na cidade, principalmente em avenidas de grande movimentação. A intenção é replantar espécies menores e mais adequadas ao espaço urbano. O coeficiente atual de 5,8 habitantes para uma árvore seria reduzido uma árvore para cada grupo de 8 pessoas.

O ex-secretário de meio ambiente do município, André Miragaia, ficou surpreso com a decisão e a falta de um planejamento para uma ação tão drástica. Ele conta que árvores adultas eram retiradas dentro de um cronograma de reposição imediata de, no mínimo, 10 novas espécies. E isso era previsto ocorrer num novo ciclo depois de 10 anos. Nunca abrindo uma possibilidade tão radical e de alto impacto no meio ambiente.

Segundo o biólogo e ambientalista Marcelo Godoy a atitude prejudicará o meio ambiente urbano, pois as 52 câmeras que estão sob interferência de árvores adultas estão destinadas a serem derrubadas ou mutiladas com grandes danos a sua sobrevivência. Entretanto, alerta o especialista, essa lei abre precedentes para a retirada de mais de 36 mil árvores em toda malha urbana. Ele entrou com uma representação junto ao Ministério Público para evitar tanto a poda como a derrubada das árvores.

“Esse é um dos maiores absurdos que vi nos últimos tempos, para a prefeitura mudar as câmeras de lugar fica na faixa de R$ 20 mil que é um valor ridículo diante dos benefícios das árvores, que é imensurável. A cidade não pode aceitar que usem a questão da segurança para derrubar árvores, ainda mais num momento de mudança climática e que todos pedem para plantar e preservar”, criticou Godoy, que é presidente do Instituto Ecológico de Proteção aos Animais (Iepa).

Um petição digital foi aberta por cidadãos na qual se pede ao prefeito Carlinhos Almeida (PT) que revogue a lei de sua autoria. A petição precisa de 5 mil assinaturas e está nas redes sociais desde o último final de semana.

“Pedimos para V. Ex.ª Carlos José de Almeida, prefeito do município de São José dos Campos, que revogue a lei n.º 326/2014 de autoria do executivo, que altera a Lei n. 5.097, de 12 de setembro de 1997, que estabelece definições e normas para a vegetação de porte arbóreo no território urbano do Município e dá outras providências. A alteração diz:

“Será permitida a poda, o transplante e a supressão parcial ou total de uma árvore, por interesse público, quando a vegetação de porte arbóreo impactar na segurança pública, assim avaliado pela Secretaria Especial de Defesa do Cidadão”.

“Queremos nos manifestar como população que somos a favor das câmeras, mas precisamos que o problema apontado seja resolvido de outra maneira, pois estamos cada dia mais com deficiência na densidade arbórea do município, nossas árvores também são do interesse público, e estão ficando doentes por podas agressivas”, destacou o autor da petição Wagner D. Ribeiro.

* Júlio Ottoboni é jornalista diploma e pós graduado em jornalismo científico.

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