Pode ser otimismo excessivo ou desejo inalcançável, mas a discussão sobre a inspeção veicular que está nas páginas dos jornais (e já chegou à Justiça) pode, em princípio, conduzir a novas posturas e novas práticas que nos levem a mudanças inadiáveis na área do controle da poluição do ar por veículos (e, por extensão, a outras fontes poluidoras, como indústrias, geração e consumo de energia, etc.), além de ganhos importantes na área da saúde. O prefeito de São Paulo promete novos prazos para a inspeção: obrigatoriedade só após cinco anos da fabricação e a cada dois anos de uso; reavaliar o contrato assinado com a firma encarregada das inspeções de veículos a elas obrigados, assim como abolir a taxa de R$ 44,36 cobrada dos proprietários (e reembolsá-los em R$ 180 milhões) – sob muitos protestos de vereadores e outros. Em quatro anos, a partir de 2008, foram inspecionados 1,7 milhão de veículos, dos quais 50,36% foram reprovados por defeitos em componentes. Mas ainda assim houve redução de 49% nas emissões de monóxido de carbono e 39% nos hidrocarbonetos, segundo a Secretaria do Verde. Uma das críticas mais fortes aos novos rumos está em que os veículos com até cinco anos de uso respondem por 20% da poluição por monóxido de carbono; e que 50% dos veículos a gás não passariam numa inspeção. Além disso, proprietários que fazem mudanças nos catalisadores dos veículos podem aumentar em até 20 vezes as emissões. Um especialista que trabalhou 20 anos na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), Alfredo Szwarc, assegura que essas mudanças, assim como em filtros, sensores, bicos injetores, velas e outros, podem potencializar as emissões – daí a importância da aferição periódica. E cita advertência do Banco Mundial de que 10% da frota de veículos responde por mais de 50% das emissões. Assim como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, que considera possível reduzir imediatamente em 30% as emissões. Para atingir objetivos como esses o México, por exemplo, implantou a inspeção semestral. O tema é antigo, já que as primeiras resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre o tema datam de 1986. E vital, principalmente para a Região Metropolitana de São Paulo, que tem mais de 7milhões de veículos, respondendo pelas maiores emissões. A implantação da inspeção veicular poderia evitar muitos danos, principalmente à saúde, que são calculados em R$ 425 milhões anuais. Um valor que todos os cidadãos pagam – nos impostos, na sua saúde, na implantação e manutenção de estruturas viárias, etc. -, tenham ou não veículo. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo já mostrou que se o metrô não funcionar durante 24 horas, em São Paulo, a poluição do ar aumenta 75%, uma vez que 90% dela é gerada por veículos e 55% das pessoas se deslocam em transporte coletivo. Mais complicado ainda, nossos índices para controle da poluição são muito defasados, comparados com os recomendados pela Organização Mundial da Saúde, que limita em 20 microgramas por metro cúbico a concentração de material particulado, enquanto aqui o limite é de 50 microgramas. Numa medição no Ibirapuera, por exemplo, foram encontrados mais de 35 microgramas; em Cerqueira César, 45; em São Caetano do Sul, 35. Nosso novo limite para emissões de enxofre no diesel ainda é muito maior do que em quase todo o mundo. E o próprio Conama quer reduzi-lo a 20% do que é hoje. Não por acaso, o nível de poluição do ar na Grande São Paulo no ano passado foi considerado inadequado em 97 dias, em pelo menos um ponto. E tudo pode piorar com o aumento da frota de veículos, estimulada até por isenções de impostos. Mas o estímulo a esse setor não é privilégio brasileiro, tanto que este ano mais de 80 milhões de veículos serão acrescidos à frota mundial. Só na China serão mais 19 milhões de veículos (mais que em toda a Europa). Haja sistemas de saúde. Estatísticas de vários órgãos mostram, por exemplo, que só a melhor qualidade do diesel evita em São Paulo a morte de 584 pessoas e a internação de mais de 1.500, com economia de mais de R$ 100 milhões no sistema de saúde. Poderia ser mais se toda a Região Metropolitana de São Paulo adotasse a inspeção: 1.560 vidas, 4.045 internações, economia de R$ 420 milhões – já que, segundo a Cetesb, veículos respondem por 97% do dióxido de carbono na atmosfera, 77% dos hidrocarbonetos, 40% do material particulado. Mas somente 1 milhão de veículos passaram ali por inspeção nos cinco primeiros anos e 19,2% foram reprovados – sem contar a enorme parcela dos que “emigraram” para outros municípios, de modo a evitar a inspeção. Não são apenas veículos os geradores de problemas na atmosfera. Estudos da endocrinologista Maria Angela Zaccarelli mostram que a incidência de problemas na tireoide é cinco vezes maior entre os habitantes das proximidades do Polo Petroquímico de Capuava – localizado na divisa dos municípios de Mauá e Santo André. A agência de notícias France Presse relata estudos feitos durante dez anos em cinco continentes, com 3 milhões de casos, segundo os quais é alta a relação entre baixo peso de bebês e poluição ambiental. A poluição do ar foi responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas no mundo em 2010 (65% na Ásia), mais de 300% acima dos números de uma década antes (800 mil). Já é a segunda maior causa de mortes, após o tabagismo e o alcoolismo. A Associação Médica Britânica relaciona também (Popular Science, janeiro de 2013) a redução da expectativa de vida, a obesidade, riscos de acidente como fatores de risco em ascensão nessa área. Não faltam, portanto, evidências em favor do maior controle das emissões – sem falar na questão das influências no clima, em que a situação levou a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, a apontar em Davos as mudanças climáticas como a maior ameaça à economia mundial. * Washington Novaes é jornalista. ** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.