Valor do hectare sairá por até 3,72% do valor de mercado, revela cálculo do Imazon; governo diz que medida vai acabar com a falta de segurança jurídica na região
A redução da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, seguindo as regras da recém-sancionada MP da regularização fundiária (759), vai oferecer a um subsídio de até R$ 605 milhões aos produtores rurais, além de grileiros, que hoje ocupam ilegalmente a área pública da Amazônia, revela cálculo realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon.
Para chegar a esse valor, os pesquisadores Paulo Barreto e Elis Araújo, do Imazon, consideraram como base o valor de mercado de um hectare na cidade de Novo Progresso, no Pará: cerca de R$ 1.800. O número foi comparado com a tabela de valor de propriedade do Incra, que segundo a MP deve ser usada como referência para a venda: R$ 672 o hectare naquele mesmo município. A MP, no entanto, impõe que o governo receba entre 10% e 50% do valor dessa tabela, o que significa que o hectare sairá pelo valor mínimo de R$ 67 e pelo valor máximo de R$ 336. Considerando o preço de R$ 1.800, a regularização fundiária poderá ser feita por até 3,72% deste valor.
Segundo o Incra, a MP 759 vai diminuir os conflitos agrários e fortalecer a política fundiária no país. “Nosso desejo é promover uma verdadeira regularização da terra na Amazônia e acabar com a falta de segurança jurídica histórica”, disse José Dumont, coordenador-geral de Regularização Fundiária do Incra.
De acordo com Dumont, apenas com regras claras que evitem a disputa será possível conter a grilagem e frear o desmatamento. “Antes de poder ser pleiteada por uma pessoa física, a área em questão terá de passar por uma câmara técnica de destinação e, apenas, se não houver interesse público ou social ela poderá ser regularizada em nome de uma pessoa física”, afirma. “Não será algo trivial tomar posse de terra pública como se imagina, mas precisamos ter regras claras para cada uma das situações.”
A Floresta Nacional do Jamanxim é palco de conflitos fundiários recorrentes, de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo, atividades ligadas à grilagem de terra e regras frouxas para o uso e posse da terra. Na opinião de Araújo, a MP entrega o patrimônio ambiental aos especuladores e estimula o desmatamento na Amazônia. “O governo deixará de arrecadar entre R$ 511 milhões e R$ 605 milhões, mais uma medida criada para beneficiar grileiros que invadiram a unidade de conservação”, diz Elis.
Ela afirma que apenas o fato de o governo recolocar a redução da Flona Jamanxim novamente em discussão no Congresso Nacional é bastante negativo, já que o Congresso é dominado pela bancada ruralista. “Uma vez iniciada a tramitação do projeto, ele poderá ser totalmente alterado para beneficiar ao máximo os ocupantes ilegais”, diz.
Como o OC adiantou, na última quinta-feira (13), o governo federal cedeu às pressões da bancada ruralista e enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo o corte de 349.085 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. O PL substitui a polêmica Medida Provisória 756, que tiraria 486 mil hectares da unidade de conservação e foi vetada no mês passado pelo presidente Michel Temer.
O PL propõe a transformação da área recortada em APA (área de preservação ambiental), categoria de unidade de conservação que admite propriedade privada, produção agropecuária e mineração. A Flona ficará com uma área total de 953.613 hectares – hoje ela tem 1,3 milhão de hectares.
É uma perda maior do que o que havia sido proposto na MP 756 original, de 2016. O texto de então retirava 304 mil hectares da unidade de conservação e acrescentava outros 438 mil hectares ao Parque Nacional de Rio Novo. E dez vezes maior do que o parecer inicial do Instituto Chico Mendes, o órgão federal de unidades de conservação. Em 2009, o ICMBio admitia o corte de 35 mil hectares da Flona para “atender a demandas justas de posse”.
Mas é menos do que os 486 mil hectares que o Congresso queria retirar da Flona, para beneficiar grileiros que, em sua maioria, chegaram ao Jamanxim após a criação da unidade, em 2006.
Recortar Jamanxim é uma luta que proprietários rurais e políticos da região de Novo Progresso, no sul do Pará, travam há anos. Parte desta demanda é legítima e visa retirar da unidade propriedades que já estavam lá antes de a área protegida ser decretada, em 2006. Porém, como sustentou o próprio ICMBio em censo realizado em 2010, dois terços dos ocupantes atuais são grileiros que seriam beneficiados com a legalização da posse de terras públicas invadidas.
Há mais de uma semana, pressionando pelo envio do projeto de lei, moradores de Novo Progresso e outros municípios do entorno da rodovia BR-163 iniciaram uma série de bloqueios da estrada. Os manifestantes usam caminhões e até tratores destruídos pelo Ibama em operação contra o desmatamento para bloquear a rodovia. Na última sexta-feira, madeireiros incendiaram uma carreta com oito picapes novas do Ibama no distrito de Cachoeira da Serra, no município de Altamira. Em resposta, o Ibama passou a bloquear todas as serrarias da BR-163. A ação é progressiva e não tem data para acabar.