Medida Provisória aprovada na Câmara adia restauração florestal sem marco final para ação ser concretizada; Mata Atlântica não tinha relação com a MP discutida
No dia 30 de março, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 1.150/2022, que prejudica o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica e as Unidades de Conservação. Se o texto for confirmado pelo Senado Federal e sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representará retrocesso histórico, sem precedentes, nas nossas normas de proteção ambiental.
Os prazos para registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) vêm sendo adiados sucessivamente desde a entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, o chamado Código Florestal, por pressão da bancada ruralista e também dos órgãos ambientais estaduais, que não têm conseguido promover a validação dos registros do CAR. Na prática, isso vem retardando por mais de uma década a efetiva aplicação da lei. O registro no CAR é condição obrigatória para adesão ao PRA.
O objetivo do PRA é formalizar o compromisso do responsável da propriedade rural em restaurar a vegetação nativa desmatada antes de julho de 2008. Em troca, o responsável pelo imóvel rural pode se beneficiar de regras mais flexíveis e se livrar de multas ambientais.
A MP 1.150/2022 foi editada por Jair Bolsonaro (PL) durante os últimos dias de mandato, em 23 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o então Presidente alterou o Código Florestal ao definir que a adesão ao PRA poderia ser requerida pelo proprietário ou possuidor de um imóvel rural no prazo de 180 dias, contabilizados a partir da convocação por um órgão estadual ou distrital. Antes da edição feita por Bolsonaro, o prazo para a adesão era de dois anos após o prazo final para inscrição do imóvel no CAR. Uma emenda do deputado Daniel Agrobom (PL-GO) manteve a contabilização a partir da convocação dos órgãos oficiais, mas ampliou o prazo para um ano.
“O primeiro ponto negativo dessa alteração é o adiamento do prazo sem que ele tenha um marco final. Ele vai acontecer na medida em que órgãos ambientais forem analisando. E isso pode nunca acontecer. Se não analisarem, não vão convocar. E você não vai ter a implementação do Código”, explica Roberta del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal.
O prazo para aderir ao programa já foi adiado cinco vezes e seria encerrado em 31 de dezembro de 2022, se não houvesse a edição da MP de Bolsonaro.
Segundo o boletim de março do Serviço Florestal Brasileiro, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 6,9 milhões de imóveis estão registrados no CAR, mas somente 50% solicitaram adesão ao PRA. Conforme enfatiza uma análise técnica do Observatório do Código Florestal, o PRA é fundamental para a restauração dos ecossistemas e das áreas de proteção, o que protege o solo, melhora o clima, a qualidade das águas e preserva a biodiversidade. Sem a aplicação do PRA, o que se tem é anistia aos desmatamentos realizados até 2008 e o estímulo a novos desmatamentos.
Mata Atlântica
Se inicialmente a MP 1.150 era relacionada ao PRA, o Congresso a modificou incluindo emendas sem nenhuma relação ao tema, os chamados “jabutis”. A ação é considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas segue sendo aplicada no Congresso. A vítima da vez foi a Lei da Mata Atlântica, legislação instituída em 2006 para proteger o bioma, que segue do sul ao nordeste do Brasil e conta com apenas 12% da floresta original. Em nota técnico-jurídica publicada no dia 9 de abril, o Observatório do Clima lembra que a inclusão dos jabutis é uma violação ao processo legislativo, o que vai contra a própria Constituição Federal. É esperado que o Senado exclua as emendas por causa da injuridicidade e inconstitucionalidade.
O deputado Rodrigo de Castro (União-MG) incluiu uma emenda na MP 1.150 que permite o desmatamento da Mata Atlântica sem ações de compensação no caso de empreendimentos como linhas de transmissão de energia elétrica, gasodutos e sistemas de abastecimento público de água. Excluiu a obrigatoriedade de os responsáveis pelos empreendimentos lineares fazerem o estudo prévio de impacto ambiental (EIA) para a licença de supressão de vegetação. Além disso, tirou a necessidade de se fazer a captura, coleta e transporte de animais silvestres, garantida a realização do afugentamento dos animais, em empreendimentos lineares.
O texto aprovado permite derrubar a vegetação primária e secundária – aquela que nasce no lugar da original – em estágio avançado de regeneração mesmo quando houver outra alternativa técnica e locacional para o empreendimento. Passou exclusivamente para os governos municipais a competência de autorizar o corte e a exploração de vegetação secundária em estágio médio de regeneração em áreas urbanas, se o município tiver conselho de meio ambiente e plano diretor. No caso de vegetação em estágio inicial de regeneração, em áreas urbanas e rurais, abre para que a autorização seja municipal. Repassar a responsabilidade do estado para o município contraria a Lei Complementar 140/2011. A lista das licenças a cargo do município, segundo a lei complementar, é estabelecida por resolução do conselho estadual do meio ambiente e deve se restringir aos empreendimentos de impacto local.
Outro ponto é que a compensação ambiental da vegetação primária desmatada na Mata Atlântica poderá ser feita em outra cidade mais distante. Atualmente, a compensação ocorre no mesmo município ou na mesma região metropolitana.
Para Roberta del Giudice, transferir a responsabilidade da autorização de retirada da vegetação aos órgãos municipais dificulta o controle e fiscalização das ações. Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, também é bastante crítica à emenda aprovada: “O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade neste momento de emergência climática”, diz.
Somando-se as alterações previstas na Lei da Mata Atlântica no projeto de lei de conversão aprovado pela Câmara dos Deputados, tem-se a implosão das regras especiais de proteção do bioma mais degradado, que levaram catorze anos sendo debatidas no Congresso Nacional, entre 1992 e 2006. “Na verdade, regras especiais, específicas para um bioma, nem poderiam ser debatidas em um processo que tem como foco regras gerais constantes no Código Florestal”, explica Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
Unidades de Conservação e rios
O deputado Leo Prates (PDT-BA) aprovou uma emenda contra zonas de amortecimento e corredores ecológicos em unidades de conservação localizadas em áreas urbanas. Já o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) incluiu uma emenda que dispensa a consulta de conselhos de meio ambiente sobre vegetação protetiva nas margens dos rios e outros corpos d´água, piorando o retrocesso concretizado pela Lei nº 14.285/2021, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7146 perante o Supremo Tribunal Federal. (PRISCILA PACHECO)