Rio+20: Falência da diplomacia, fraqueza da democracia
Deixamos o Rio de Janeiro com o terrível mal-estar de um planeta ferido. Foram mobilizadas dezenas de milhares de pessoas e quase uma centena de chefes de Estado para adotar um texto de 50 páginas do tipo “pegar ou largar”, que balbucia engajamentos já assumidos há muito tempo, porém não mantidos! Em todos os sentidos do termo, a missa foi rezada. Mas está fora de questão assumir nossas interdependências! Não pode haver direito de fiscalização de um Estado pelo outro! Cada um é dono de seu próprio nariz! E a participação da sociedade civil? Depois de meses tentando, sem sucesso, inserir propostas no texto oficial, o stakeholder forum, que representa diversos atores atuantes na ONU, denunciou publicamente o baile de máscaras.
A União Europeia, pressionada a aceitar o texto apresentado pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores, se rendeu após disparar alguns tiros ao ar por orgulho. Rendeu-se, sim, mas atenção: permaneceu unida! Consenso. Todos estavam de acordo.
Os especialistas em negociação internacional introduziram no texto alguns avanços: algumas palavras suplementares sobre a governança integrada dos oceanos, um fórum de atores que se transformará em um fórum de alto nível, algumas promessas vagas sobre o reforço do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o engajamento para elaborar objetivos relacionados ao desenvolvimento. O negociador brasileiro compartilhou a seguinte confidência comovente: nós recuamos menos do que temíamos recuar! Ou seja, não se trata mais de um engajamento para a grande transição. Estamos em uma Batalha de Verdun.
A declaração multiplica os chamados às coletividades territoriais. Excelente! Mas, neste contexto, foi mais uma constatação de falência: os Estados, incapazes de conduzir uma mudança urgente, devolvem a chave da cidade planetária. A Rio+20 foi a comprovação da falência de uma ordem mundial intergovernamental reduzida à diplomacia: a presidenta brasileira orientou seu ministro das Relações Exteriores a conduzir as negociações com outros ministros das Relações Exteriores. Não eram ministros de assuntos mundiais ou de assuntos comuns planetários! Somos “nós” enfrentando o “resto do mundo”. O planeta não é uma questão a ser discutida, mas um campo de batalha de vontades de poder.
Será, então, que os “interesses nacionais” existem de fato em essência ou não seriam eles construídos em função desta instituição chamada Estado nação? Seriam eles diferentes em relação a todos os outros? Evidentemente não. A própria maneira de organizar o diálogo internacional predetermina o resultado. Não existe, em nível mundial, nenhum organismo encarregado de “falar do interesse geral” como é o caso da Comissão Europeia, que fala pela Europa. O projeto de declaração foi apenas o fruto de uma síntese de propostas nacionais. Resultado: a produção de uma reafirmação, página após página, da soberania nacional e um catálogo de boas intenções, cuja prática dependerá de engajamentos voluntários.
Outro modo de negociação, por exemplo, por meio de uma assembleia mundial de cidadãos a representar diferentes forças sociais e encarregada de elaborar propostas sujeitas à deliberação dos Estados, traria um resultado muito diferente. A contradição entre o nível de nossas interdependências e o modo de gestão baseado no mercado se tornou explosiva. Em vinte anos, os equilíbrios dos quais nossa sobrevivência depende não pararam de se degradar. Nossa governança mundial se tornou o mais grave de todos os riscos para a sobrevivência da humanidade. Ocorreu no Rio de Janeiro uma Munique ecológica mundial: os chefes de Estado retornaram às suas casas, aliviados pelo consenso encontrado. Mas quantos ainda terão que resmungar “que imbecis”, como fez Daladier ao voltar do Acordo de Munique feito com Hitler, quando foi aclamado pelo povo, diante do resultado obtido?(1)
E agora? Será preciso tomar iniciativas que desagradam. Avançar com aqueles que quiserem avançar. Abandonar a ideia de que um comércio mundial livre e sem condicionantes sociais e ambientais vai garantir a paz. Se alguma paz houver, será como aquela de Munique, uma paz que prepara a futura guerra. Comecemos por admitir que todos os atores, sejam públicos ou privados, devem prestar contas para a comunidade mundial do impacto de seus atos, uma vez que este impacto ultrapassa as fronteiras nacionais, e construamos, sobre esse princípio, um direito internacional. Coloquemos em prática um comércio internacional baseado em cadeias de produção e consumo sustentáveis e iniciemos um debate internacional sobre um novo modelo de economia. A União Europeia, apresentada atualmente como o corpo doente da globalização, é a única que vem inventando a maneira de se unir mantendo o respeito às diferenças e que tem aprendido a superar de modo pacífico seus egoísmos nacionais. Cabe a ela tomar a palavra e, feita a reflexão, recusar uma Munique ecológica mundial. E a França se orgulhará de desempenhar um papel de protagonista neste processo.
1 (N. do T.) Édouar Daladier, primeiro-ministro francês durante o início da Segunda Guerra Mundial, foi pressionado pela Inglaterra a assinar o Acordo de Munique, que permitia a Hitler anexar a Tchecoslováquia. Daladier, contrário ao acordo por saber das pretensões expansionistas de Hitler, acabou cedendo a contragosto. Ao voltar para a França, esperava uma recepção hostil, por uma decisão que ele próprio julgava errada. Ao contrário, foi aclamado pelos franceses, levando-o a resmungar para o diplomata Alexis Léger, que estava ao seu lado, “que imbecis”, referindo-se aos que o aplaudiam.
* Pierre Calame é presidente da Fundação Charles Mayer para o Progresso do Homem, com sede na França.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.