Rio+20: O Ponto de Partida
O Rio volta a ser palco de uma conferência sobre desenvolvimento, desta vez com muito mais urgência nas mudanças necessárias e uma elevada dose de ceticismo sobre a capacidade dos governos em mudar o rumo do mundo.
Em tese, a conferência Rio+20 deveria ajudar a definir a face do futuro para a humanidade. Há alguns consensos globais em relação à degradação ambiental e à necessidade de redução das desigualdades, concordâncias no atacado, mas muitas dúvidas no varejo. Desde que a conferência foi proposta, pelo ex-presidente Lula, durante a abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2007, se iniciou uma infindável série de consultas para fechar uma agenda que contemple os interesses de quase duas centenas de países participantes. Dois eixos foram definidos pela ONU para os debates no Rio: “A Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e da Erradicação da Pobreza” e “Governança Global para o Desenvolvimento Sustentável”.
A chamada Economia Verde é alvo de uma polêmica: enquanto propõe aplicar tecnologias para reduzir as emissões de carbono com a criação de empregos decentes e inclusão social, o conceito poderia servir como maquiagem para uma reforma superficial do atual modelo econômico, sem alterar substancialmente as atuais regras de mercado, sujeitas a crises periódicas e que perpetuam desigualdades. No outro vértice está a governança global, que à diferença do que acontecia em 1992, encontra um campo mais fértil junto a governos que estão atuando fortemente para superar crises que tem em sua origem o excesso de desregulamentação dos mercados e a diminuição do papel do Estado. O Brasil está entre os países onde o crescimento econômico está baseado em uma economia fortemente incentivada através de políticas públicas e tem sido visto como modelo por outros países que ainda não conseguiram superar o naufrágio financeiro de 2008.
A Rio+20 conta com instrumentos novos para o debate e implantação de modelos de gestão para as mudanças de rumo necessárias, tanto na economia, como na governança. O principal documento a ser publicado ao final da Conferência, com o expressivo título “O Futuro que Queremos”, será uma declaração de intenções de quase duas centenas de chefes de Estado e de governo. Não será um tratado global com força de lei, mas será uma nova bússola para o desenvolvimento da economia e da governança global. A novidade é que, assim que divulgado, esse documento estará na internet, em dezenas de idiomas e sendo discutido, criticado e apoiado por bilhões de pessoas ao redor da Terra. Algo impensável em 1992.
A inexistência de um acordo forte não autoriza uma avaliação antecipada que aponte o fracasso a Rio+20. Secretário (com status de ministro) do Meio Ambiente durante a Rio 92, o professor José Goldenberg lembra que naquela Conferência foi feito um grande esforço para adotar medidas mandatórias. “Um ponto muito bom foi a adoção da Agenda 21, que tem um caráter parecido com o da Rio+20: é um conjunto de exortações e de propostas. Não tem metas, simplesmente delineia caminhos. A Agenda 21 não foi aprovada em 1992: os governos não votaram. Ela se tornou um compromisso voluntário, mas curiosamente milhares de prefeitos em todo o mundo acabaram adotando muitas daquelas medidas e avançaram em direção à sustentabilidade”, explica o ex-ministro.
Sem mandato para voos mais ambiciosos, a Rio+20 deve gerar uma “Plataforma de Compromissos” voluntários de governos, empresas e organizações sociais; um conjunto de “Recomendações da Sociedade Civil” como resultado dos Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável; e finalmente a Declaração dos chefes de Estado e de governo: “O Futuro que Queremos”.
Uma inovação do governo brasileiro foi a criação de 4 dias de “Diálogos”, que devem atrair ao Riocentro até 50 mil participantes – de Organizações Não Governamentais, empresas e movimentos sociais do mundo todo – para “gerar propostas de como a sustentabilidade pode ser aplicada a uma série de questões”, de segurança alimentar a migrações, passando pelo complexo tema da produção e consumo sustentáveis. Esse evento acontece de 16 a 19 de junho, encravado entre a Prepcon – conferência preparatória que do dia 13 ao dia 15 reúne a alta diplomacia internacional para dar contornos finais ao documento “O Futuro que Queremos” – e a cúpula de governantes propriamente dita, do dia 20 ao dia 22.
“Pela primeira vez nós estamos promovendo um diálogo da sociedade civil com os chefes de governo, chefes de Estado a partir de uma pauta específica” – disse a Carta Verde a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. “Antes você ficava com o chefe de Estado num mundo à parte, encastelado. Agora, não: estamos colocando no cenário político o setor produtivo e a sociedade civil – mulheres, negros, todos os movimentos sociais – para debater temas estratégicos da agenda mundial.”
A mais espessa das nuvens de interesses que separam os dois mundos, sociedade e governos, se resume a uma questão simples para os céticos da Economia Verde: “Quem vai pagar a conta?” Ao fim da rodada extra de negociações, que ocorreu de 29 de maio a 2 de junho em Nova York para refinar a declaração dos governantes, o secretário-geral da Rio+20, Sha Zukang, disse existir a expectativa de que os países desenvolvidos “avancem mais rapidamente para mudar os padrões de consumo insustentáveis” e “cumpram a promessa de ajuda ao desenvolvimento”. Era uma referência ao fato de que os US$ 129 bilhões doados pelos países ricos em 2010 representam menos da metade dos 0,7% do PIB que, em setembro de 2000, eles acordaram oferecer anualmente às agências da ONU para ajudar os mais pobres a atingir em 2015 os Objetivos do Milênio (ODM) – um conjunto de 8 metas que devem ser alcançadas para melhorar a qualidade de vida das populações mais carentes. Já os países em desenvolvimento, segundo o diplomata chinês, “precisam evitar o modelo de crescimento convencional, baseado no uso intensivo de recursos naturais“.
Do G-20 à Rio+20
A avaliação do secretário-geral indica que a Rio+20 é, em essência, uma Conferência que mira o futuro, que pretende estabelecer rumos para o desenvolvimento sustentável a médio e longo prazos, a despeito da urgência imposta pela confluência de crises, a ambiental, a financeira e a social. No curto prazo os líderes dos países ricos estarão frente a frente, nos dias 18 e 19, com os governantes dos 8 maiores países em desenvolvimento, na reunião do G-20. Evidentemente terão impacto na cúpula do Rio as decisões desse encontro, que acontece no México. Se a Economia Verde pode oferecer instrumentos para a sonhada mudança estrutural da economia global, uma fresta se abrirá nessa data, quando a maior parte dos chefes de Estado e de governo voará de Los Cabos, na Califórnia mexicana, para debater o Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro.
A diplomacia brasileira aposta que a anunciada ausência do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e da chanceler alemã, Angela Merkel, será amplamente compensada pela presença maciça dos emergentes – o grupo de países que mais cresceram e transformaram a economia global nas duas décadas recentes. Em consequência dessa transformação, o Brasil já tem 7% dos empregos formais gerados por empreendimentos “verdes”, de acordo com estudo publicado semana passada pelo Pnuma em colaboração com a OIT (Organização Internacional do Trabalho). O estudo defende que uma economia mais verde é sinônimo de criação de mais empregos.
Uma forma de facilitar o engajamento da sociedade global nos esforços para construir uma Economia Verde pode ser a adoção de uma proposta que vem sendo feita pelo governo da Colômbia, o estabelecimento dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – que a exemplo dos Objetivos do Milênio seriam compromissos com metas, prazos e resultados definidos. Mas a crise financeira global e a diversidade de estágios das economias nacionais são barreiras que impedem os representantes de mais de 190 países de chegar a um consenso – a desgastante fórmula de negociação de tratados internacionais adotada pelas Nações Unidas. O que se espera, agora, mais modestamente, é que haja uma declaração de princípios, com prazo para negociação de metas até 2015.
Governança e Segurança
Seja qual for o nível de ambição dos consensos pactuados para implantação da Economia Verde com inclusão social, a governança global para o desenvolvimento sustentável também passará por uma revisão. Uma das opções que se estuda, considerada modesta, mas com apoio aberto do governo brasileiro, é melhorar o status do Pnuma – o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que hoje funciona à mercê das doações (às vezes “carimbadas” para financiar atividades específicas) de um grupo reduzido de 58 países. O Programa seria transformado numa agência com mandato semelhante ao da Organização Mundial do Comércio para negociar políticas e impor sanções.
Com tantas implicações políticas e econômicas de gravidade extrema, é mais provável que surja na Conferência uma proposta de criação de um Conselho do Desenvolvimento Sustentável, com suporte político da Assembleia Geral das Nações Unidas para ter autonomia na formulação da Economia Verde.
Outro tema que desperta paixões e vai emergir na Rio+20 é a substituição do conceito de Produto Interno Bruto (PIB) para medir a atividade econômica. “Você destrói uma floresta inteira, mas como existe atividade e um produto gerado, isto vai aumentar o PIB Isto é certo?” – pergunta o ex-ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, ao defender o estabelecimento de uma nova métrica. “É fundamental substituir o PIB por um indicador de desenvolvimento sustentável, que além do crescimento econômico tenha indicadores de redução da pobreza e indicadores que sirvam para quantificar o passivo ambiental que você acaba produzindo no curso do desenvolvimento.” Outro defensor da tese de que o PIB não pode mais ser um indicador de sucesso é o economista Ladislau Dowbor, que faz uma conta simples: “Produzimos no mundo 2 bilhões de toneladas de grãos, o que equivale a 800 gramas por pessoa por dia, sem falar de outros alimentos. Se dividirmos os US$ 63 trilhões do PIB mundial pelos 7 bilhões de habitantes da Terra, são R$ 5.400 por mês por família de quatro pessoas”. Para ele a medida do sucessor deveria ser justamente a capacidade de se oferecer condições dignas e qualidade de vida para todos os habitantes da terra. E lembra: “Essa conta foi feita para os atuais 7 bilhões de pessoas que existem, mas em 2050 devemos ser 9 bilhões”.
Limites da Inovação
Por trás de todo o debate às vésperas da Rio+20, na fronteira do conceito de Economia Verde encontra-se o paradoxo entre os limites de um planeta finito e as possibilidades de superação das crises que a inovação tecnológica proporciona. “Até hoje, todas as previsões de catástrofes iminentes ou quase iminentes foram superadas por revoluções tecnológicas” – pondera o ex-ministro José Goldenberg. “Um dos problemas mais agudos, o do suprimento de energia limpa, seguramente tem solução porque há uma fonte inesgotável, que é o Sol. Nós a estamos usando apenas parcialmente, com a eólica e as células fotovoltaicas, que são energias solares.”
O ex-ministro e cientista alerta, no entanto, que “as revoluções tecnológicas não resolvem o problema da equidade, o problema de atender às necessidades dos mais pobres sem provocar a reação adversa dos mais ricos” , explica. Talvez seja este o sintoma mais agudo de decadência de um sistema, que o também físico Fritjof Capra identificou como ponto de mutação para uma nova ordem na sociedade humana.
A Conferência Rio+20 começa com baixa expectativa de resultados, justamente por isso pode terminar por ser uma oportunidade para o debate de muitas ideias para resolver problemas que já estão diagnosticados e que precisam apenas de vontade política para a mudança.