Ambientalistas fazem esforço de última hora para impedir que Comissão de Finanças da Câmara vote texto resultante de quebra de acordo, que enfraquece lei de licenciamento
Uma comissão liderada por deputados ruralistas e que tem cinco de seus membros na lista da Odebrecht pode definir nesta quarta-feira (4) o enfraquecimento do licenciamento ambiental no Brasil, que atenderia aos interesses do agronegócio e das empreiteiras investigadas na Lava Jato. Às vésperas da votação, porém, entidades de classe e do terceiro setor e deputados ambientalistas se uniram para tentar impedir a votação.
“Fiz meu apelo e gostaria de confiar que tudo vai ocorrer conforme planejamos”, disse o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), após uma conversa com o presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), Nílson Leitão (PSDB-MT). Segundo ele, Leitão teria sinalizado a retirada do projeto de votação da Comissão de Finanças e Tributação, que se reúne na manhã de hoje para apreciá-lo.
O Ministério do Meio Ambiente também está pressionando para não votar o projeto nos moldes atuais. O coro de oposição ganhou ainda mais força com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Ministério Público Federal (MPF). “O cenário é incerto, estamos agindo, mas não sinto confiança nem otimismo”, disse Maurício Guetta, advogado do Instituto SocioAmbiental (Isa).
Existe, porém, o receio de que a bancada ruralista, que detém mais de 200 votos na Câmara, use o licenciamento como moeda de troca em meio a duas grandes negociações que dominam o debate no governo: as reformas trabalhista e da Previdência. O risco é que o projeto seja aprovado a reboque, já que o tema está longe de centralizar as atenções. A Comissão de Finanças tem entre seus membros titulares Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), Mário Negromonte Jr. (PP-BA), Paulo Henrique Lustosa (PP-CE), Pedro Paulo (PMDB-RJ) e Yeda Crusius (PSDB-RS), todos integrantes da lista de Facchin, investigados na Lava Jato. Há ainda deputados ligados a mineradoras e à indústria.
A sétima versão do substitutivo de lei do licenciamento, apresentada na semana passada pelo deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS), causou uma reviravolta em um tema que estava próximo do consenso. Um projeto em construção há um ano vinha sendo negociado nos últimos meses com a bancada ruralista pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA). Segundo o MMA, a proposta contemplava pontos de interesse do agronegócio, da indústria e dos ambientalistas. Era uma tentativa de barrar um projeto relatado por Pereira e que ficou conhecido como “licenciamento flex”, que atendia exclusivamente aos interesses do agronegócio e da CNI (Confederação Nacional da Indústria)
Mas a FPA, com apoio da CNI, quebrou o acordo que havia sido feito com o ministro. Em abril, Mauro Pereira apresentou à CFT uma versão do texto em negociação cheia de retrocessos. A nova proposta permite, por exemplo, pavimentar sem licenciamento a polêmica rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que corta uma das áreas mais preservadas da Amazônia e tem o potencial de fazer o desmatamento explodir. O projeto, datado de 5 de abril e alterado em 19 de abril, recebeu uma crítica dura da presidente do Ibama, Suely Araújo, que disse que ele causará questionamentos judiciais e será ruim para os empreendimentos e para a proteção ambiental.
O deputado ruralista afirma que o projeto recebeu melhorias consideráveis nesta última versão, não perdeu rigores da legislação ambiental e conseguiu algo inédito: a capacidade de “representar legitimamente o compromisso com o desenvolvimento sustentável” do Brasil: “Eu sei que não há como agradar a todo mundo, mas acredito que a proposta atenda a 90% de todos os interesses colocados na mesa”, disse Pereira.
Só que não. O texto a ser votado na CFT é basicamente o mesmo de 19 de abril e contempla os interesses da bancada ruralista. Ele traz uma extensa lista de atividades que passariam a ser isentas de licenciamento. Além de toda a atividade agropecuária, também estariam dispensadas obras de captação de água, dragagem de hidrovias e obras rodoviárias e ferroviárias de manutenção, contemplando “conservação, recuperação, restauração e melhoramentos, pavimentação e adequação da capacidade”.
O projeto de Mauro Pereira deixa na mão de Estados e municípios a definição do rigor do licenciamento. Para a área ambiental, isso é inaceitável, porque causaria uma espécie de guerra fiscal entre os Estados – na qual cada um tentaria afrouxar mais do que o outro as exigências ambientais com a finalidade de atrair empreendimentos.
Obras paradas, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte, objeto de uma série de contestações do Ministério Público, não seriam mais resolvidas na Justiça e sim por uma “câmara de arbitragem”. Trata-se de um instrumento criado no direito comercial para resolver questões entre entes privados, mas que não se aplica a direitos coletivos – como é o caso do meio ambiente.