• 06 de outubro de 2015
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Serra da Mantiqueira começa a perder a batalha para as sucessivas estiagens

A Serra da Mantiqueira, assim como os reservatórios de água de São Paulo, está perdendo sua resiliência hídrica. Ou seja, sua capacidade de se recuperar está despencando se comparado a algumas décadas. O Inverno seco e quente, como o previsto pelos meteorologistas e que tende a se perpetuar, agravou além do quadro de crise hídrica. A Mantiqueira está produzindo cada vez menos água.

Os moradores locais foram os primeiros a perceber o declínio hídrico desta que é considerada uma imensa ‘ caixa dágua’ natural para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e parte de Minais Gerais. Agora os pesquisadores começaram a explorar de maneira mais aprofundada o tema e que deve ganhar um embalo maior, já que o ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, era um cético quanto ao aquecimento global antrópico e vinha cortando verba e perseguindo cientistas que se dedicavam ao tema e em contradizer suas convicções.

Mesmo com esse início de primavera mais chuvosos, ainda é impossível se prever o comportamento do clima durante toda a estação e o verão. Ondas de calor são cada vez mais frequentes e potencializadas pelos extremos climáticos e pelas cidades do eixo Rio-São Paulo. As águas que brotam na serra são as grandes responsáveis pelo abastecimento da represa do Jaguari e das existentes no Vale do Paraíba paulista, mineiro e parte do fluminense, assim como de rios importantes como o Paraíba do Sul, Paraibuna mineiro e paulista e o Rio Claro.

Depois de um ano, o fotógrafo de natureza, Ricardo Martins, voltou ao maciço que separa os Estados de São Paulo e Minas Gerais e ficou espantado com o que viu. Quando produzia seu livro Amantikir já havia se espantado com as condições das nascentes, que estavam praticamente secas. Além do altos níveis de desmatamento, que transformaram as encostas e contrafortes serranos em campos de pastagem.

“A situação praticamente não mudou, continua em estado de tragédia ambiental. Temo muito que possa haver um incêndio na mata existente por ela estar muito seca, há muita biomassa no solo e as madeiras estão ressecadas. Vi a cachoeira do Encontro, em São Bento do Sapucaí, o nível de água mais baixo que vi, ela deve estar com um volume 90% menor do que o normal”, comentou Martins.

O mesmo caso acontece com a cachoeira da Pedreira, também na região, ela está atualmente com cerca de 30% a menos do que seu volume normal. Outra cachoeira famosa na região, a do Chico Bento, em Guaratinguetá (SP), no bairro do Gomeral, também sofre com a seca.

A cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Maria Paulete Pereira Martins, alerta que choveu muito pouco nos anos de 2014 e agora, em 2015. Para a pesquisadora a seca é preocupante e é um cenário que precisa de urgente intervenção na restauração do meio ambiente natural para ser minimizado. “Nunca deixamos de ter um risco de agravamento desta crise hídrica”, observou. “Mesmo com o El Niño, isso não é uma situação definitiva, as pessoas que não se enganem”.

A bacia do Rio Paraíba do Sul abastece a região metropolitana do Rio de Janeiro e várias cidades importantes em seu percurso, como Resende (RJ), Volta Redonda (RJ) e a própria capital. A represa do Funil está totalmente contaminada por diversos tipos de poluição, inclusive metais pesados. Uma possível falta de água impactaria diretamente nas obras para as Olimpíadas, assim como no próprio evento.

Um colapso hídrico no sistema do Paraíba do Sul, que era previsto já no ano passado por pesquisadores para setembro deste ano, parece ter pouco sensibilizado as autoridades e boa parte da população, que retomou antigos hábitos como lavar calçadas, carros entre outros tipos de desperdício.

O ex-ministro da economia, Antônio Delfim Netto, fez um sério alerta aos militares e ao governo brasileiro em agosto último, na sede do Comando Militar do Sudeste, situado em São Paulo. E pediu investimentos no setor militar para defender o patrimônio natural do Brasil, em particular a água doce e própria para consumo.

“As pessoas levam essa questão da defesa um pouco na brincadeira e se esquecem de que o Brasil tem tudo que os outros querem. Nós temos que ter a capacidade de dissuasão antes de queiram tomar a água da gente”, declarou. “A tendência do governo, não é na verdade dos economistas do governo, que se pode deixar a defesa para depois. O Brasil exporta água, temos os dois líquidos fantásticos, petróleo e água. Temos que ter o mínimo de defesa dissuasiva”, comentou o ex-ministro.

Sua fala, no entanto, voltou a abordar o perigo de não se ter um país aparelhado para um confronto que ofenda sua soberania e mesmo uma invasão externa. Delfim disse que é totalmente ultrapassado o argumento que inexistem riscos para o Brasil, que é um país sem conflitos, ataques a sua soberania e território ou possibilidades de conflito armado. “A prioridade da indústria de defesa é um pouco maior do que pensam os ingênuos”, ressaltou.

* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.

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