Suape: um desafio para Pernambuco
Trata-se de um Complexo diferenciado no que se refere à dimensão ambiental, pois 51% da área é destinada à preservação. Suape está se tornando um germe de nova centralidade econômica na região metropolitana do Recife”, assinala o economista Valdeci Monteiro dos Santos.
A ideia de estruturar um porto e um complexo industrial em seu entorno na região metropolitana de Pernambuco é antiga e remete ao padre francês Louis Joseph Lebret, que já nos anos 1950 vislumbrava a possibilidade de desenvolver o Estado pernambucano. Em 1983, suas ideias ganharam forma e Suape passou a operar. Até meados de 2005, o porto teve “limitada capacidade de irradiação na economia regional”. Entretanto, nos últimos sete anos “passa a vivenciar uma nova etapa caracterizada por uma verdadeira ‘avalanche’ de investimentos produtivos, cujo marco foi o anúncio da instalação da Refinaria de Petróleo General Abreu e Lima”, relata o economista Valdeci Monteiro dos Santos à IHU On-Line.
A ampliação de Suape tem gerado controvérsias entre aqueles que defendem o desenvolvimentismo e os que levam em consideração as implicações sociais e ambientais que um empreendimento deste porte poderá acarretar em alguns municípios pernambucanos. De acordo com o economista, “Suape convive com um entorno complexo: herdeiro de grande pobreza (cidades e população); recém-saído do rápido fechamento de numerosas usinas; dotado de rico patrimônio natural e cultural (polo turístico nacional – o melhor destino de praia do Brasil); com infraestrutura de acessibilidade insuficiente para os novos tempos; inserido numa metrópole em redefinição e dialogando com municipalidades pouco estruturadas”, afirma o economista. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Santos avalia que “Suape, ao mesmo tempo em que é uma grande oportunidade para Pernambuco, é também um grande desafio que passa pela necessidade de ações concretas visando a um crescimento sustentável e profundas mudanças na cultura empresarial, dos governos e da sociedade em geral”.
Valdeci Monteiro dos Santos é doutor em Economia pela Unicamp, professor de Economia da Universidade Católica de Pernambuco e sociodiretor da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan). Integrou a equipe do consórcio Planave-Projetec, que elaborou o Novo Plano Diretor de Suape (2010) e está atualmente participando do Projeto Suape Sustentável, integrando a equipe do Consórcio Diagonal-Ceplan.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pode nos dar uma visão geral sobre o Complexo Industrial Portuário de Suape? Quais as atividades econômicas que concentra e as obras de ampliação?
Valdeci Monteiro dos Santos – O Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS) tem uma área de 13,4 mil hectares (equivale à área da cidade do Recife) e está localizado, em parte, nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho.
A estrutura portuária atual envolve um porto que opera navios nos 365 dias do ano, sem restrições de horário de marés e que movimenta cerca de dez milhões de toneladas de carga, destacando-se, entre elas, os granéis líquidos (derivados de petróleo, produtos químicos, alcoóis, óleos vegetais, etc.), a carga geral em contêineres, os granéis sólidos e a carga geral solta/diversa que, segundo o seu novo Plano Diretor, finalizado em 2010, deverá ter seu layout, especialmente em termos de novos cais internos, muito ampliado até 2030.
Com relação à área destinada para as indústrias e atividades de logística, os dados mais atuais apontam para a existência de cerca de 120 empresas em operação ou em processo de instalação. Fora os investimentos produtivos já incorporados, estão sendo alocados neste momento recursos da ordem de R$ 45 bilhões e cerca de 50 mil empregos gerados na parte de construção dos projetos (apenas a Refinaria General Abreu e Lima, no pico das obras que está ocorrendo este ano, está demandando 40 mil trabalhadores).
Em termos setoriais, podem ser destacadas em Suape as áreas: I) petróleo e gás (Refinaria Abreu e Lima); II) petroquímica, têxtil sintético e resina plástica (Petroquímica Suape, Citepe, Mossi & Guisolf, Cristal Pet, Brasalpa, Lorempet); III) naval (estaleiro Atlântico Sul, estaleiro Promar, Construcap, Navalmare); IV) energia eólica (Impsa Eólica, RM Eólica); V) Siderurgia (Companhia Siderúrgica Suape – CSS); VI) alimentos e bebidas (Bunge, Pepsico, Rexam, Pernod Ricardo, Campari, Coca-Cola, Cereser); VII) cerâmica (Duratex, Pamesa, Thor); VIII) polo de granéis líquidos e gases (Decal, Tequimar, GLP, Brasilgas, Petrobras, Ultracargo, Pandenor, Temape, Pool Petrobras/Shell/Esso/Ipiranga/Texaco); IX) complexo logístico (Cone Suape), centrais de distribuição (CD GM) e terminal de contêineres (Tecon).
Os grandes projetos em fase ainda de implantação são a Refinaria Abreu e Lima (R$ 26,6 bilhões), Petroquímica Suape (R$ 5 bilhões), CSS (R$ 1,8 bilhões), estaleiro Promar (R$ 1 bilhão), Construcap (R$ 750 mi), Navalmare (R$ 500 mi) e Impsa Hydro (R$ 250 mi).
Além das zonas portuária e industrial-logística, o CIPS conta com 51% de sua área como zona ambiental e também conta, dentro de seus limites, com a presença de diversas comunidades perfazendo um contingente que gira em torno de 28 mil pessoas. Em sua grande maioria, comunidades irregulares (um segmento pequeno de moradores são os antigos colonos).
Vale também lembrar que o Complexo está inserido no que o governo de Pernambuco estabeleceu, e o Plano Diretor de Suape chancelou, como o chamado Território Estratégico de Suape, que compreende oito municípios além de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, localidades onde se situam a área do CIPS e os municípios que ficam em seu entorno, quais sejam: Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Escada, Ribeirão, Sirinhaem.
IHU On-Line – O Complexo tem sua origem em que período e contexto político e econômico?
Valdeci Monteiro dos Santos – A ideia de se estruturar um porto na localidade de Suape surgiu de forma visionária, em 1954, com o padre francês Louis Joseph Lebret, que era economista e engenheiro especialista em portos. Lebret identificou nesta localidade potencial de implantação de um porto e, próximo dele, uma refinaria de petróleo.
A visão de Lebret começou a ter sentido estratégico no início dos anos 1970, quando começou a se traçar o projeto de construção de um porto integrado a uma zona industrial, inovador para a época, sintonizada com o que se fazia em alguns países.
Em 1973, foi lançada a pedra fundamental. O projeto surgiu num contexto mundial do primeiro choque do petróleo, crise econômica mundial e impulso da financeirização. No Brasil, ele surgiu na era Geisel, com o país resistindo à crise via endividamento externo, com o lançamento do chamado II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), iniciando o processo de desconcentração da base produtiva, na qual Pernambuco não engata. Portanto, Suape surge numa atitude ousada do governo de Pernambuco de lançar um complexo portuário-industrial sem estar no bloco de investimentos do II PND.
Ademais, começou efetivamente a operar, ainda que de forma precária, a partir de 1983, em meio ao aprofundamento da crise da economia brasileira. A infraestrutura portuária foi sendo constituída gradativamente até o final da década de 1990.
Pode-se dizer que, até meados de 2005, Suape se caracterizaria por investimentos no porto e na instalação de empresas de médio porte, com baixa complexidade tecnológica, pouca exigência de qualificação profissional e limitada capacidade de irradiação na economia regional. Vale lembrar que as décadas de 1980 e 1990 e os anos iniciais do Século 21 foram marcados pelo baixo crescimento e, em especial, por um processo de desindustrialização da economia estadual. Só para se ter uma ideia: em 1985, a indústria de transformação de Pernambuco representava cerca de 25% da base produtiva estadual, e, em 2005, essa participação caiu para 10,7%.
A partir de 2005, Suape passa a vivenciar uma nova etapa caracterizada por uma verdadeira “avalanche” de investimentos produtivos, cujo marco foi o anúncio da instalação da Refinaria de Petróleo General Abreu e Lima. Ao menos três fatores principais podem ser destacados como facilitadores deste novo momento: I) o ambiente de retomada da economia brasileira em novas bases, em que o Nordeste passou a apresentar taxas de crescimento acima da brasileira; II) a decisão do governo federal, por meio da Petrobras de construir uma nova refinaria depois de 28 anos no Nordeste, e também de reativar a indústria de construção naval a partir da sinalização de encomenda de novos navios e plataformas feitas em estaleiros do Brasil (o que viabilizou a implantação do estaleiro Atlântico Sul em Suape); e III) a postura e ação proativa do governo de Pernambuco em termos de política de atração de investimentos, favorecidas também pelo seu alinhamento político com o governo federal.
IHU On-Line – Por que o projeto é considerado estratégico para o Nordeste?
Valdeci Monteiro dos Santos – Suape está geograficamente bem posicionado na porção oeste da região. Se considerarmos um raio de 800 quilômetros a partir do CIPS, têm-se presente sete capitais, sete aeroportos internacionais, oito portos (um fluvial) e um mercado que envolve 30 milhões de pessoas e 90% do PIB do Nordeste. Num raio de 300 quilômetros, temos uma população de 12 milhões e 35% do PIB regional.
Por outro lado, com a perspectiva da implantação da ferrovia Transnordestina, Suape se candidata a ser uma importante referência no escoamento de produtos de grande impacto econômico e social para o interior do Nordeste, destacando-se o transporte de grãos, minérios, gipsita/gesso, frutas, etc., para Suape, bem como para o interior do Estado. A Transnordestina permitirá uma maior integração da sua parte oriental com a ocidental e para o CIPS, um potencial de expansão de mercado. Também merece destaque a duplicação da BR-101 Norte e Sul, por possibilitar o incremento dos negócios regionais. Vale lembrar que o CIPS será uma nova referência de entreposto.
A posição do porto equidistante da Europa e dos Estados Unidos facilita também como referência no transporte por cabotagem do Sudeste para o Nordeste e deste para o Norte e vice-versa.
IHU On-Line – Qual é hoje o peso de Suape na economia pernambucana?
Valdeci Monteiro dos Santos – Dois parâmetros podem servir de referência: I) os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, onde se localiza Suape, detinham juntas 9,7% do PIB estadual em 2000; este percentual subiu para 13,9% em 2009; II) os investimentos que estão em curso em Suape entre 2008 e 2014 são da ordem de R$ 45 bilhões representam aproximadamente 60% do PIB atual do Estado.
Além da dimensão e peso de Suape na economia, lembrando que alguns empreendimentos ainda estão em fase de maturação (refinaria, parte da petroquímica, estaleiros, etc.), é preciso destacar a contribuição de Suape na mudança de perfil produtivo, com o surgimento de novas atividades e cadeias produtivas (petróleo e gás, petroquímica, siderurgia, construção naval) como também reativação de atividades tradicionais (processamento de alimentos e bebidas, têxtil, construção civil, metal-mecânica). Também está acionando o setor de serviços locais, tanto os pessoais como aqueles voltados para a produção.
IHU On-Line – Quais são os problemas sociais provocados pelo projeto em seu entorno? Houve crescimento da especulação imobiliária? Outros problemas surgiram?
Valdeci Monteiro dos Santos – Forte fluxo migratório para as cidades dos arredores. As pessoas são atraídas pelo emprego nas obras de implantação dos projetos, pelo emprego direto nas empresas e pela possibilidade de montar um negócio. Ou mesmo são atraídas por um novo emprego. O dinamismo regional já vem provocando no entorno de Suape problemas como:
•aumento da violência urbana, incluindo aumento de mortes por armas de fogo ou brancas;
•aumento do tráfico e consumo de drogas;
•aumento de doenças sexualmente transmissíveis, como a aids;
•aumento de gravidez na adolescência, com impactos na assistência social;
•déficit habitacional versus aumento da demanda por moradia, provocando aumento no preço dos imóveis e dos aluguéis, exacerbado pelo componente especulativo;
•forte especulação também nas terras rurais;
•transtornos ligados à mobilidade e à acessibilidade.
Numa dimensão antropológica, há um choque cultural, lembrando que se trata de uma região com uma memória histórica ligada à cana-de-açúcar, com predominância de muita área rural e que está assistindo a forte influência do mundo industrial.
Vale destacar o contexto delicado das comunidades presentes dentro dos perímetros de Suape, onde hoje vivem mais de 28 mil pessoas. De forma ilegal e muito recente, a maioria ocupa o território. A sinalização do governo está no sentido de remoção para outra área fora de Suape. A presença de tais comunidades é por si só geradora de muita tensão.
IHU On-Line – Ambientalistas criticam que a sustentabilidade não foi levada em consideração no projeto. Procede a crítica?
Valdeci Monteiro dos Santos – Diria que realmente foi pouco considerada a questão ambiental ao longo de sua trajetória. Controle precário, em meio a uma expansão que, em que pese a existência de um primeiro plano diretor, se deu com controle e fiscalizações incipientes, o que permitiu uma ocupação e uso do solo desordenados. Nos últimos anos, com o boom de crescimento verificado, o grau de vulnerabilidade ambiental aumentou, apesar dos esforços que a administração pública vem empreendendo no sentido de tornar Suape ambientalmente mais sustentável. Atualmente, 51% da área de Suape é destinada à preservação, com ações de recomposição de matas ciliares, plantio de novas mudas de árvores associadas ao bioma da Mata Atlântica e às tentativas de fiscalização e prevenção ambiental. A tensão entre as atividades produtivas e a presença de um grande contingente de pessoas, que ocuparam de forma ilegal e irregular a área no entorno de Suape, existe e inspira preocupação.
Por outro lado, merecem atenção especial os impactos negativos que estão sendo gerados no sistema marinho, ou seja, na parte oceânica, levando em conta o impacto que a movimentação de navios pode causar à flora e à fauna do mar, na temperatura e nas correntes marinhas, além, é claro, do perigo, mesmo que remoto, de ocorrência de vazamento de óleo.
Além do espaço natural, observam-se vulnerabilidades na sustentabilidade do patrimônio histórico e arquitetônico presentes dentro de Suape (engenhos, igrejas, fortificações, etc.).
IHU On-Line – Há problemas trabalhistas nos canteiros de obras de Suape como se verifica nas obras das hidrelétricas?
Valdeci Monteiro dos Santos – As notícias da imprensa indicam que os grandes investimentos do complexo de Suape têm enfrentando importantes conflitos por conta da relação trabalhista, com problemas como atrasos nos pagamentos. Funcionários da Previne – empresa terceirizada do Estaleiro Atlântico Sul – acabaram paralisando as obras por dez dias. Também têm-se verificado problemas de atraso salarial e condições de trabalho associados à relação das empreiteiras com os operários, a exemplo da própria Refinaria, que já sofreu, inclusive, algumas paralisações por conta de protestos dos funcionários. Foram constatados também esquemas de “venda” de empregos em Suape, a exemplo de uma empresa do Piauí, que ofereceu um pacote que custaria R$ 350, que incluía taxa do agenciamento do posto de trabalho e o transporte para Pernambuco.
Uma importante questão relativa ao mercado de trabalho em Suape é o panorama evidenciado de baixo grau de qualificação profissional (e na base da população da região, também um nível de escolaridade ainda muito ruim), refletindo na obtenção de mão de obra de outros Estados.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Valdeci Monteiro dos Santos – Ao longo de três décadas, passando por sucessivos momentos da conjuntura nacional e estadual adversos, enquanto outros Estados priorizavam a “guerra fiscal”, o projeto maior de Suape foi tomando forma, mobilizando governos de bases políticas distintas, contando com o apoio irregular do governo federal.
O que se tem hoje é um ativo estratégico, com porto moderno, muito bem localizado, em franca expansão (triplicou o movimento de cargas e quintuplicou o de contêineres entre 2003 e 2010); um ativo estratégico com Plano Diretor atualizado, com um amplo distrito industrial possuindo um perfil diversificado e portador de futuro (novos tipos de indústrias). Trata-se de um Complexo diferenciado no que se refere à dimensão ambiental, pois 51% da área é destinada à preservação. Suape está se tornando um germe de nova centralidade econômica na região metropolitana do Recife.
A questão é que Suape convive com um entorno complexo: herdeiro de grande pobreza (cidades e população); recém-saído do rápido fechamento de numerosas usinas; dotado de rico patrimônio natural e cultural (polo turístico nacional – o melhor destino de praia do Brasil); com infraestrutura de acessibilidade insuficiente para os novos tempos; inserido numa metrópole em redefinição e dialogando com municipalidades pouco estruturadas.
Nesse sentido, Suape, ao mesmo tempo em que é uma grande oportunidade para Pernambuco, é também um grande desafio que passa pela necessidade de ações concretas visando a um crescimento sustentável e profundas mudanças na cultura empresarial, dos governos e da sociedade em geral.