TERRAMÉRICA – Agricultura próspera é possível
A vocação e a especialização são duas características de uma propriedade cooperativa que pode ser exemplo para melhorar a agricultura de Cuba.
Havana, Cuba, 20 de maio de 2103 (Terramérica).- “O ser humano é o único importante”, ressaltou o agrônomo Miguel Ángel Salcines, e em seguida enumerou outros elementos, secundários a seu ver, que converteram o Viveiro Alamar em um agronegócio próspero e singular na deprimida agricultura cubana. “Oferecemos horário flexível, salários bastante altos e superação profissional, entre outras vantagens que tornam a cooperativa atraente. Dessa forma captamos recursos humanos de boa qualidade, imprescindíveis hoje para produzir mais alimentos ecológicos”, afirmou ao Terramérica Salcines, presidente do Viveiro Alamar, cuja produção está livre de substâncias químicas desde 2000.
O mix desta empresa agropecuária também inclui transparência contábil, divisão equitativa do lucro, empréstimos sem juros aos trabalhadores, almoço gratuito e apoio às mulheres com filhos ou pessoas sob sua responsabilidade, que podem chegar até uma hora mais tarde depois do início da jornada, às sete da manhã. O capital humano foi decisivo para a decolagem produtiva deste empreendimento, fundado em 1997 em um terreno inicial de 800 metros quadrados, na localidade costeira de Alamar, 15 quilômetros a leste do centro de Havana.
Por isso o veterano Salcines afirma que, para conseguir segurança alimentar em Cuba, são necessários trabalhadores agrícolas com mais vocação e estudos. Em 2012 os preços internacionais dos alimentos dispararam devido às más colheitas em vários centros produtores, como os Estados Unidos. Os países caribenhos, que importam quase todo seu alimento, foram os mais afetados da área, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
A desnutrição afeta menos de 5% da população de Cuba, mas este país teve de gastar, no ano passado, pouco mais de US$ 1,633 bilhão em alimentos importados, quantia insustentável para uma economia em crise há mais de 20 anos, segundo especialistas. Reduzir esse gasto milionário com maior produção nacional continua sendo um desafio para o governo de Raúl Castro. Na verdade, no primeiro trimestre deste ano o Escritório Nacional de Estatística e Informação registrou queda de 7,8% na cultura da cana.
“Há muita demanda para ser atendida, por isso vendemos tudo o que produzimos”, explicou Salcines, fundador da Unidade Básica de Produção Cooperativa, que hoje se estende a 10,14 hectares e planta mais de 230 variedades (na maioria vegetais e algumas frutas, grãos e tubérculos), em superfícies protegidas, semiprotegidas e a céu aberto. Em meio a uma agricultura pouco eficiente, o Viveiro Alamar cresce há mais de 15 anos, graças à constante atualização de seu manejo ecológico, apreciado inclusive pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, que visitou a propriedade no começo deste mês.
Em 2012 foram colhidas 400 toneladas de vegetais, outras 5,5 de plantas medicinas e espirituais (usadas em rituais religiosos), 350 de húmus de minhoca, além de 2,6 toneladas de condimentos secos. Também foram produzidas 30 mil mudas de plantas ornamentais e frutíferas e três milhões de mudas destinadas à semeadura própria e venda a outros camponeses, segundo Salcines. As hortaliças, principalmente alface, são os produtos mais procurados pelas famílias de Alamar, que, como as do resto do país, começaram a aprender há alguns anos os benefícios de incluir mais vegetais em uma dieta baseada em arroz, feijões, “viandas” (tubérculos) fritos e carne de porco.
“A primeira vez que plantamos couve-flor, em 2000, ficou toda no campo porque ninguém a conhecia”, disse ao Terramérica a engenheira em saúde vegetal, Norma Romero. Para ela, uma das contribuições das mais de 33 mil propriedades urbanas e suburbanas de Cuba é ampliar o acesso e o consumo de vegetais. Receitas para preparar saladas e fungos comestíveis, um projeto do Viveiro Alamar, acompanham as listas de produtos no ponto de venda da cooperativa, como parte de sua estratégia comercial e educativa. As prateleiras também recebem conservas e pasta de alho, resultados de contar com uma pequena indústria própria.
Apesar do selo ecológico, estes produtos têm preços menores do que os cultivados com agroquímicos e vendidos nos mercados agropecuários privados, conhecidos como de “livre oferta e demanda”. Os “preços acessíveis são a principal atração. Um pé de alface custa aqui quatro pesos cubanos (US$ 0,05), enquanto em todas as partes vale dez pesos”, disse ao Terramérica uma cliente assídua, Sonia Ricardo. “Os vegetais estão frescos, não têm inseticidas e as vendedoras são bem ágeis”, acrescentou.
Estes preços permitem à cooperativa obter bons lucros, garantiu ao Terramérica o chefe de produção, Gonzalo González. São vendidos diretamente à população 85% dos produtos, e o restante vai para empresas turísticas, como a emblemática Bodeguita del Medio de La Habana. Desde seu início, com cinco pessoas, a cooperativa avança passo a passo para uma produção de ciclos fechados, que minimiza a geração de resíduos e danos ambientais. “Tentamos comprar fora a menor quantidade possível de insumos”, detalhou González, explicando que daí surgiu “a ideia de obter nosso esterco e vários biopesticidas e fertilizantes”.
O Viveiro cria porcos para obter esterco, tem galpões de húmus de minhoca e reproduz micorrizas (fungos que favorecem o crescimento das plantas), insetos e micro-organismos eficientes para elevar seus rendimentos. Além disso, está vinculada a 17 centros científicos para incorporar novas técnicas e produtos ecológicos. Agora, as 195 pessoas que trabalham no lugar buscam elevar a exploração em 40% para atingir o teto produtivo, e ampliar a criação de coelhos e carneiros para incluir carne em suas vendas e melhorar o consumo de proteínas entre a população próxima, cerca de 30 mil pessoas.
O quadro trabalhista é integrado por 175 cooperativados e 20 empregados, e tem um alto grau de formação, pois 92 têm formação universitária e 42 nível técnico. As mulheres são apenas 46. “Uma propriedade agrícola pode ser mais do que geradora de alimentos”, enfatizou Salcines, olhando para um grupo de turistas estrangeiros que faziam uma visita guiada com almoço ecológico ao Viveiro Alamar. Envolverde/Terramérica